RELATÓRIO

Comissão da Câmara recomenda adiamento de eventos e feriado do Carnaval 2022 no Recife

A Comissão Especial da Câmara do Recife que avaliou a viabilidade sanitária e econômica para a realização da folia de momo em 2022 divulgou seu relatório nesta quarta (22)

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Luisa Farias, Marcelo Aprígio

Publicado em 22/12/2021 às 9:49 | Atualizado em 22/12/2021 às 16:17
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Atualizada às 16h17

A Comissão Especial sobre a retomada do Carnaval, São João e demais grandes eventos do Recife divulgou o relatório parcial de seus trabalhos nesta quarta-feira (22), apresentando algumas recomendações à Prefeitura do Recife sobre o Carnaval 2022, como o adiamento dos eventos promovidos e patrocinados pela administração municipal nas datas em que originalmente se comemoraria a folia de momo.

Os parlamentares também recomendaram a transferência do feriado para um período posterior à sazonalidade das doenças respiratórias típicas de uma cidade de clima tropical como o Recife. "Infelizmente não dá para ser agora em fevereiro. Nós sugerimos o adiamento inclusive dos feriados para que não possamos ter festasespalhadas pela cidade, porque o carnaval do Recife é o mais democrático, tem que ser de todos e todas. Não dá para ter uma segregação do Carnaval", completou Marco Aurélio.

Até o momento, porém, a comissão ainda admite que o carnaval possa ocorrer ainda no primeiro semestre. "Nós trabalhamos com a possibilidade ainda do primeiro semestre, tendo em vista que quando a gente fala na população vacinada em quase 80%, hoje já estamos em 70%, a
gente prevê ai que, por exemplo, dentro de dois meses, a gente vai ter 100% da população vacinada com duas doses", afirmou Marco Aurélio Filho em entrevista ao programa Por Aqui da Rádio Jornal nesta quarta-feira (22). 

A preocupação com uma possível segregação das festas foi amplamente discutida no seio da Comissão Especial, considerando o fato de que uma série de eventos já estão com ingressos à venda e que atualmente, de acordo com o decreto estadual, podem e estão sendo realizadas festas com capacidade de até 7.500 pessoas. 

"(A Comissão foi) muito correta quando diz que a gente é contra todo e qualquer tipo de apartheid social utilizando o carnaval como desculpa. Não é porque não pode ter a folia de rua que a gente vai achar bacana que tenha 10 mil pessoas, 15 mil pessoas dentro de um lugar que às vezes não tem nem janela. Então é errado fazer festa desse jeito hoje, é errado fazer festa desse jeito amanhã, e é importante que a gente entenda que a privatização do carnaval não pode ser aceita por absolutamente ninguém", pontuou o vereador Ivan Moraes (PSOL). 

"Não estamos contra o Carnaval, estamos contra a pandemia. Seria de uma imensa irresponsabilidade permitirmos que qualquer tipo de evento cause aglomeração, deixando claro que a covid não é privada ou pública, o que interessa é se o evento causa aglomeração. Temos que estar preocupados com a saúde pública, senão a coisa pode agravar ao ponto de não ter mais carnaval. Será que as pessoas não compreenderam isso ainda?", argumenta o biomédico André Silva, mestre em Patologia pela UFPE, no relatório.

90% da população vacinada

Além disso, o colegiado formado por sete vereadores sugeriu que, para realizar a festa, a prefeitura garanta que 90% da população esteja completamente vacinada. A recomendação leva em consideração o fato de que o Carnaval é um evento de massa, com muitas aglomerações e circulação de pessoas vindas, inclusive, de outros estados e países.

Atualmente, apenas 69,68% dos recifenses está com o esquema vacinal completo, seja com uma ou duas doses, a depender do imunizante. Os dados são do Vacinômetro Recife, sistema que reúne indicadores da imunização contra a covid-19 na cidade. Além disso, só 16,14% da população recebeu a dose de reforço.

