"Quem vive de cultura popular já estava na corda bamba", diz Adriana Negreiros, biógrafa de Maria Bonita

Confira na íntegra a entrevista da escritora Adriana Negreiros ao Jornal do Commercio, que participa neste sábado (23) do festival literário virtual Na Janela
Valentine Herold
Publicado em 22/05/2020 às 17:00
Adriana Negreiros é jornalista e escritora. Pela editora Objetiva lançou a biografia de Maria Bonita Foto: Divulgação


Adriana Negreiros, autora do livro Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço (Objetiva, 296 pgs., R$ 29,90 o e-book e R$ 49,92 livro físico), participa neste sábado (23) da segunda edição do festival virtual literário Na Janela, organizado pela Companhia das Letras. Às 15h, ao vivo no canal do YouTube da editora, ela debate acerca do tema Cultura Popular e Repressão.

Em entrevista à repórter Valentine Herold, a jornalista e escritora falou sobre como essas questões são indissociáveis do racismo, políticas públicas e a saída de Regina Duarte da pasta da cultura do governo federal.

Confira a entrevista na íntegra:

Jornal do Commercio – Figuras históricas e representantes da cultura popular são muitas vezes mitificadas, como aconteceu com Maria Bonita, cuja biografia você publicou em 2018. Qual a importância de jogar luz sobre o que é história e o que é lenda em casos como esse? E por que você acredita que se constroem tantos mitos em torno desses personagens?
Adriana Negreiros – As mitificações em torno de figuras históricas reforçam estruturas de opressão. No caso de Maria Bonita e de suas companheiras, retratá-las como senhoras donas de si, que enfrentavam os cangaceiros e a polícia de igual para igual, esconde uma realidade histórica em que as mulheres eram tratadas como propriedade privada de seus homens e submetidas a toda sorte de violência. A construção de mitos diz respeito, dentre outros aspectos, à lógica da indústria cultural, que transforma cultura popular em mercadoria, em cultura pop, facilmente assimilável e, portanto, comercializável e geradora de lucro.

Jornal do Commercio – No festival Na Janela você vai debater junto a Laura Mattos e Thiago Amparo sobre o tema “Cultura popular e repressão”. Historicamente, movimentos de cultura popular vêm sofrendo com cerceamento por parte do Estado e muito preconceito por parte da sociedade civil. Falar em repressão à cultura popular é também falar em racismo, machismo e classismo?
Adriana Negreiros – Sem dúvidas. É falar também em preconceito regional. Lembro de falar para meus amigos paulistas que adorava forró e eles ficarem chocados com o meu gosto “popular” – bom mesmo, na avaliação deles, era o som de uma banda qualquer surgida em uma garagem de Londres. Digo isso porque a repressão e o cerceamento são não apenas do Estado, mas também de nosso olhar colonizado e preconceituoso. A cultura popular produzida no Sertão, por exemplo, embora de extrema sofisticação, costuma ser tratada como inferior àquela produzida nos grandes centros urbanos.

Jornal do Commercio – Temos um cenário nacional em termos governamentais no qual a cultura não aparece como prioritária. O MinC foi transformado em Secretaria Especial dentro do Ministério do Turismo. Dentro do atual contexto da pandemia, ações de valorização e auxílio a grupos de cultura popular não aparecem na pauta. De que forma as consequências da crise do coronavírus são diferentes para esses grupos do que para outros artistas?
Adriana Negreiros – Quem vive de cultura popular já estava na corda bamba muito antes do surgimento do coronavírus. São artistas historicamente ignorados pelo mercado e abandonados pelo Estado. Se aqueles que alçaram o status (social e financeiro) de celebridade podem aproveitar o confinamento para um mergulho interior em busca de novas formas de expressão, aqueles que vivem de cultura popular certamente nem conseguem pensar em arte – estão preocupados em saber se terão o que comer no almoço.

Jornal do Commercio – Que tipos de políticas públicas poderiam ser articuladas neste momento pensando nos representantes da cultura popular?
Adriana Negreiros – Creio que a pandemia deixou evidente a importância do Estado – a ideia de que um país, especialmente um desigual como o Brasil, possa assegurar boas condições de vida a seus cidadãos deixando-os à mercê do mercado caiu por terra. Nesse momento de crise, os grupos mais vulneráveis deveriam ter asseguradas, pelo Estado, condições de uma vida digna – daí a importância, por exemplo, de um programa permanente de distribuição de renda.

Jornal do Commercio – Esta semana houve inclusive a saída de Regina Duarte do cargo de secretária especial da cultura e o anúncio de Mário Frias como seu provável substituto. Como você enxerga essa mudança?
Adriana Negreiros – Ao que tudo indica, nenhum dos dois tem a mínima competência para exercer o cargo – simplesmente são adoradores do presidente, e este parece ser o único critério necessário para fazer parte do governo. O pior é que parecemos estar todos anestesiados pela tristeza, deprimidos a ponto de não conseguir reagir ao fato de estarmos sendo comandados pela idiotia. Em que momento vamos sair da teoria das redes sociais e partir para a ação, dando um basta em tudo isso? Essa é a pergunta que me faço todos os dias.

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