Após um ano, polícia revela detalhes de crime que resultou em chacina em Camaragibe
Investigação apontou que o vigilante Alex da Silva Barbosa matou dois policiais militares e a vizinha que estava grávida, em 14 de setembro de 2023
Às vésperas de completar um ano, a Polícia Civil encerrou o inquérito que apurou a autoria das mortes de dois policiais militares e de uma mulher grávida no município de Camaragibe, no Grande Recife. O crime, nas horas seguintes, resultou na chacina de parentes do principal suspeito, o vigilante Alex da Silva Barbosa, de 33 anos.
O Grupo de Operações Especiais (GOE) apontou que o vigilante foi o autor das mortes do soldado Eduardo Roque Barbosa de Santana, de 33 anos, e do cabo Rodolfo José da Silva, 38, no bairro de Tabatinga, na noite de 14 de setembro do ano passado, como já era cogitado. Além disso, Alex também disparou o tiro que atingiu a vizinha, Ana Letícia Carias da Silva, 19, que estava grávida.
"Esse era o grande objetivo da gente esclarecer. Só tinha uma testemunha ocular, a mãe de Letícia. Foram a perícia e a reprodução simulada que definiram de onde veio o disparo que atingiu a mulher", disse o delegado Ivaldo Pereira, gestor da Diretoria Integrada Metropolitana da Polícia Civil de Pernambuco, em entrevista exclusiva à coluna Segurança.
Naquela noite, a polícia foi acionada por moradores que denunciaram que um homem estaria em cima de uma laje realizando disparos de tiros. Quando os policiais chegaram ao local, houve correria e troca de tiros com o vigilante. Testemunhas contaram Ana Letícia saiu da residência e, à frente de Alex, clamou para que parassem com os tiros, pois haviam crianças no local. Ela acabou baleada.
Na época, houve a informação de que Alex ainda teria feito a mulher de escudo humano, o que fez crer que um dos policiais poderia ter sido o autor do tiro que a atingiu.
"A perícia inicial do local relatou que (o tiro) poderia ter sido do policial. Porém, com IML (Instituto de Medicina Legal) e com a reprodução simulada, verificou-se que, na verdade, o tiro veio entrando no crânio de Ana Letícia e saiu no olho. A perícia tanatoscópica conseguiu ver o orifício de entrada e de saída. O tiro veio de Alex, de trás para frente e de cima para baixo. Não tinha condições de ser do policial. O autor tanto da Letícia, quanto dos policiais, foi o Alex. Ficou caracterizado que ele agiu sozinho", declarou Ivaldo Pereira.
Os policiais militares morreram logo após os tiros. Ana Letícia foi socorrida por parentes e permaneceu semanas internada em estado grave no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), na área central do Recife. No dia 2 de outubro, ela deu à luz uma menina. Dezenove dias depois, Ana faleceu.
Esse inquérito foi concluído pelo GOE sem o indiciamento, visto que Alex da Silva, apontado como o autor, foi morto no dia seguinte numa nova troca de tiros com policiais militares. O resultado foi encaminhado para análise do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), que vai decidir se pede o arquivamento à Justiça ou solicita novas diligências.
Esse foi o terceiro inquérito concluído pelo GOE. Ainda falta o último, relacionado às autorias dos assassinatos da mãe e da esposa de Alex. Entenda a seguir.
TORTURAS E CHACINA
Logo após as mortes dos dois policiais militares, colegas de fardas deram início a buscas por Alex. Um adolescente de 14 anos, primo de Ana Letícia, chegou a ser torturado e atingido com um tiro na cabeça no momento em que fazia o socorro da vítima. Ele sobreviveu e, em depoimento, culpou PMs pela violência.
As investigações conduzidas por uma força-tarefa do MPPE indicaram que, na madrugada do dia 15 de setembro, uma reunião comandada por oficiais da Polícia Militar, nas proximidades da Faculdade de Odontologia de Pernambuco, teria ordenado a chacina.
