LITERATURA

Vencedor do Jabuti, livro Solo para Vialejo, é a união do mar e do sertão que deságuam em Cida Pedrosa

Foram décadas nutrindo lembranças e fazendo a viagem Recife-Bodocó até chegar aos potentes e belos versos do livro que, segundo Cida, "é um livro de memórias visuais, olfativas e muito muito sonoras"

Valentine Herold
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Valentine Herold
Publicado em 01/12/2020 às 8:00 | Atualizado em 01/12/2020 às 12:14
RICK RODIGS/DIVULGAÇÃO
LITERATURA Cida Pedrosa tem o feminismo no DNA de suas produções e destaca as conquistas das mulheres na poesia independente - FOTO: RICK RODIGS/DIVULGAÇÃO

É difícil dizer quando um livro começa a ganhar vida. Quando se tem a ideia da trama, no momento em que se escreve a primeira linha ou apenas quando ele alcança seus leitores? Cada obra tem uma trajetória própria e cabe unicamente ao seu autor de nos contar sobre esse processo de gestação - se for de sua vontade, claro. Nos últimos dias um livro em específico tem chamado a atenção do público e da mídia nacional: Solo Para Vialejo, da pernambucana Cida Pedrosa, vencedor das categorias Poesia e Livro do Ano da 62° do Prêmio Jabuti, na última quinta-feira (26).

E a história deste que, na verdade, é um longo poema também vem sendo motivo de curiosidade por se tratar de uma obra que trata das memórias afetivas e coletivas do Sertão de Pernambuco. Felizmente, contamos com a generosidade de Cida para descobrir mais sobre essa trama lírica e épica.

Lançado ano passado pela Cepe Editora, Solo Para Vialejo começou a ser escrito em 2016, mas vinha sendo gestado há muitos anos. Talvez desde quando Cida era criança e, moradora da área rural da cidade de Bodocó, via as trabalhadoras dos campos de algodão desafiarem as normas sociais do Sertão do Araripe dos anos 1960 ao vestirem calças por debaixo das saias em busca de conforto. Ou ainda quando ela e a irmã Gigi esperavam a mãe adormecer para reacenderem o candeeiro e voltar a ler os clássicos de Jorge Amado, Cecília Meireles e Tolstói emprestados da biblioteca da escola.

Foram décadas nutrindo lembranças e fazendo a viagem Recife-Bodocó até chegar aos potentes e belos versos de Solo Para Vialejo que, segundo Cida, "é um livro de memórias visuais, olfativas e muito muito sonoras."

Quando tinha 14 anos, Cida sai de sua cidade natal e da casa dos pais para estudar na capital do Estado, onde já moravam alguns de seus 14 irmãos mais velhos (oito mulheres e seis homens). É no Recife que sua relação com a literatura é potencializada e que ela começa, já nos anos 1980 a escrever e atuar no Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco.

Cerca de 30 anos depois, a vida da poeta continua intimamente ligada à escrita e à militância. Feminista e muito atuante em movimentos sociais, ela se elegeu vereadora pelo PCdoB no último dia 15 de novembro, partido ao qual vai doar parte do prêmio de R$ 100 mil do Jabuti.

"Eu sempre digo que minha poesia tem função social. Às vezes penso que vou fugir dela, mas quando vejo, está lá. Meu feminismo também está sempre todo presente", reflete. "Sempre tive esse olhar aguçado com relação às questões da mulher. Quando eu era pequena, meu pai me chamava de advogada. Eu não podia ver uma injustiça que precisava tenta consertar, a liberdade sempre me foi muito cara. E a literatura também me trouxe essa sede de justiça."

MAR E SERTÃO

Cida Pedrosa fez do Recife sua casa mas jamais se desvinculou de seu Sertão. Solo Para Vialejo também surge dessas idas e vindas e, para escrevê-lo, ela se entregou ao caminho inverso ao que fez na adolescência. Assim como na canção Sobradinho, de Sá e Guarabyra, sertão e mar trocaram constantemente de identidade em sua trajetória.

"Eu tenho um sertão em mim que virou mar e um mar que virou sertão. Os dois convivem em perfeita harmonia e meu livro é fruto disso. Eu precisava desse tempo, dessa vida para escrever Solo Para Vialejo, 20 anos atrás ele não poderia existir", afirma.

Nesse longo poema - que é uma viagem pela vida da gente sertaneja através do olhar e da vivência de sua autora -, descobrimos sobre a herança indígena e negra do interior. Os ciganos, os quilombos, os trabalhadores rurais e a música como expressão universal também está todo tempo posta ali. "Sua música é a síntese de toda a melancolia azul/ tio sound tio sam robert bobby blues johnson" dizem os versos que remetem instintivamente à fotografia da capa do livro.

A Bodocó em que nasceu e cresceu é também àquela para qual Cida retornou ontem e onde vai passar a semana e lançar seu agora premiado livro. "Esse ano eu ainda não viajei para lá, por conta da pandemia. Nunca fiquei tanto tempo sem ir a Bodocó, o plano inicial era lançar o livro no começo do ano mas não consegui. Aí veio o confinamento e tudo mais, a campanha. E já estava marcado o lançamento para essa semana antes mesmo do Jabuti! Parece que o destino era que o momento fosse esse mesmo."

Talvez esses próximos dias sejam justamente a concretude dos versos finais de Solo Para Vialejo: "me encontro e te encontro/ no ser/ ser tão assim/ sertão/ e só".

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