Ex-promotor de Justiça, Marcellus Ugiette é condenado por corrupção e lavagem de dinheiro
Sentença afirma que réu usou o cargo público para beneficiar um preso em troca de dinheiro e um Iphone. Pena foi de 10 anos de nove meses de prisão

O ex-promotor de Justiça Marcellus Ugiette foi condenado a dez anos e nove meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A sentença da Vara dos Crimes Contra a Administração Pública e a Ordem Tributária de Recife foi publicada nesse domingo (16). Por telefone, Ugiette afirmou ser inocente (leia entrevista mais abaixo).
A coluna Segurança, deste Jornal do Commercio, teve acesso com exclusividade à decisão da juíza Roberta Franco Nogueira. Nela, a magistrada destacou que Ugiette usou o cargo público para beneficiar um preso para evitar que ele fosse transferido de unidade prisional. Em troca, o ex-promotor teria recebido R$ 3 mil em dinheiro, quantia depositada na conta de um filho, e um Iphone.
O detento foi identificado como Gilson Fonseca dos Santos. Ele cumpria pena no Presídio de Santa Cruz do Capibaribe, no Agreste de Pernambuco, por condenação na 2ª Vara dos Crimes Contra a Criança e Adolescente da Capital. Agora, Gilson também foi condenado por corrupção ativa. A pena foi de seis anos e oito meses de prisão, além de 120 dias/multa.
A esposa de Gilson, Genilza Gonçalves Carneiro, foi condenada pelo mesmo crime. A pena foi de quatro anos e seis meses de prisão, além de 90 dias/multa.
Por decisão da juíza, as penas terão que ser cumpridas inicialmente em regime fechado. No entanto, Ugiette e Genilza, réus primários, terão direito a recorrer da condenação em liberdade.
OPERAÇÃO DEU INÍCIO À INVESTIGAÇÃO CONTRA PROMOTOR
Marcellus Ugiette, que atuava na Promotoria de Execuções Penais e ficou conhecido em todo o Estado pela forte atuação e cobrança por melhorias no sistema prisional, começou a ser investigado pela Procuradoria-Geral de Justiça após ser alvo da Operação Ponto Cego, da Polícia Civil de Pernambuco, em agosto de 2018.
A investigação indicou que Ugiette teria favorecido membros de uma organização criminosa, já presos, para que os mesmos fossem transferidos do Centro de Observação e Triagem (Cotel), em Abreu e Lima, para o Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros, no Complexo Prisional do Curado, na Zona Oeste do Recife, onde poderiam continuar praticando os crimes.
O grupo criminoso é acusado de estelionato, corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de capital, advocacia administrativa e furto qualificado.
Dois advogados da organização, Assiel Fernandes e Karen Danielowski, teriam sido os intermediadores. Em troca, Ugiette teria recebido quantias em dinheiro depositadas na conta bancária do filho. Os advogados também foram presos no dia da operação. Atualmente, estão em liberdade aguardando sentença.
A partir da operação, a Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) passou a investigar Ugiette, que foi afastado das funções públicas. No ano seguinte, ele teve a aposentadoria voluntária aprovada.
Na investigação, a PGJ descobriu que o então promotor teria recebido, entre maio e julho de 2018, depósitos em dinheiro e um celular Iphone oferecidos por Gilson e Genilza.
PROVAS INDICARAM CORRUPÇÃO
Na sentença, a juíza destacou as provas encontradas ao longo da investigação que resultou na condenação do ex-promotor.
Segundo a decisão, Marcellus Ugiette enviou ofícios à diretoria do Presídio de Santa Cruz do Capibaribe para beneficiar Gilson Fonseca. Cópias dos documentos foram encontradas na sala funcional do promotor, no Recife, durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão.
Em 11 de janeiro de 2018, quando foi expedido um mandado de prisão, Gilson teria entrado em contato com Ugiette por meio do WhatsApp, "tendo possivelmente se encontrado com o promotor de Justiça na mencionada data, como se verifica nas trocas de mensagens entre eles".
A sentença pontuou que a intervenção indevida do promotor tinha o objetivo de evitar que o detento fosse transferido para a Penitenciária Barreto Campelo, em Itamaracá.
