OPINIÃO

Danilo Gentili: Tentativa de censura de Bolsonaro busca criar pânico moral na sociedade

Governo ressuscitou filme de 2017 para distrair o debate público e usar a área da cultura como bode expiatório para problemas sérios, que precisam de políticas públicas efetivas

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Emannuel Bento

Publicado em 16/03/2022 às 18:48 | Atualizado em 16/03/2022 às 21:58
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O ano eleitoral avança e o governo Bolsonaro voltou a acionar a pauta da preservação "da moral e os bons costumes", um dos pilares do seu apoio eleitoral, usando o âmbito da cultura. Esse é o entendimento que fica com a recente tentativa de censura contra o filme inspirado no livro de Danilo Gentili, "Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola", lançado em 2017 com direção de Fabrício Bittar.

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Na terça-feira (15), o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) pediu a suspensão da exibição do filme nas plataformas de streaming do país em até cinco dias. O não cumprimento da determinação geraria multa diária de R$ 50 mil, além de sanções administrativas e penais.

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Já nesta quarta-feira (16), após críticas da comunidade audiovisual, de empresas e de juristas, o Ministério alterou para 18 anos a classificação indicativa do filme, que até então era indicado para a faixa etária acima de 14 anos. O prazo para ajuste também é de cinco dias. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a não exibição do aviso da indicação pode resultar em multas entre 20 e cem salários mínimos.

DOWNTON FILMES/DIVULGAÇÃO
POLÊMICA Governo quer que streamings retirem a obra do catálogo - DOWNTON FILMES/DIVULGAÇÃO
REPRODUÇÃO DE VÍDEO
Danilo Gentili e Fábio Porchat em cenas do filme - REPRODUÇÃO DE VÍDEO

Antes das decisões oficiais, todo um embate foi orquestrado nas redes, começando por uma figura ligada ao campo das artes do governo: Mário Frias. O secretário especial da Cultura, que deve sair candidato a deputado federal, usou o Twitter para manifestar que o longa faz apologia do abuso sexual infantil. Isto desencadeou diversas publicações de contas bolsonaristas, levando a tag #NetflixPedófila aos trending topics.

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A crítica diz respeito à cena em que um inspetor escolar com ares de vilão, vivido por Fábio Porchat, diz que pode esquecer uma atitude errada de dois estudantes caso eles o masturbassem. Os estudantes fogem da tentativa de abuso.

Os próprios artistas envolvidos afirmam o óbvio: a cena não é um estímulo ou incentivo à prática da pedofilia, assim como não seria uma elogio ao homicídio caso o vilão quisesse assassinar os meninos. "Quando o vilão faz coisas horríveis no filme, isso não é apologia ou incentivo àquilo que ele pratica, isso é o mundo perverso daquele personagem sendo revelado. Às vezes é duro de assistir, verdade", disse Porchat, em nota.

Contudo, sabemos que esse tema é realmente delicado. É justamente aí que mora a sagacidade das ações dos bolsonaristas, pois é como se o governo fosse o único com a possibilidade de livrar a sociedade de um problema que é muito mais complexo e que precisa de políticas públicas efetivas para combate.

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CINEMA Pôster de "Como se Tornar o Pior Aluno da Escola", com Danilo Gentilli - DIVULGAÇÃO

Ainda existe outro aspecto que mostra como a discussão é uma perda de tempo para um país com tantos problemas a resolver: esse filme foi lançado em 2017, tendo sido exibido em salas de cinema. Na época, ainda no Governo Temer, foi classificado como impróprio para 14 anos por ter conteúdos em que há "indução ou atração de alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual". Essa justificativa para classificações de 14 anos ainda está presente nos guias publicados pelo Ministério da Justiça em 2018 e 2021, já no governo de Bolsonaro.

Então, por qual motivo ressuscitar esse filme em 2022? O bolsonarismo tem a necessidade constante de mostrar à sociedade que existe uma ameaça à espreita. É óbvio que um filme que naturaliza a pedofilia jamais teria sido exibido nos cinemas para adolescentes, mas cenas cortadas, tiradas do contexto e viralizadas nas redes sociais são essenciais para criar o pânico moral.

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O grande teórico da comunicação Marshall McLuhan chegou a dar tom acadêmico ao pânico moral no livro "Understanding Media" (1964), mas quem realmente se debruçou no tema foi o sociólogo sul-africano Stanley Cohen, em "Folk Devils and Moral Panics" (1972). Sobre o termo, ele explica que algo, alguém ou um grupo precisa ser definido como uma ameaça às normas sociais. Essa ameaça precisa ser apresentada de forma simples e reconhecível pela mídia, despertando preocupação pública, gerando resposta de autoridades e resultando em mudanças na sociedade.

Todos esses estágios estão presentes no caso de "Como Se Tornar o Pior Aluno do Ano". Os eleitores mais entusiasmados de Bolsonaro, um tanto sumidos das publicações sobre as notícias indefensáveis, já voltaram orgulhosos nos comentários. Quem não é necessariamente bolsonarista também entra nessa onda, pois a pedofilia é realmente repugnante. Contudo, não estamos diante de um elogio à prática, mas sim de uma cena de ficção.

Também não se trata de defender a figura de Danilo Gentili, mas sim ser contra o uso da cultura como bode expiatório dos nossos problemas, o empobrecimento do debate público e a falta de percepção sobre a liberdade de expressão. A verdade é que o governo federal quer que os brasileiros esqueçam o preço dos alimentos, da gasolina, e achem que a gestão vai nos salvar de um problema sério ao censurar um filme lançado há cinco anos atrás.

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