As condições para um cenário ideal para o carnaval foram embasadas em um relatório da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Entre os requisitos estão a média móvel semanal menor que 110 casos de Síndrome Gripal e Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag), ou seja, 1,63 casos por 100.000 habitantes; nos últimos sete dias um percentual de testes positivos inferior a 5% e taxa de contágio menor que 1 (um infectado transmite para outra pessoa). 

Quanto à ocupação nas unidades de saúde, o esperado seria uma fila de espera de três pessoas por dia,
com tempo de espera de menos de uma hora. O percentual de imunização completa esperado é de 80% no Brasil e 80% no Recife. 

Para atingir a meta, os vereadores recomendam que a prefeitura crie campanhas para incentivar a população a se imunizar, como sorteios de ingressos para as pessoas cadastradas no “Conecta Recife” participarem de apresentações artísticas – contratação de artistas locais - nos equipamentos gerenciados pela Prefeitura do Recife, sempre respeitando os protocolos sanitários.

A comissão também defende que artistas locais e influenciadores digitais participem das campanhas realizadas pelo Município para a busca ativa da população na adesão ao Plano de Imunização da cidade.

O relatório dos parlamentares também pede que a prefeitura tenha uma interlocução com os governos Federal e Estadual para exigência de passaporte vacinal nas fronteiras intermunicipais, interestaduais e internacionais, em especial, nas rodoviárias, portos e aeroportos da cidade.

Na última segunda-feira (20), o Comitê Científico de Enfrentamento à Covid-19 (CEEC) do Rio de Janeiro divulgou uma recomendação apontando que não há restrições para a realização do Carnaval na capital fluminense. Questionado sobre o impacto da sinalização para o Recife, o vereador Tadeu Calheiros, único médico da comissão, garantiu que ela não foi considerada pelo colegiado. 

Ele ressaltou o alerta do Comitê Científico do Consórcio Nordeste sobre os riscos das grandes aglomerações, especialmente agora com o surgimento da variante Ômicron. "Decisões diferentes que vão na contramão destas não foram o que nos norteou. O que nos norteou foi a ciência, as determinações da Fiocruz, artigos da OMS e a escuta feita com as entidade médicas e de outras categorias que fizeram com que nosso parecer fosse nesse sentido", disse o parlamentar. 

AME Carnaval

Outra recomendação dos vereadores refere-se aos trabalhadores que dependem da Festa de Momo. Para ajudá-los, a comissão sugeriu à prefeitura realizar nova edição do Auxílio Municipal Emergencial (AME) Carnaval, com pagamento da primeira parcela em até um mês após o anúncio do cancelamento da festividade. Eles também querem que o auxílio seja estendido para outros segmentos da cadeia produtiva, como é o caso dos técnicos. 

A questão é que o pagamento de um auxílio só seria viável, inicialmente, caso as festas sejam efetivamente canceladas e não apenas adiadas conforme a recomendação inicial. Isso porque os recursos dos cachês em tese poderiam faltar mais na frente caso fosse pago o benefício próximo do período tradicional do carnaval. 

"A nossa ideia é que quando a Prefeitura e o Governo do Estado se pronunciarem oficialmente em relação ao adiamento ou cancelamento das festividades - estamos torcendo para que seja o adiamento - a partir dai então a gente fazer um plano de trabalho do que esse adiamento vai sugerir aos artistas", explicou Marco Aurélio Filho. 

Além disso, foi sugerido que a administração municipal priorize a execução dos recursos designados para o apoio à cadeia produtiva do Carnaval durante o ano de 2022, na execução do AME Carnaval e em eventos patrocinados pela Prefeitura em equipamentos públicos, sempre seguindo os protocolos sanitários.

No documento apresentado nesta quarta, a comissão recomenda que haja uma interlocução com a iniciativa privada para que no mínimo 50% da grade dos eventos realizados no Recife contemplem os artistas cadastrados no Auxílio Emergencial, Lei Aldir Blanc ou no Sistema de Incentivo à Cultura (SIC) no sentido de fortalecer e salvaguardar os fazedores da cultura popular.

