Dia Nacional da Consciência Negra: Como os jovens da ETE Epitácio Pessoa estão construindo suas raízes e cultura afro-brasileira

Estudantes vivenciaram atividades educacionais com foco na superação das estruturas sociais historicamente construídas pelo racismo

Publicado em 19/11/2024 às 14:40 | Atualizado em 19/11/2024 às 15:09
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"Conhecer a minha própria identidade como pessoa negra." Foi assim que a estudante Esther Alexandra Xavier Teixeira, de 17 anos, descreveu o principal impacto de sua participação no Ciclo de Atividades para Afirmação da Cultura Afro-brasileira, promovido há 12 anos pela Escola Técnica Estadual (ETE) Epitácio Pessoa, localizada no município do Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife.

O objetivo deste projeto é proporcionar aos alunos do ensino médio a oportunidade de conhecer, compartilhar e refletir sobre as experiências históricas, intelectuais e culturais do povo negro, tanto na África quanto no Brasil. Essas vivências são compreendidas como a base fundamental para a construção e valorização das identidades afro-brasileiras.

Durante o ciclo, os estudantes participam de uma série de atividades, como a leitura de obras de autores negros, tanto de países africanos quanto brasileiros. Além disso, são realizadas atividades práticas, como a elaboração de pratos da culinária afro-brasileira, pintura de murais e telas com referências à herança africana, e a produção de conteúdo para as redes sociais.

Resistência

O professor de História e coordenador da biblioteca da ETE Epitácio Pessoa, Emanuel Bernardo Tenório Cavalcanti, contou à coluna Enem e Educação que o projeto surgiu em 2013, a partir de uma demanda da professora Rosane Alexandrine, uma mulher negra que se sentia incomodada pelas questões relacionadas ao racismo e acreditava ser fundamental que esses temas fossem debatidos de forma mais profunda no ambiente escolar.

"Os primeiros anos do projeto foram de muita resistência, pois nossa ideia era expandir o leque de atividades. Começamos com salas temáticas, focadas na educação antirracista, e os alunos precisavam pesquisar e produzir conteúdos para apresentar em sala de aula. Uma das temáticas que trabalhamos intensamente desde o início foi o racismo religioso", explicou Emanuel Bernardo. 

Segundo o docente, como a maior parte da população do Cabo de Santo Agostinho segue a religião evangélica, houve um grande impacto no início do desenvolvimento dessas atividades. Você tinha uma sala temática falando sobre o Candomblé, a Umbanda, a Jurema Sagrada, e isso gerou um impacto no começo, quando alguns alunos disseram que não queriam participar porque os pais não deixavam," relatou.

Foi a partir dessa situação que os professores começaram a desenvolver um trabalho de educação com a comunidade local para combater o preconceito. Os pais e responsáveis pelos estudantes passaram a se envolver nas atividades, que culminam na Semana da Consciência Negra, cujo Dia Nacional da Consciência Negra será celebrado pela primeira vez nesta quarta-feira (20).

As atividades da Consciência Negra foram mudando as perspectivas da comunidade em relação às questões raciais. Além de proporcionar uma maior compreensão sobre a cultura, também começamos a perceber uma mudança no comportamento dos meninos e meninas, na forma como usam seus cabelos e se vestem. O projeto passou a ser a identidade da escola, e muitos alunos se inscrevem para estudar aqui justamente por causa dessas atividades, celebrou o professor de História.

Divulgação
Nesta 12ª edição, o tema escolhido para celebrar a Consciência Negra na ETE Epitácio Pessoa foi "Afoxés de Pernambuco: Tradição e Contemporaneidade para uma Educação Antirracista" - Divulgação

Apoio a partir do conhecimento

A jovem Esther Alexandra contou que só passou a compreender sua identidade como pessoa negra a partir do Ciclo de Atividades para Afirmação da Cultura Afro-brasileira. Ela revelou que essa nova percepção a fez perceber que já havia vivenciado uma situação de racismo, por exemplo.

"Passei a entender o que acontece quando chegamos a certos lugares e somos tratados de forma diferente por causa da nossa cor. Fui a um shopping perto da minha casa, estava com um grupo de amigos, e nós éramos todos pessoas negras. Fomos a uma loja provar roupas, e quando começamos a pegar as peças, o segurança começou a nos seguir pela loja. Foi quando uma amiga percebeu o que estava acontecendo e sugeriu que fôssemos embora, porque a situação estava muito constrangedora," relatou a aluna da ETE Epitácio Pessoa.

Com uma família majoritariamente cristã, Esther contou que o diálogo também foi importante para que seus familiares entendessem a importância das atividades desenvolvidas na escola. "Quando uma das temáticas tratou do Afoxé, que é uma dança que envolve diretamente os orixás, minha mãe não queria deixar que eu participasse de jeito nenhum", disse. 

Hoje, a mãe da estudante Esther Alexandra compreende melhor a cultura afro-brasileira e suas referências. "Meus avós também começaram a ter mais respeito e a querer saber mais sobre a religião, a culinária e os costumes," afirmou Esther.

Para Débora Mota, de 17 anos, também estudante da ETE Epitácio Pessoa, antes de participar do projeto da Consciência Negra, ela dizia que vivia em uma "bolha". "Falo como uma pessoa negra, mas cristã, que não conhecia as raízes das matrizes africanas, que hoje fazem parte da nossa cultura. Então, conversei muito com meus familiares e, mesmo sendo cristãos, percebemos que muitos dos nossos valores e raízes não vêm do cristianismo, mas do que foi trazido pelas matrizes africanas. Diante disso, sou muito apoiada em participar dos eventos temáticos da escola," explicou a aluna.

Ter um espaço em que é permitido que a linguagem seja livre e direta, e que a igualdade de direitos esteja diretamente ligada ao que a escola tem proposto a trabalhar durante o ano letivo, tem feito a diferença na vida destes jovens e na luta contra o racismo. 

 

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