Uma das bandas mais icônicas do manguebeat, a Mestre Ambrósio surpreendeu antigos e novos fãs ao anunciar o seu retorno aos palcos no final de 2022. Naquela altura, o movimento completava 30 anos e o Brasil estava prestes a decidir se a cultura seria uma pauta com mais relevância, dependendo do resultado das eleições.
E assim, sintonizados com o momento, Siba (vocal, guitarra e rabeca), Eder "O" Rocha (percussão), Helder Vasconcelos (fole de 8 baixos, percussão e coro), Sérgio Cassiano (vocal e percussão), Mazinho Lima (baixo e coro) e Mauricio Bade (percussão e coro) voltaram aos palcos.
A turnê, que começou em novembro, chega ao Recife neste sábado (7), no Clube Português, Zona Norte. A noite contará também com shows da Orquestra de Bolso, Nailson Vieira e DJ Allana Marques.
Na década de 1990, os grupos do mangue despertaram atenção pela mistura do regional com o global (a 'antena fincada na lama'), mas a Ambrósio se destacou ao fazer da cultura popular o elemento central de sua aura pop.
"De um modo geral, as bandas tinham relação com as tradições, mas acho que nós colocamos a tradição popular no eixo central da postura política e artística. Ela realmente ocupa a espinha dorsal da proposta artística do grupo", diz Helder Vasconcelos, ao JC.
A volta da Mestre Ambrósio nunca deixou de ser pauta entre amigos, fãs, produtores e, é claro, público. Em 2004, quando o grupo acabou, cada membro desejava desenvolver novas propostas como artista.
"Num certo momento da vida, depois de uma trajetória de quase 20 anos, começamos a vislumbrar possibilidades de fazer coisas juntas novamente. É um conjunto de combinações", diz Helder, sobre o retorno.
Como é comum em casos como esse, a Mestre Ambrósio passou a colecionar fãs das novas gerações que conheceram no streaming a sua trilogia de álbuns: "Mestre Ambrósio" (1996), "Fuá na Casa de Cabral" (1999) e "Terceiro Samba" (2001).
"Fizemos até uma enquete nas redes para mensurar quem já viu um show e quem nunca viu. É impressionante como está dividido. Acredito que a banda Forró na Caixa, que toca forró com rabeca, seja um filho direto e legítimo da Mestre Ambrósio. O curioso é que nenhum dos integrantes chegou a nos ver em palco", conta Helder.
Ao se falar em mangue, um dos aspectos mais lembrados é o resgate da cultura popular, que estava esquecida. Mas Helder Vasconcelos diz que foi além: "Acho que teve uma característica mais profunda, que foi um envolvimento maior. Não só um olhar, mas um sentimento de pertencimento", opina.
"Claro que gerou uma valorização, pois chamou a atenção dos meios de comunicação, mas a tradição popular está para além da nossa própria geração, desses formadores de opinião e do poder público. O popular já existe há muito mais tempo e pertence à nossa constituição enquanto país. É mais do que uma expressão artística: é uma expressão da formação do país", diz.
Questionado se os 30 anos do manguebeat foram devidamente celebrados, o músico diz que 'depende para quem estamos olhando".
"Se for pelo público, da moçada, acho que esse olhar nunca deixou de existir. De uma forma ou de outra, as gerações que viveram o manguebeat repassaram bem o que aconteceu nos anos 1990. Existe uma continuidade, um respeito", opina.
"O outro lado é o da gestão pública, que está sempre aquém, atrás e abaixo. Desde antes da existência do manguebeat, a gestão pública tem esse olhar oficial de governabilidade, da cultura oficial. Acho que o poder público nunca se relacionou e entendeu bem a profundidade do que aconteceu e nem entende até hoje", diz.
O músico até reconhece que existem algumas iniciativas do poder público, mas que questões eleitoreiras e de mercado falam mais alto.
"Só isso explica Alok tocar no São João de Caruaru. Não tenho nada contra, mas diz muito quando quando uma gestão pública paga um cachê exorbitante para um show dele. Essa mesma gestão olha como para o manguebeat? Temos um potencial de mercado absurdo, mas não estamos no número 1 do Spotify".
SERVIÇO
Mestre Ambrósio | Turnê 30 anos, com shows de Orquestra de Bolso, Nailson Vieira e DJ Allana Marques
Onde: Clube Português (Av. Rosa e Silva, 172, Graças)
Quando: sábado, às 21h
Ingressos à venda na Sympla: R$ 90 (social), R$ 80 (meia), R$ 120 (camarote/mezanino), R$ 120 (inteira)