O vereador Ivan Moraes (PSOL), membro da comissão, diz que a população ainda tem a esperança de haver carnaval de rua ainda neste ano. "Mas a Câmara foi muito correta quando ouviu a ciência, deixou negritadas as condições para que haja o carnaval de rua tradicional como a gente gosta e quer, mas também ofereceu alternativas para que caso não haja possibilidade do nosso carnaval de rua, a gente poder garantir que a cultura e o nosso carnaval vá sobreviver", afirmou. 

Prefeitura

Logo após a apresentação do relatório, no plenarinho da Câmara Municipal do Recife, o presidente e o vice-presidente da comissão, Alcides Cardoso, se dirigiram à Prefeitura do Recife para entregar em mãos o relatório parcial para representantes do Executivo Municipal. 

Receberam o grupo o secretário de Governo, Carlos Muniz, o secretário Cultura, Ricardo Mello, o secretário de Planejamento Felipe Matos, o chefe Gabinete da Secretária Saúde, Ana Cláudia Albuquerque. 

Marco Aurélio Filho lembrou que a previsão é de que a Prefeitura do Recife e o Governo de Pernambuco se pronunciem sobre o carnaval já na primeira quinzena de janeiro. "Todos eles (representantes da PCR que receberam o relatório) entendem que o momento é delicado, mas entendem principalmente que tem que haver diálogo e se buscar um caminho. Seria muito mais fácil como algumas prefeituras ai, outros governos também fizeram, dizer que não vai ter o carnaval e não escutar toda a cadeia produtiva que insiste em mostrar que precisa sobreviver e precisa da festividade", disse. 

"Eles aguardaram o nosso relatório. Isso é importante tanto para a comissão quanto para a Casa. Para eles, é muito importante esse esteio, esse apoio, pelas deliberações que a gente está dando para a partir daí ter um norte", considera o vereador Alcides Cardoso (DEM), vice-presidente da Comissão Especial. 

Procurada pelo JC, a Prefeitura do Recife informou que não iria se pronunciar sobre a reunião. 

Comissão 

A Comissão Especial foi aprovada no plenário da Câmara do Recife no dia 29 de novembro e instalada no dia seguinte. Ela é formada pelos vereadores Marco Aurélio Filho (PRTB), como presidente, Alcides Cardoso (DEM), como vice-presidente, e os membros Ana Lúcia (Republicanos), Chico Kiko (PP), Marcos Di Bria Jr (PSB), Ivan Moraes (PSOL) e Zé Neto (PROS).

Ao longo de 20 dias, a Comissão Especial contabilizou 30 horas de reuniões para discutir sobre a viabilidade do Carnaval. O colegiado promoveu reuniões com três eixos diretamente envolvidos nas festas, artístico-cultural, econômico e sanitário, e outra com representantes das Câmara Municipais das chamadas "cidades Carnaval": Olinda (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), São Paulo (SP) e Belo Horizonte (MG) e Fortaleza (CE). 

Houve ainda uma Audiência Pública com o tema "Vai ter carnaval? as possibilidades e impossibilidades da folia diante da pandemia do covid-19".

"Isso foi muito importante para que nós pudéssemos dar um parecer preliminar para que a gente ajude tanto o governo estadual como municipal a tomar decisões concretas baseado em estudo, em profissionais da área. Quem não gosta de brincar o carnaval? Eu sou um grande folião, gosto de brincar o carnaval, mas eu tenho que brincar o carnaval com responsabilidade, seguro, para que lá na frente a gente não venha a chorar", pontuou o vereador Chico Kiko (PP), também membro da comissão. 

O grande desafio do grupo foi ouvir, esquematizar e conciliar as diferentes demandas de cada um dos grupos que participaram do debate para chegar a um relatório embasado.

Na reunião com o setor artístico-cultural, em 2 de dezembro, um formato de Carnaval no Recife com acesso restrito para pessoas vacinadas contra a covid-19, com direito até a pulseiras de identificação, foi proposto pelo representante do bloco do Galo da Madrugada, Rodrigo Menezes. 

