Série documental discute produção de animação sob olhar de realizadores negros

'O que é animação negra?' é realizada pelo professor, pesquisador e produtor Sandro Lopes, com estreia nesta segunda-feira no YouTube
Rostand Tiago
Publicado em 17/08/2020 às 11:27
ENTREVISTAS Roteirista de Bia Desenha, pernambucana Kalor Pacheco foi uma das profissionais ouvidas Foto: DIVULGAÇÃO


A produção da animação no Brasil pode ter vivido um boom nos últimos, em especial com os mecanismos de cotas na TV fechada e políticas públicas de fomento. Mas que histórias estão sendo contadas nesse segmento e, igualmente importante, quem está contando? Em um país que tem historicamente os rumos criativos da produção audiovisual nas mãos de homens brancos, que espaços a população negra está conseguindo alcançar para lançar suas narrativas e seus corpos, em especial nas obras que vão atingir um público infantil?

 

São algumas questões que pautam o trabalho do professor e cineasta da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Sandro Lopes, em especial a série documental O que é animação negra?, estreando nesta segunda-feira no YouTube do projeto CultNE. A iniciativa entrevista quatro profissionais negros envolvidos na produção de animação, incluindo os pernambucanos Jefferson Batista (diretor do curta De Onde a Chuva Vem?) e Kalor Pacheco (roteirista da série Bia Desenha), além de Jamile Coelho (diretora do curta Òrun Aiyé) e Valu Vasoncelos (diretor da série Jarau), buscando entender as trajetórias e contextos de produção dessas pessoas e suas estratégias para contar suas histórias.

O trabalho concilia as vivências e as experiências profissionais do próprio Sandro, com trabalhos na TV Brasil, além da produção de animações e documentário. Nesse escopo, o que melhor norteia a série seja o desenvolvimento de sua atual tese de doutorado na PUC, dentro da conceituação do design afirmativo. “A gente começa a ver que há pouco material na animação infantil de produtores negros, há um vácuo. Onde estão essas pessoas? Elas estão aí e desse sentimento, nasce a série, também como um fruto da minha tese. Ela vem em cima desse conceito ainda em construção chamado design afirmativo, um design construído da luta e da sabedoria dos movimentos sociais. Tenho como objeto as animações seriadas brasileiras”, explica Lopes.

Para sua pesquisa, já havia planejado entrevistas dentro dessa investigação da produção de animações negras, a qual define como trabalhos produzidos por pessoas negras, com narrativas e personagens idem. Para que seu trabalho ultrapassasse as fronteiras do meio acadêmico, Sandro submeteu o projeto no edital Cultura Presente nas Redes, da Secretaria de Cultura e Economia Criativo do Estado do Rio de Janeiro. O orçamento não foi dos maiores e Sandro utilizou sua bagagem técnica, assinando a direção, produção, roteiro, arte e edição.

 

DIVULGAÇÃO - BAGAGEM Sandro Lopes idealizou e executou o projeto

Tanto sua pesquisa como a série nascem de incômodos gestados e discutidos há um tempo significativo. Nos cinco principais canais infantis da TV fechada, observou um padrão nas série produzidas no Brasil: ausência de diretores negros, personagens negros são poucos e há uma concentração muito grande no sudeste, em especial São Paulo. O processo de formação de um animador é caro, o que também acaba sendo um gargalo. A presença desses criadores e dessa histórias são mais expressivas na TV pública. As conversas sobre o assunto foram se desenrolando entre animadores do Rio de Janeiro e do resto do país, entre coletivos e encontros, como no Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul, realizado no Rio.

DIVULGAÇÃO - ESCUTA Trabalho busca entender trajetória de pessoas como Jamile Coelho, diretora de Òrun Aiyé

“As pessoas assistem aos desenhos animados e não refletem muito sobre como é feito e quem faz, além da temática abordada. Os desenhos nacionais muito voltados para uma questão comercial que acaba pré-estabelecida por um viés mais ocidentalizado e com características européias. Todas as temáticas que estão voltadas para questões afro-brasileiras ou africanas, ficam em um segundo plano. Essa discussão de quem faz é uma reflexão importante não só pra animação, mas para a sociedade pensar que as crianças devem ter acesso a esse tipo de produção”, elabora Sandro. A partir da elaboração de novas representações, são inegáveis os impactos em pontos como auto-estima e uma visão diversa de mundo para as crianças.

O cenário de políticas públicas é um dos principais responsável pela diversidade conquistada até então, em especial os mecanismos de democratização de ingressos nas faculdades e de estímulo a produção. Tal cenário hoje é turbulento, mas Sandro consegue enxergar uma sobrevivência dessa produção que parte de outros olhares, localidades e narrativas, pois consideras as sementes já plantadas muito fortes. Ele espera que seu projeto chegue em um público amplo para dar essa dimensão. "Quero que chegue não só nos animadores, mas também nos pais. É algo que se destina para quem faça e para quem assiste, além dos gestores de políticas", conclui Lopes.

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