Mombojó dá nova roupagem à obra de Alceu Valença: 'É engraçado, pois ele sempre fugiu do estereótipo de rockeiro
"Carne de Caju" traz releituras de 10 faixas, incluindo alguns "lados B" do mestre de São Bento do Una
O grupo pernambucano Mombojó, surgido em 2001, foi forjado pela influência do manguebeat. Quando adolescentes, os integrantes tinham olhos para a geração da Nação Zumbi, Devotos e Banda Eddie. Contudo, um outro nome já vinha conectando há décadas os sons de Pernambuco com o mundo: Alceu Valença.
Talvez por ser uma espécie de "mainstream" pernambucano na música nos anos 1980 e 1990, a geração do mangue nunca se associou de forma direta à sua música. Mas Alceu já os inspirava, mesmo que indiretamente. "Carne de Caju", novo álbum da Mombojó, é uma amostra disso.
O disco reúne 10 releituras de músicas do pernambucano de São Bento do Una, que são transportadas para o universo sonoro da banda, repleto de riffs e sintetizadores que aproximam as faixas de uma música pernambucana alternativa e contemporânea. O interessante é que muitas das canções escolhidas são "lados B" do músico - o ouvinte não vai encontrar, por exemplo, "Morena Tropicana".
'Notei influência de Alceu que eu não percebia'
"Carne de Cajú", título que evoca bastante o imaginários e temáticas da obra de Alceu, surgiu quando o vocalista Felipe S. desejou desacelerar na produção para um próximo disco de inéditas. O álbum mais recente do grupo é "Trilha Sonora Original do Filme Deságua", que reuniu 12 singles lançados ao longo de 12 meses nas plataformas digitais.
"Vivemos uma época de muita ansiedade, de pressão do mercado, para lançar algo novo. Esse modo que vivemos é muito descartável. Pensei em algo que viesse antes do disco autoral e, na tentativa dessa busca, me veio a ideia de um projeto especial revisitando a obra de algum artista", diz Felipe, ao JC.
"O nome de Alceu meio veio à cabeça depois de ouvir novamente a obra dele a fundo. Eu comecei a notar muito a influências dele em mim, que eu não percebia: letras curtas, falar muito da natureza e esticar sílabas. É um artista que ouço desde que nasci, em 1983, quando ele estava no auge, bombando no Brasil."
Dando 'luz ao repertório'
Filipe diz que o grupo, composto por Marcelo Machado (voz e guitarra), Chiquinho Moreira (teclados e sintetizador), Vicente Machado (bateria) e Missionário José (baixo, sintetizador), estranhou a ideia de início.
"Foi uma coisa que a gente fez meio que repentinamente, mas que de um 'match' muito grande e resolvemos tudo muito rápido. A gente sentiu uma conexão. Pelo fato de Alceu estar novamente em alta entre o público jovem, o projeto poderia soar meio oportunista. Mas, focamos em criar uma conexão verdadeira e fazer música, colocando músicas que não são tão conhecidas para dar luz ao repertório".
"Amor Que Vai", "Bela Inês", "Chuvas de Caju", "Dois Animais", "Estação da Luz", "Olinda", "Sino de Ouro", "Tomara" integram o repertório. "São músicas que, de alguma maneira, foram ofuscadas pelo sucesso do próprio Alceu, que nos anos 1980 foi muito forte e intenso", diz Filipe.
'Não fizemos para agradá-lo'
A banda não sabe ao certo qual a reação de Alceu Valença em relação ao trabalho. "No primeiro lançamento, a pessoa que cuida a editora pediu a música para Alceu aprovar. Fiquei ansioso pensando no que ele iria falar. Perguntei se ele disse algo e me disseram: "Ianê (esposa) adorou". Ele deve ter detestado (risos)."
"É engraçado, porque ele sempre fugiu desse estereótipo de rockeiro e nós transformamos a coisa num rock meio anos 1970. Ele sempre trabalhou para valorizar a música do Nordeste, como Gonzaga e Jackson do Pandeiro, que foram grandes nomes para geração dele. Acho super importante esse movimento dele. Mas, de nenhuma maneira estávamos fazendo esse disco para agradá-lo ou virarmos amigos dele", dispara.
"Somos fãs da sua obra, da criatividade. Lendo a sua biografia recém-lançada, fiquei encantando em imaginar como ele teve um poder de síntese. Em dois acordes, ele consegue representar o Estado de Pernambuco todo."
Show
O Mombojó já realizou um show com o repertório do disco na Casa Estação da Luz, em Olinda. Agora, uma apresentação gratuita ocorrerá no dia 4 de fevereiro, na Praça do Arsenal, no Recife Antigo.
"A gente vai tocar na semana pré-carnaval. Foi o melhor cenário possível. Ficamos muito felizes com essa valorização", encerra.