O setor econômico, representado pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Pernambuco (Abrasel-PE) e Fecomércio, falou sobre a importância da festa para toda a cadeia produtiva e geração de empregos diretos e indiretos, que contempla não só a parte cultural, mas comércio e turismo. A reunião ocorreu em 7 de dezembro. 

No encontro com parlamentares de outros municípios, no dia 9 de dezembro, todos cobraram a responsabilidade das gestões municipais a responsabilidade sobre o planejamento sanitário e econômico. Já no dia 13 de dezembro foi a vez do eixo sanitário, com as recomendações que mais pesaram para a construção do relatório. O posicionamento contrário ao Carnaval no próximo ano foi unanimidade entre todos os médicos participantes da reunião. 

Na audiência pública, em 15 de dezembro, o secretário de Cultura do Recife, Ricardo Mello, admitiu a possibilidade de realização do carnaval apenas em maio, quando se prevê que 100% da população recifense esteja com o esquema vacinal completo. 

"Nessa capacidade de trazer os diversos atores, as diversas falas, em ouvir os contrários, em ouvir os que estão trazendo também as suas angústias, os que produzem a cadeia cultural, a saúde, que nos deu parâmetros para que esse relatório fosse construído. Com diálogo o risco de errar é muito menor, porque quando você dialoga você tem a capacidade de articular falar ainda que o resultado final possa não ser o esperado por todos e todo", afirmou a vereadora Ana Lúcia (Republicanos). 

Veja as recomendações do relatório

1. Considerando as recomendações técnicas dispostas em anexo e as opiniões dos especialistas em saúde e controle sanitário, recomendamos o ADIAMENTO dos eventos promovidos e patrocinados pela Prefeitura nas datas em que originalmente se comemoraria o CARNAVAL 2022 e a transferência do feriado para um período posterior à sazonalidade das doenças respiratórias típicas de uma cidade de clima tropical como o Recife;

2. Considerando que o Carnaval é um evento de massa, com muitas aglomerações e circulação de pessoas  e de outros estados e países), recomenda-se que a taxa no Município do Recife atinja a imunidade coletiva a partir de 90% da população total; 

3. Realizar nova edição do Auxílio Municipal Emergencial (AME), com pagamento da primeira parcela em até um mês após o anúncio do cancelamento da festividade, bem como considerar sua ampliação para os  demais setores que integram a cadeia produtiva.

4. Priorizar a execução dos recursos designados para o apoio à cadeia produtiva do Carnaval durante o ano de 2022, na execução do AME e em eventos patrocinados pela Prefeitura em equipamentos públicos,  sempre seguindo os protocolos sanitários.

5. Incentivo à vacinação com, entre outras ações, sorteios de ingressos para as pessoas cadastradas no  Conecta Recife” participarem de apresentações artísticas –contratação de artistas locais - nos equipamentos gerenciados pela Prefeitura do Recife, sempre respeitando os protocolos sanitários;

6. Envolver artistas locais e influenciadores digitais nas campanhas realizadas pelo Município para a busca ativa da população na adesão ao Plano de Imunização da cidade do Recife;

7. Abertura de agenda para apresentações culturais patrocinadas pela Prefeitura nos Mercados Públicos por artistas locais, sempre respeitando os protocolos sanitários vigentes;

8. Acompanhar os indicadores epidemiológicos após a realização do CARNATAL, primeiro evento de grande porte realizado no contexto da pandemia da COVID-19 com estimativa de 20 mil pessoas a cada dia de  festa;

9. Interlocução com a iniciativa privada para que no mínimo 50% da grade dos eventos realizados no Recife contemplem os artistas cadastrados no Auxílio Emergencial, Lei Aldir Blanc ou no Sistema de Incentivo à Cultura (SIC) no sentido de fortalecer e salvaguardar os fazedores da cultura popular; 

10. Interlocução com o Estado e a União para exigência de passaporte vacinal nas fronteiras intermunicipais, interestaduais e internacionais, em especial, nas rodoviárias, portos e aeroportos da cidade;

11. Garantir que não haja qualquer tipo de segregação carnavalesca.

Leia a íntegra do relatório

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