Atualizada no dia 9/9, às 20h
O Festival Literário de Poços de Caldas (Flipoços), em sua 17ª edição e de volta ao formato presencial, recebeu pela primeira vez o Circuito Livronews, iniciativa do jornalista pernambucano Fábio Lucas para a difusão da literatura através de encontros entre autores, editores e o público leitor. O debate, no Dia da Independência, contou com a presença da editora Dani Costa Russo, do Selo Auroras, da editora Penalux, exclusivamente dedicado a publicar livros de autoria feminina; e com as escritoras Vanessa Passos e Carol Meyer.
Para a criadora e coordenadora do Flipoços, Gisele Ferreira, a relevância da literatura feminina foi, de fato, aumentando, ao longo dos 17 anos do evento. "Até nós, promotores de festivais literários, talvez não déssemos o devido valor a essa questão. Olhávamos a literatura como um todo. Nos últimos dez anos, por conta da maior ocupação da mulher em várias áreas, na literatura também vimos essa ocupação. As próprias escritoras têm aparecido, se colocado e se empoderado mais", diz Gisele.
Para ela, existe uma confluência de interesses, com a abertura dos festivais, ao mesmo tempo em que as escritoras brasileiras foram se apresentando e se posicionando. "O Flipoços tem acompanhado essa evolução, assim como em relação à literatura LGBT e à literatura marginal, periférica. É um evento participativo, eclético, apartidário, pensado em todos e feito para todos." Além disso, a diretora da GSC Eventos lembra que as escritoras poços-caldenses vêm integrando esse processo, com participação cada vez maior no Flipoços.
A editora e escritora Dani Costa Russo aponta a virada feminina no mercado editorial como fenômeno recente: "A literatura feita por mulheres tomou nova proporção há pouquíssimo tempo, podemos especular que há uns cinco ou seis anos. O mercado tinha uma configuração feita para dificultar o nosso acesso, sequer passávamos pela aprovação de original nas editoras. Por sinal, as editoras eram sempre as mesmas, poucas para um país tão grande, e não estavam preocupadas com o perigo da história única, dando a oportunidade de autoria de livros e, portanto, voz, apenas aos homens. Nós não conseguíamos nos lançar como literatas".
A escritora explica como ocorreu a virada de chave: "O feminismo pegou na mão da tecnologia, e numa fusão revolucionária mudou o contexto, fez emergir novas possibilidades. Num efeito coletivo, as mulheres que escrevem tiraram suas obras da gaveta e hoje podemos dizer que finalmente assumimos também espaço na literatura brasileira".
A vencedora do Prêmio Kindle de Literatura em 2022, Vanessa Passos, que está em turnê nacional com o livro premiado "A Filha Primitiva", concorda com o boom de publicação de mulheres nos últimos anos. "Mas a verdade é que as mulheres já escrevem há muito tempo. O mercado editorial tem aberto os olhos tardiamente, muito em decorrência da pressão dos próprios leitores que têm buscado por mais pluralidade na literatura. O movimento dos clubes de leitura, iniciado pelo Leia Mulheres, que já ocorre em diversos estados do Brasil, é uma prova disso. Mas ainda falta muito. Muitos espaços para ocupar. Por isso continuamos forçando passagem, porque nada foi nos dado de mão beijada", afirma.
"Sei muito disso, sobretudo como uma autora nordestina e cearense, fora do eixo RJ-SP. Como escritora premiada, me sinto feliz de ver meu livro alcançando tantos leitores. Mas meu desejo é ver outras mulheres comigo, porque caminhar junto é muito melhor", completa.
Autora de "Ave Marias", Carol Meyer recorda que essa caminhada vem de longe. "Falar sobre mulheres na literatura é falar sobre ousadia, coragem e determinação. É falar sobre a minha bisa, Manoelita Amorim Meyer, a quem dedico meu livro e me inspiro através da sua força e poesia. Me remete a Lya Luft, Clarice Lispector, Adélia Prado, Cecília Meirelles, Hilda Hilst, Lygia Fagundes Telles, Cora Coralina, entre tantas outras, que fizeram parte do meu encantamento por escrever. Elas foram pioneiras em desafiar modelos tradicionais ao falarem sobre desejo e sexualidade da mulher, além de mudarem formas de narrativa, fazendo papéis ainda de esposas ou de mães”, diz ela.
"Hoje, tenho a honra de estar ao lado dessa nova geração de escritoras, como Vanessa Passos, Dani Costa Russo e Marcela Dantés, que herdaram esse lugar de fala. Nossa missão ainda não acabou, mas tenho certeza que coragem não nos falta!"
A mudança de narrativa é percebida pela editora do Selo Auroras, Dani Costa Russo: "A literatura feita pelas mulheres contemporâneas, ou seja, as deste exato momento da história, é deslocada da que vimos até então - feita pelos homens, sem propriedade para assumir as nossas dores. Não é androcêntrica, está em busca de identidade própria, ao mesmo tempo que valoriza e espera estar no coletivo, com outras mulheres, e entendendo como resgatar o poder narrativo que temos", explica .
Com 21 títulos publicados em pouco mais de dois anos de existência, e outros cinco programados para lançamento até o fim do ano, o Selo da Penalux se destaca neste novo cenário. "O Auroras está na linha de frente do que chamo de Revolução Literária. Se coloca em marcha publicando livros de mulheres, as mesmas que jamais seriam publicadas, se ainda vivêssemos nos moldes antigos (não tão antigos) vigentes. Estamos trabalhando muito para diminuir a desigualdade de gênero nas publicações brasileiras, para 'reeducar' o mercado, para entregar à leitora livros com identificação, regionalismo, temas do nosso universo", afirma a editora.