Perigo e crime no consultório: falsos dentistas seguem atuando até no serviço público

Conselho Regional de Odontologia de Pernambuco identificou 36 pessoas no exercício ilegal da profissão desde 2023. E mais denúncias estão em apuração

Publicado em 20/09/2024 às 9:22

Apesar do aumento das fiscalizações, falsos dentistas continuam atuando livremente em consultórios, laboratórios e até em unidades de saúde pública. O alerta é do Conselho Regional de Odontologia de Pernambuco (CRO-PE). Desde 2023, ações já identificaram 36 pessoas praticando o crime de exercício ilegal da profissão e colocando cidadãos em perigo. Ao menos cinco novas denúncias estão sob apuração da Polícia Civil. 

"As fiscalizações ocorrem durante todo o ano em clínicas, laboratórios e serviços de saúde públicos e privados para identificar quem está atuando como dentista sem formação, representando sérios riscos à saúde bucal da população. Há, por exemplo, casos de estudantes de odontologia que exercem a profissão e, como têm idades entre 30 e 40 anos, os pacientes nem desconfiam que eles não têm formação", alertou o presidente do CRO-PE, Eduardo Vasconcelos. 

"Em um caso recente na Bahia, um estudante foi flagrado exercendo a profissão ilegalmente e alegou que não sabia que tinha que concluir o curso para exercer a profissão. Há estudante até fazendo cirurgia. Trata-se de crime", citou.

Flagrantes de irregularidades ocorrem sobretudo em áreas de periferia e, muitas vezes, em espaços alugados e com condições precárias de estrutura básica e higiene - elevando ainda mais o perigo aos pacientes. 

Vasconcelos relatou que, nas ações de rotina, protéticos foram flagrados atuando como dentistas de unidades de saúde mantidas por prefeituras.

"Não são apenas esses profissionais que vão responder criminalmente. Os secretários de saúde desses municípios também são responsabilizados. Recentemente, vários laboratórios de prótese ilegais vinculados aos municípios também foram identificados com profissionais sem formação adequada", contou.

OPERAÇÃO EM EDIFÍCIO

Em setembro do ano passado, uma operação conjunta do CRO-PE com a Polícia Civil, em parceria com órgãos como Vigilância Sanitária do Recife, Procon e Corpo de Bombeiros, resultou na interdição de 25 estabelecimentos no Edifício Brasília, localizado no bairro de Santo Antônio, na área central do Recife.

Nos locais, profissionais sem formação exerciam a odontologia ilegalmente. Ao todo, 52 pessoas - entre trabalhadores e proprietários - foram conduzidas à Delegacia de Polícia do Consumidor, localizada no bairro da Boa Vista, para prestar esclarecimentos sobre as atividades.

A Operação Planalto, como foi denominada, teve início após denúncia apresentada pelo CRO-PE, apontando atividades clandestinas relacionadas à confecção e venda de próteses dentárias irregulares. 

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Operação, em 2023, identificou atividades clandestinas de confecção e venda de próteses dentárias irregulares em edifício no Recife - DIVULGAÇÃO

"É importante frisar que a Vigilância Sanitária tem um papel muito relevante nessas ações, porque os técnicos recolhem todo o material irregular. A atividade ilegal cessa por causa do prejuízo financeiro a quem comete esses atos irregulares", destacou Eduardo Vasconcelos.

Somente no último mês de agosto, o CRO-PE realizou 1.111 visitas a consultórios e clínicas do Estado. Uma fisioterapeuta, que atuava ilegalmente como cirurgiã-dentista em Olinda, foi denunciada à polícia e ao Ministério Público.

O conselho identificou que a profissional realizava procedimentos como preenchimento com ácido hialurônico, lipo de papada (remoção do excesso de gordura abaixo do queixo) e até platismoplastia (cirurgia para melhorar a aparência do pescoço), mesmo sem a habilitação necessária. 

CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA

No começo dessa semana, após denúncias anônimas, o CRO-PE protocolou outra queixa na Delegacia do Consumidor. Foi descoberto que quatro estudantes estariam atuando como cirurgiões-dentistas sem a devida habilitação.

Provas, como imagens publicadas nas redes sociais com os serviços irregulares feitos pelo grupo, foram entregues à Polícia Civil para ajudar nas investigações e evitar, o mais breve possível, que mais pessoas sejam vítimas dos falsos profissionais. 

O advogado Armando Moury Fernandes, coordenador da Casa de Justiça e Cidadania (CJC) da UniFafire, reforçou que a prática de procedimentos odontológicos por pessoas sem qualificação coloca em risco a integridade física e a saúde dos pacientes. E que os responsáveis podem responder por vários crimes. 

"O exercício ilegal da odontologia ocorre quando alguém realiza atos privativos dos cirurgiões-dentistas sem a devida habilitação legal. Do ponto de vista penal, a prática configura o crime previsto no artigo 282, além de poder gerar a responsabilização por lesões corporais, falsidade ideológica e até homicídio culposo, dependendo dos danos causados", explicou. 

