COMÉDIA

Conheça Dave Chappelle, um dos maiores comediantes da atualidade

Dono de Grammys, Emmys e o prestigiado prêmio Mark Twain, Dave Chappelle é um dos mais celebrados comediantes do mundo, jogando ácido nas tensões e contradições da sociedade atual; seus especiais estão disponíveis na Netflix

Rostand Tiago
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Rostand Tiago
Publicado em 03/04/2020 às 17:00 | Atualizado em 03/04/2020 às 17:05
LESTER COHEN/NETFLIX
DAVE CHAPPELLE MARCOU A HISTÓRIA DA COMÉDIA AMERICANA - FOTO: LESTER COHEN/NETFLIX

O Saturday Night Live, talvez a maior referência em humor na televisão mundial, tem a tradição em seu formato de receber um convidado, apresentando um monólogo. Para o programa imediatamente após as eleições presidenciais de 2016, que resultaram na vitória do magnata republicano Donald Trump, a direção do programa não tinha dúvida que o comediante Dave Chapelle deveria ser o convidado da vez. A justificativa era de que havia pouco gente na comédia com uma experiência de explicar os Estados Unidos e sua história de contradições como Chappelle.

Tal causo foi revelado na cerimônia do prêmio Mark Twain, um dos mais importantes do humor, dado pelo instituto governamental Kennedy Center, que escolheu celebrar a carreira do comediante de Ohio no último ano. Ele se junta ao panteão de nomes como David Letterman, George Carlin, Richard Pryor, Steve Martin e Whoopi Goldberg. A ocasião contou com depoimentos e homenagens por parte de Morgan Freeman, Bradley Cooper, Eddie Murphy, Jon Stewart, Sarah Silverman, John Legend, Erykah Badu e várias outras personalidades que reverenciam a genialidade de Chappelle. A gravação do evento, com direito a um passeio por sua carreira e bastidores, está disponível no catálogo da Netflix, assim como várias de suas reverenciadas apresentações pelos Estados Unidos.

Trajetória

Chappelle começou na comédia ainda na adolescência, chegando a ser acompanhado pela mãe e avó pelos clubes de humor de Washington. Estudou artes teatrais na Escola de Artes Duke Ellington. No começos dos anos 1990, se muda para Nova York e logo conquistou o apreço da comunidade de comediantes local. Assim começam suas participações na televisão, algumas marcantes como no Def Jam Comedy, da HBO e no programa de David Letterman.

Ali, Dave já maturava os elementos que o levaria ao status de um dos maiores nomes da comédia do mundo. Sua capacidade de hiperbolizar as contradições do seu país, seu olhar único para as tensões raciais, além de seu brilhante poder de improviso e um timing cômico impecável de pausas, gritos e absurdos. No período, começou a fazer participações em filmes comandados por nomes como Mel Brooks e Eddie Murphy, chegando até a ter um papel oferecido em Forrest Gump: O Contador de Histórias, o qual recusou.

É no começo do novo século que o estrelato vem. Em 2000, ele ganha seu especial na HBO, batizado Killin’ Them Softly. Três anos depois, traz ao mundo a atração que lhe imortalizou na comédia americana. Trata-se do Chappelle's Show, seu programa de esquetes escrito com o parceiro Neal Brennan, que em suas duas temporadas, obteve uma recepção massivamente positiva da crítica e do público. Nele, Chappelle continuava sua investigação cômica, polêmica e ácida de vários aspectos da sociedade americana, como estereótipos raciais, política e a própria cultura pop.

O programa marcou a TV americana com seu formato inspirando mais tarde outros que seriam realizados por nomes como Amy Schumer, Keegan-Michael Key e Jordan Peele. Os executivos do Comedy Central, canal que produzia a atração, chegou a oferecer contratos de cerca de US$ 50 milhões pela continuidade do programa. Mas não era o dinheiro ou a fama que o motivava, era a estética. Dave estava insatisfeito com o formato de esquetes, com a rotina e com algumas questões envolvendo raça que estavam sendo mal interpretadas por uma parte do público. Durante as gravações da terceira temporada, Dave abandonou as filmagens e fez uma viagem para a África do Sul, não retornando para a produção.

Retomada

Então, Dave passa quase dez anos fazendo participações pontuais na mídia e em shows de humor, curtindo a vida que conseguiu conquistar. Apenas em 2013 ele volta a trabalhar mais intensamente com o stand-up, fazendo uma turnê nacional. Em 2016, vem a sua marcante participação no Saturday Night Live logo após a eleição de Donald Trump, político que se tornaria um dos seus principais alvos até hoje. A participação lhe rendeu um Emmy. No mesmo ano, a Netflix anunciou que produziria uma série de stand-ups especiais de Chappelle, que lhe renderia dois Grammys e um outro Emmy. Além da quantia de US$ 20 milhões por episódio.

Na Netflix, você pode conferir esses cinco especiais: The Age of Spin, Deep in the Heart of Texas, Equanimidade, A Revelação do Passarinho e Sticks & Stones. Nessa nova safra, ele joga luz em assuntos que constantemente estão no foco do debate em um mundo de mídias sociais. Chappelle se debruça por questões como a interseção entre problemáticas raciais com a de outras minorias, a vida em uma sociedade empanturrada de armas de fogo, como é ser um homem negro rico, Donald Trump e, um dos seus assuntos mais recorrentes no momento, a cultura do cancelamento. "É o pior momento na história para ser uma celebridade", diz em um de seus textos, mas afirma não ter problema com isso, pois "minha carreira já acabou mesmo em 2005", arremata.

Mas esteja avisado, a linguagem de Chappelle é pesada e muitas vezes agressiva. No palco, ele se abre enquanto um homem negro, mas também um homem de 40 anos heterossexual crescido no meio-oeste americano. "Na comédia, você só descobre o limite passando dele", afirmou em seu discurso de aceitação do prêmio Mark Twain. Uma de suas principais ferramentas é jogar com o absurdo e transformá-los em analogias que logo desvelam um comentário social válido.

O choque inicial serve como um gatilho para que seu discurso avance e chegue em contradições e hipocrisias nossas de uma das formas retóricas mais contundentes, o deboche. Porém, em outros momentos, trata-se apenas do absurdo mesmo, esteticamente bem construído, talvez moralmente problemático e você tem todo direito de se revoltar. Mas não há de negar que Chappelle é um dos maiores no que faz.

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