Na mesma madrugada, foram executados a tiros três irmãos de Alex, identificados como Ágata Ayanne da Silva, 30, Amerson Juliano da Silva e Apuynã Lucas da Silva, ambos de 25. Ágata chegou a transmitir ao vivo, por meio do Instagram, o crime. Ela e Amerson morreram na hora. Apuynã faleceu após ser socorrido e encaminhado para o Hospital da Restauração, no Recife.
O inquérito dessas três mortes foi concluído em março deste ano. O GOE indiciou cinco praças da PMs. Mas o MPPE decidiu denunciar nove praças e três oficiais - incluindo o então comandante do 20º Batalhão, o tenente-coronel Fábio Roberto Rufino da Silva, e Marcos Túlio Gonçalves Martins Pacheco, que ocupava o segundo posto de comando da inteligência da PM.
Os oficiais teriam acompanhado, em tempo real, por meio de mensagens de aplicativo, o desenrolar das perseguições, torturas e mortes de familiares do vigilante.
Dos 12 PMs que viraram réus por triplo homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e sem chance de defesa das vítimas), cinco foram presos preventivamente. Sete foram afastados das funções públicas por determinação da Justiça. Ainda não há prazo de julgamento.
Transcrições de diálogos, reveladas com exclusividade pela coluna Segurança, mostraram que policiais comemoraram mortes de parentes de Alex. "Tô feliz, tem que ser assim", disse um dos militares em mensagens obtidas pelo MPPE por meio de quebra dos sigilos telefônico e telemático de parte dos investigados.
Ainda na madrugada de 15 de setembro, segundo a investigação, a cunhada de Alex estava chegando em casa, com as duas filhas de 10 e 11 anos, quando cinco militares, usando um carro sem placas, fizeram a abordagem ao veículo de aplicativo.
"Por acreditarem que esta era a parente de Alex que possivelmente daria 'o cavalo' (fuga) a ele, fizeram-na descer do veículo, onde ficaram sozinhas as duas crianças no seu interior", revelou a denúncia do MPPE.
"Todos fortemente armados, passaram a torturar psicologicamente a referida mulher, causando-lhe forte sofrimento psíquico, através de coações e ameaças, a fim de obter informações relativas a Amerson (Juliano da Silva, irmão de Alex), seu esposo, no intuito de fazer com que este se dirigisse até o local, levando consigo o seu irmão Alex, quando então seria efetivado o plano de uma emboscada para matá-los", pontuou a denúncia.
O motorista de aplicativo, sem qualquer relação com o caso, também teria sido torturado física e psicologicamente.
A tortura sofrida pela mulher e pelo motorista foi investigada em um inquérito policial militar. Os mesmos 12 PMs viraram réus por tortura. Eles respondem perante a Vara de Justiça Militar.
Em entrevista exclusiva ao JC, em março deste ano, Fábio Rufino negou todas as acusações atribuídas a ele. "Eu não passei nenhuma mensagem, nem informação a respeito do que tinha acontecido. Eu entrei em contato só com diretor integrado metropolitano", declarou.
MORTES DE MÃE E ESPOSA DE ALEX AINDA EM INVESTIGAÇÃO
Na manhã do dia 15, os corpos da mãe de Alex, Maria José Pereira da Silva, e da esposa dele, Maria Nathalia Campelo do Nascimento, 27, foram encontrados num canavial em Paudalho, na Zona da Mata Norte do Estado. Essa investigação é a última que falta a Polícia Civil concluir.
"A resposta vai ser dada o mais breve possível, dentro de um trabalho de investigação pautado pela imparcialidade, bem fundamentada, como o GOE trabalha. É um inquérito mais complexo, porque houve o arrebatamento das vítimas de um local e o assassinato foi em outro local de difícil acesso", disse o delegado Ivaldo Pereira.
Na mesma manhã, Alex foi encontrado por policiais militares e houve uma troca de tiros. O vigilante acabou morto.
"Antes de morrer, ele ainda atingiu três policiais nesse confronto e, após isso, ele recebeu os disparos. Configurou-se uma legítima defesa", pontuou Pereira. A pedido do MPPE, a Justiça arquivou esse inquérito.