Consta ainda que, no dia 25 de janeiro de 2017, Ugiette teria levado Gilson, a esposa e o então prefeito de Vertentes para conhecer o então diretor do Presídio de Santa Cruz do Capibaribe. O fato foi confirmado, em depoimento, por Genilza e pelo então gestor da unidade prisional.
"Restou apurado junto ao Gaeco que Marcellus Ugiette, extrapolando novamente suas funções, continuou a atuar em favor do denunciado Gilson Fonseca junto ao Presídio de Santa Cruz do Capibaribe, pois por contato telefônico e, posteriormente, por meio de ofícios, pretendia que fosse elaborado Relatório de Acolhimento Psicológico e Social pela equipe técnica do Presídio de Santa Cruz do Capibaribe", apontou a sentença.
Em depoimento ao Gaeco, Genilza declarou que o objetivo do relatório era ajudar a defesa para que Gilson recebesse o benefício da prisão domiciliar, sob o argumento de que a filha do casal era autista e precisava dos cuidados do pai.
Sobre o iPhone dado ao ex-promotor, Genilza alegou que se tratava de um presente de aniversário. Já a quantia em dinheiro seria um empréstimo a Ugiette.
"A atuação do denunciado Marcellus é intensa para a obtenção de tal documento, tendo trocado mensagens via WhatsApp com o diretor do Presídio de Santa Cruz do Capibaribe, bem como enviado ofício para obtenção de tal documento", descreveu a sentença.
"CONDUTA REPROVÁVEL"
Na sentença, a juíza teceu críticas à conduta do ex-promotor Marcellus Ugiette.
"O acusado, na condição de promotor de Justiça, ostentava um grau de responsabilidade significativamente elevado, sendo-lhe exigido um compromisso intransigente com a legalidade, a moralidade administrativa e a imparcialidade no exercício de suas funções. A sociedade deposita no Ministério Público a expectativa de atuação independente e proba na defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais, o que torna ainda mais reprovável a conduta de um de seus membros que, ao invés de cumprir sua missão constitucional, desvirtua seu cargo em benefício particular", afirmou.
Além da pena de dez anos e nove meses de prisão, que inicialmente precisará ser cumprida em regime fechado, a magistrada fixou a obrigatoriedade do pagamento de 210 dias-multa, cujo valor é de um terço do salário mínimo vigente ao tempo do fato para cada dia-multa.
MARCELLUS UGIETTE DIZ QUE VAI RECORRER DA CONDENAÇÃO
Em entrevista à coluna por telefone, Marcellus Ugiette afirmou que ainda não teve conhecimento da sentença condenatória. Mas declarou que vai recorrer em segunda instância.
"Continuarei declarando minha inocência. Não pratiquei nenhum crime. Está provado nos autos. Vamos recorrer até a última instância para provar minha inocência. Mais de 30 testemunhas foram ouvidas no processo. Nenhuma fala que sou corrupto e que lavei dinheiro. Vou usar o direito para buscar o direito", disse Ugiette, que está atuando como advogado.
O processo relacionado à Operação Ponto Cego, citada na reportagem, ainda está em andamento na Justiça. A expectativa é de que a sentença seja publicada ainda no primeiro semestre deste ano. Ugiette também é réu.
ABSOLVIÇÃO POR EXTRAVIO DE DOCUMENTOS
Em 2022, Ugiette foi absolvido da acusação de crime de extravio de documentos. A sentença, assinada pela mesma juíza que agora o condenou por corrupção, destacou que não havia provas suficientes contra o réu.
Durante uma vistoria em 2018 feita por inspetores da Corregedoria do Ministério Público na sala da 19ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital, onde o ex-promotor atuava, foi encontrado um processo relacionado a um crime de homicídio que ocorreu em 1999 no município de Escada. O processo estava parado havia quase 20 anos, sem que tivesse sido encaminhado à Justiça.
por isso, a Procuradoria Geral de Justiça entendeu que Ugiette havia praticado o crime previsto no artigo 314 do Código Penal, que é de extraviar livro oficial ou qualquer documento, de que tem a guarda em razão do cargo, e o denunciou.