As memórias associadas ao Carnaval têm som, cheiro, cor e temperatura. São permeadas por sensações irreplicáveis que só este período consegue produzir. A construção desse imaginário está sempre captando novas influências, mas possui algumas pedras fundamentais. Em Pernambuco, uma delas é o Cariri Olindense, que completa 100 anos no dia 15 de fevereiro, longe das ruas, seu lugar por excelência, mas não menos vibrante. Patrimônio Vivo de Pernambuco desde 2016, a Troça Carnavalesca Mista mantém sua tradição ao mesmo tempo em que olha para o futuro, com a adesão de novos foliões apaixonados e a execução de projetos em diferentes linguagens.
Fundado em 1921 por pelos amigos Augusto Canuto de Santana, Jacinto Martinho, Isnar Colombo, Cosmo Botão e Eugênio Cravina, o bloco teve como inspiração as figuras de homens idosos, com indumentárias sertanejas, que viajavam centenas de quilômetros, do Sertão do Cariri até o centro do Recife para vender suas mercadorias no Mercado de São José. O Velho do Cariri tornou-se um símbolo da agremiação e permeia o imaginário de seus seguidores.
Alguns anos depois de ir às ruas pela primeira vez, brigas internas criaram uma dissidência, resultando na criação do Homem da Meia-Noite, outro bloco seminal no Carnaval de Olinda, que completa 89 anos. Por anos, as agremiações travaram uma rivalidade ferrenha, hoje já resolvida.
No ritual, o Homem da Meia-Noite desfila primeiro e entrega as chaves de Olinda para que o Cariri possa, simbolicamente, abrir o Carnaval. O cortejo do bloco tradicionalmente começa às 4 da manhã, saindo de sua sede, fundada em 1992, no Largo de Guadalupe. De lá, arrasta uma multidão fiel, que se renova e aumenta a cada ano.
Além da tradição, o movimento de agregar novos foliões é fruto de um esforço coletivo. Segundo Hilton Santana, responsável pela comunicação e o marketing e um dos netos do fundador Augusto Canuto, atualmente a agremiação tem se articulado através do Coletivo Cariri Olindense. Nele, apaixonados pelo projeto têm se engajado para ampliar o alcance do bloco, resultando em uma presença mais efetiva na internet, com criação de site, postagens nas redes sociais e arrecadação de verbas para garantir a manutenção da troça.
RESISTÊNCIA
Esta não será a primeira vez que o Cariri não vai às ruas no período carnavalesco. Em 2002, por um problema logístico, o bloco não saiu. Hilton conta que não poder comemorar o centenário junto aos foliões é um motivo de frustração coletiva, mas que a solidariedade e paixão dos foliões fez com que eles conseguissem articular outros projetos, entre eles um documentário.
"A gente já chorou bastante, desde o ano passado, por conta dessa situação. Tínhamos uma programação linda em mente para acontecer durante 2020 inteiro, culminando no centenário. Mas, conseguimos nos reinventar. Em outubro, fizemos uma live na nossa sede e apresentamos a camisa do centenário. O folião abraçou a proposta e já estamos chegando no quarto lote. Parte do lucro das vendas vai ser doada para a equipe que ficou sem trabalho este ano, como músicos e passistas", explica.
Como não podem ir às ruas, os organizadores do Cariri Olindense planejavam uma live para celebrar o centenário, mas os planos foram abortados devido às determinações do Governo do Estado para evitar aglomerações. Hilton afirma, no entanto, que os planos interrompidos podem ser concretizados ao longo deste ano.
Um documentário sobre a história do bloco, com direção de Helder Lopes e Paulo de Sá Vieira e produção da Vilarejo Filmes, já está em produção. Uma campanha virtual foi lançada para arrecadar verba para viabilizar o projeto, intitulado Cariri Cem Carnavais, e os que contribuírem recebem recompensar, como camisas do bloco e créditos no filme.
"Também queremos fazer uma exposição comemorativa da nossa história na nossa sede, logo depois do Carnaval. Entre as obras em exibição, estarão as 22 artes que foram submetidas ao concurso que escolheu os traços da camisa comemorativa do centenário. Caso não seja possível, iremos realizar virtualmente", reforça Hilton.
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