Identidade negra: moda é ferramenta de resistência e afirmação
Streetwear é destacado como um meio de combate ao racismo e uma plataforma de afirmação da identidade afro-brasileira, unindo o local ao global
Em Pernambuco, estado com rica cultura afro-brasileira, a moda streetwear tem sido um canal para expressar a identidade, combater o racismo e fortalecer os laços com as raízes culturais afro-brasileiras pela população negra.
Comumente empurradas para as margens da sociedade, as pessoas pretas e pardas dão visibilidade às suas vivências através da moda.
Dados publicados recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que quase 73% da população que vive em favelas no País é composta por pretos e pardos.
Originalmente inspirado pela cultura hip-hop norte-americana, o streetwear ganhou novos contornos em Pernambuco. No Estado, absorve elementos da estética local, como o brega funk, e reflete as vivências das periferias, criando um estilo que representa os grupos étnico-raciais ali representados.
Resistência e afirmação
Para a comunicadora e produtora de moda Edvania Aquino, o impacto do streetwear (moda de rua) para as pessoas que o consomem transcende a aparência.
"A moda streetwear tem suas raízes na cultura urbana e influências diretas aos movimentos de resistência. Com isso, ela conecta diretamente identidade, arte e ativismo. Com isso, gera um potencial de transformar a maneira como as pessoas percebem e valorizam a cultura negra", explica.
Para a doutora em semiótica e docente na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Tereza Lopes, a sociedade hoje vive uma relação com a moda que tem o potencial de unir diferentes grupos, com processo de valorização da cultura negra.
“Os cabelos, acessórios, estampas, cada vez mais incorporam o ato de representar, resistir e afirmar uma identidade que é negra, mas também é dos povos originários e da cultura brasileira, fazendo um diálogo interessante entre o local e o global. O vestir é uma forma de comunicar algo que está em nosso ethos, e, por que não, na nossa ancestralidade?”, ressalta.
Para a especialista, a moda e a construção de consciência estão diretamente relacionadas: “A moda é um espaço de afirmação, é produção de subjetividades, na medida que as materializa em roupas, gestos, comportamentos e acessórios. As questões de luta e de combate ao racismo no Brasil encontram na moda um local historicamente ambivalente, mas que pode ser de resistência e afirmação”.
Inclusão e empoderamento da periferia
Partindo do desejo de oferecer uma moda feminina e inclusiva, a designer de moda e empreendedora Babi Rodrigues criou a marca Máfia Feminina. Os produtos têm características de customização e práticas sustentáveis, como upcycling. Para a empreendedora, a marca promove a representatividade e a valorização da identidade periférica e negra, ressignificando a estética do hip-hop.
"A moda, para nós, é uma forma de diálogo e resistência. Queremos empoderar mulheres, jovens e LGBTQIA+ por meio da valorização da cultura negra e do hip-hop, mostrando que é possível transformar a moda em um movimento de baixo impacto e alta representatividade", afirma.
Influências da cultura local
Mesmo com altas referências norte-americanas, hoje o streetwear bebe das diversas fontes das culturas onde chega. Em Pernambuco, não é apenas um estilo de vestir: incorpora a moda como um espaço de resistência, inclusão e valorização cultural, unindo o local ao global e promovendo a identidade negra.
“A gente pode citar como influências no cenário musical o rap, o funk; aqui em Pernambuco, o brega funk. No esporte e no skate, nas artes visuais, o grafite, que estão presentes nesse cotidiano urbano, e com isso, criam-se peças e estampas que celebram a negritude com orgulho e pertencimento”, elenca Edvania Aquino, que também pesquisa a atuação de mulheres negras na moda e a integração entre a cultura negra e pernambucana.
Para Babi Rodrigues, o streetwear pernambucano prova que a moda pode ser muito mais do que estética: “Além de ser moda, o streetwear é uma cultura, dá a possibilidade da gente conseguir expressar a nossa identidade através dele. Falando especialmente na cultura preta, o foco do streetwear vem dessa fonte, e dá essa possibilidade da gente reafirmar a nossa identidade.”
Jailson Silva, mais conhecido como G Black, idealizador da marca Nordestreet, acredita que o streetwear sempre foi parte da cultura pernambucana. “Para mim, ele sempre foi integrado, porque streetwear é uma nomenclatura que a gente cria para vender, para ‘nichar’ algum tipo de coisa ou de movimento”.
O produtor artístico e costureiro criou a marca de moda sustentável, com desenvolvimento em upcycling, e um coletivo artístico que celebra a cultura Hip Hop. G Black defende a integração entre as culturas para referências visuais em relação ao estilo.
“Quando eu morava no engenho Calumbi, ainda criança, eu via meu tio, meu primo, familiares, que saíam para trabalhar no corte de cana. E aí colocavam um lenço, por cima do lenço, colocavam um chapéu - chapéu de palha ou qualquer chapéu comum que tivesse. Lá na frente eu comecei a ver, aquilo ali era chamado de durag.”
A durag é um acessorio de cabeça, caracteristico do streetwear, popularizado pela cultura afro-latino-americana, que hoje faz pate do catálogo da marca.
Diversidade e o streetwear além da roupa
Especialista nos estudos de mulher, moda e comportamento, Tereza Lopes vê como urgente a necessidade de fortalecimento da diversidade na moda: “De corpos, estampas, povos, credos”.
“Pernambuco tem espaço para a moda streetwear. Nos anos 1990, tínhamos o movimento Mangue, que fez o diálogo entre o global (rock, hip hop) e o local (maracatu, coco de roda), por exemplo. Havia um jeito de vestir mangue, que trazia para as ruas as referências estéticas dessa mistura, trazendo não somente estampas e cores, mas também conceitos que combatam o preconceito”, relembra.