Mercado ilegal de fios e cabos elétricos gera aumento de incêndios por curto-circuito no País
Entidades denunciam que cobre furtado é usado na fabricação de fios e cabos de má qualidade e que isso resulta em sobrecarga e riscos à população

A onda de furtos de cabos e fios elétricos - que não para de crescer no País - não resulta apenas em prejuízos materiais e dor de cabeça para à população. Entidades denunciam que o cobre extraído está sendo usado na fabricação e venda irregular de fios e cabos de má qualidade e que isso tem relação direta com o aumento de curtos-circuitos no País.
Um levantamento inédito da Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel) somou 1.205 incêndios por sobrecarga no ano passado. Houve aumento de 23,5% nas ocorrências em comparação com 2023, quando 963 registros foram contabilizados no País. Nos dois últimos anos, 117 pessoas morreram.
De acordo com estudos realizados pela Abracopel, parte expressiva desses incêndios por sobrecarga ocorre por causa do mercado ilegal de fios e cabos elétricos. E esse ciclo tem início justamente nos furtos, que ocorrem sobretudo em ruas e avenidas no horário noturno.
"Em geral, os furtos ocorrem para a retirada do cobre, que é vendido nos ferros-velhos. Esses materiais viram outros produtos, inclusive fios e cabos de má qualidade, que geram sobrecargas e incêndios. Por isso, estão sendo observados tantos acidentes com choque elétrico nos últimos anos", afirmou o engenheiro eletricista Edson Martinho, diretor-executivo da Abracopel.
Somente em Pernambuco, segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS), 435 ocorrências de furto de fios e cabos foram somadas pela polícia em 2024. No mesmo período do ano anterior, foram 379 casos.
"Há vários fabricantes de má índole fazendo e colocando no mercado fios e cabos com menos cobre, vendendo como se fossem fios originais. Só que quando você tira o cobre, você aumenta o que nós chamamos de resistência. Essa resistência se transforma em calor e aí o incêndio está iniciado", disse Edson Martinho.

TESTES COMPROVAM IRREGULARIDADES
A Associação Brasileira Pela Qualidade dos Fios e Cabos Elétricos (Qualifio) realizou a avaliação de 923 fios e cabos de 91 fabricantes disponíveis no mercado ao longo de 2023. Os testes identificaram que 600, ou seja, 65% do total, apresentavam irregularidades e não deveriam estar à disponíveis para venda à população.
"É um problema muito sério, porque a qualidade dos fios e cabos está piorando cada vez mais. O lucro é muito grande para quem economiza na quantidade de cobre que é necessária nesses materiais. A tendência é piorar, com mais curtos-circuitos sendo registrados", afirmou o engenheiro Maurício Santana, secretário-executivo da Qualifio.
"Os fios e cabos são furtados e são vendidos nas esquinas. Logo depois esse cobre é retirado e já é transformado em fios, que geralmente são repassados sem seguir as normas técnicas ideais. É um verdadeiro ciclo, que está levando a prejuízos materiais e pessoas à morte", reforçou.
Para a entidade, é preciso punir os fabricantes de forma exemplar, impedindo que voltem a fabricar fios e cabos que coloquem os consumidores em risco.
"A Qualifio tem denunciado constantemente, mas o Inmetro não tem estrutura para fiscalizar tudo. Eles dão o selo de garantia para quem está de acordo com as normas, mas o fiscalizador só volta seis meses depois para novos testes. Até lá, aquele material pode estar sendo fabricado com má qualidade", alertou Santana.

EM PERNAMBUCO, POLÍCIA CRIOU OPERAÇÃO PARA COMBATER CRIME
Diante do aumento dos furtos de fios e cabos elétricos, a Polícia Civil de Pernambuco criou a Operação Tentáculos, que é voltada exclusivamente para o combate ao roubo, furto e receptação de fios de cobre. A operação conta com a colaboração de diversas instituições, incluindo o Corpo de Bombeiros, Telecom e a Neoenergia.
Em 2024, a Operação Tentáculos teve duas fases em ferros-velhos, resultando em cinco inquéritos policiais, duas prisões em flagrante e apreensões de materiais de origem ilícita.
As investigações apontam que o crime, em geral, é praticado por pessoas em situação de rua que furtam e repassam o cobre para comprar droga ou para alimentar outros crimes.
O foco principal da polícia tem sido justamente os receptadores desses materiais. Na prática, são os que obtêm mais lucros.

Em 2023, a Polícia Civil apreendeu mais de uma tonelada de fios de cobre. A quantidade é suficiente para deixar uma cidade como Recife sem internet, por exemplo.
Em 9 de agosto do mesmo ano, um incêndio foi registrado em uma uma subestação de energia localizada na BR-232, no bairro do Curado, na Zona Oeste do Recife. Imagens de câmeras de vigilância da Neoenergia identificaram que duas pessoas invadiram o terreno para tentar furtar os cabos, provocando uma explosão.
Na ocasião, equipes do Corpo de Bombeiros foram ao local e apagaram as chamas. Não houve registro de feridos. Mas, por algumas horas, o fornecimento de energia foi interrompido, provocando transtornos aos cidadãos.
RECOMENDAÇÕES AO CONSUMIDOR
A Qualifio aconselha que, ao escolher fios e cabos elétricos, os consumidores estejam atentos à presença de informações claras na etiqueta, indicando a conformidade com as normas de segurança vigentes - com a logomarca do Inmetro, número do registro do produto e logo do órgão certificador.
É importante, ainda, ficar atento aos dados do fabricante, como endereço, CNPJ e telefone para contato.
"Outra recomendação é verificar, no site da Qualifio, a lista de 25 marcas avaliadas duas vezes ao ano. É preciso conscientizar a população, até porque o barato sai caro. Principalmente no Nordeste, região que faz mais calor nessa época do ano. O uso de ar-condicionado com um fio de má qualidade, com pouco cobre, pode provocar um curto-circuito em apenas duas horas de uso. É preciso ter essa consciência", afirmou Maurício Santana.
O endereço do site da entidade é qualifio.org.br.
Vídeo explica como denunciar:
A Qualifio propõe que, nas licitações de órgãos públicos, sejam definidas as normas a serem utilizadas e que os pagamentos só ocorram após a comprovação da qualidade dos produtos. Também pede que as construtoras se conscientizem do risco que estão expondo os futuros moradores ao fazerem a utilização de produtos de má qualidade.