Segundo a lei, o crime de exercício ilegal da profissão de médico, dentista ou farmacêutico pode resultar em detenção de seis meses a dois anos, além de multa. 

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Somente em 2023, nove ações identificaram 28 falsos profissionais atuando como dentistas - DIVULGAÇÃO

Recentemente, o presidente do Conselho Regional de Odontologia de Pernambuco também recebeu denúncia de que uma estudante de odontologista estaria usando indevidamente o número do CRO de uma profissional do Estado. 

Nesse caso, a universitária pode responder por falsidade ideológica. 

O advogado pontuou que, mesmo após concluir o bacharelado em odontologia, o profissional só pode exercer a profissão após se registrar no Conselho Regional de Odontologia. "A falta desse registro, independentemente da formação, configura o crime de exercício ilegal."

"É importante também pontuar quer se o dentista realizar procedimentos que extrapolam o escopo de sua competência legal ou técnica, ele estará cometendo o crime previsto no artigo 282, que também se aplica àqueles que, embora registrados, ultrapassam os limites permitidos para o exercício de suas atividades", afirmou Fernandes. 

A pena, nesse caso, é de seis meses a dois anos de prisão. Se o crime for praticado com a intenção de lucro, a Justiça ainda pode aplicar multa. 

OUTRAS PUNIÇÕES

"Além disso, o cirurgião-dentista que atuar sem a devida qualificação também está sujeito a responder civilmente pelos danos causados aos pacientes, podendo ser condenado ao pagamento de indenizações por imperícia, negligência ou imprudência, conforme estabelecido no Código Civil Brasileiro", disse o advogado. 

Fernandes ressaltou que o cirurgião-dentista só pode atuar dentro dos limites definidos pela legislação odontológica e regulamentação do Conselho Federal de Odontologia (CFO).  

Em 3 de setembro, dois cirurgiões-dentistas foram suspensos do exercício profissional de forma cautelar. A decisão do CRO-PE, tomada por maioria de votos em reunião plenária, apontou que as condutas dos profissionais colocavam em risco a saúde e a integridade física dos pacientes.

Os integrantes do conselho levaram em consideração uma resolução que autoriza medidas cautelares em casos de práticas irregulares como procedimentos, tratamentos ou prescrições fora dos limites da odontologia. 

Os dois cirurgiões-dentistas estão impedidos de exercer a profissão por 30 dias, mas o tempo poderá ser prorrogado. 

COMO IDENTIFICAR E DENUNCIAR IRREGULARIDADES?

Fiscalizações ocorrem frequentemente, mas a população também pode fazer a sua parte para evitar a prática ilegal da odontologia e, principalmente, os riscos à saúde bucal. 

É preciso redobrar a atenção em relação às promessas de preços muito abaixo da média pelos serviços e também observar os ambientes onde ocorrem os atendimentos. Os materiais precisam ser esterilizados, inclusive com a comprovação feita aos olhos do paciente. 

Em agosto deste ano, um falso dentista foi preso em Campinas, São Paulo, após denúncias recebidas pela polícia. Durante a investigação, chamou a atenção o fato de o suspeito ofertar procedimentos odontológicos por preços muito baixos. Em alguns casos, chegava a cobrar apenas 10% do custo de mercado.

Para enganar os pacientes, ele contava com diplomas falsos destacados na sala de atendimento. O homem tinha mais de 10 mil seguidores em uma rede social. 

O CRO-PE alerta a população sobre os perigos das próteses dentárias irregulares e reforça a importância de buscar atendimento junto a cirurgiões-dentistas devidamente registrados no conselho. Esses profissionais são capazes de avaliar qual é o melhor tratamento e a prótese mais adequada.

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"Nosso principal objetivo, nas fiscalizações, é proteger a saúde da população", afirma o presidente do CRO-PE, Eduardo Vasconcelos - DIVULGAÇÃO

Em relação à identificação do profissional habilitado, o presidente do conselho, Eduardo Vasconcelos, afirmou que é obrigatório que o número do CRO esteja visível na placa de entrada do consultório. 

"Os pacientes também pode entrar no site do CRO-PE e procurar número e foto do profissional. Isso vai garantir mais segurança", disse. 

O endereço é cro-pe.gov.br. Nesse mesmo site, há em destaque um ícone para que a população registre denúncias de pessoas que estão praticando o exercício ilegal da odontologia. 

"Quando as denúncias chegam, em geral, vamos a campo fazer as fiscalizações para comprovar se há irregularidades. Mas quando observamos que há risco, a gente também chama a polícia para dar apoio", contou Vasconcelos.

Ele pontuou que as denúncias podem ser feitas de forma anônima. Mas pediu que a população repasse o máximo de informações possíveis para facilitar o trabalho dos fiscais na identificação do local que deve passar pela vistoria. 

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