CINEMA | Notícia

Crítica: 'Emília Perez' é inovador na forma, mas recorre a estereótipos velhos

Longa de Jacques Audiard, líder de indicações no Oscar 2025, provoca e impressiona visualmente, mas tropeça na sua própria ambição

Por Emannuel Bento Publicado em 28/01/2025 às 16:10 | Atualizado em 30/01/2025 às 16:05

Ao assistir a "Emília Perez", o novo longa de Jacques Audiard, líder de indicações no Oscar 2025 com 13 nomeações, é possível entender por que o filme dominou a temporada de prêmios desde sua estreia em Cannes.

Contudo, também é fácil compreender as críticas que o projeto vem recebendo, sobretudo dos mexicanos.

Por isso, uma análise do filme não deve se limitar à rivalidade com o brasileiro "Ainda Estou Aqui" na categoria de Melhor Filme Internacional, mas sim ir além, ponderando conquistas e fragilidades.

Apesar do evidente lobby da Netflix, "Emília Perez" consegue cativar inicialmente pela premissa ousada. Trata-se de um musical dramático com elementos criminais, que brinca com a sátira enquanto tenta se afirmar como inovador. Mas essa ambição frequentemente tropeça.

História

A trama acompanha Manitas (Karla Sofia Gascón, indicada a Melhor Atriz), um chefão do tráfico da Cidade do México que decide realizar uma cirurgia de confirmação de gênero para recomeçar a vida sob a identidade de Emília Perez.

Para isso, ele contrata Rita (Zoe Saldana, indicada a Melhor Atriz Coadjuvante), uma advogada que o ajuda a desaparecer. Anos depois, já em Londres, Emília deseja se reconectar com seus filhos, que vivem sob os cuidados de Jessi (Selena Gomez).

Musical

"Emília Perez" é um musical no qual os personagens cantam e dançam em situações improváveis, transitando de cenários cotidianos para espaços imaginários.

As canções, assinadas por Clément Ducol e Camille, recebem coreografias de Damien Jalet, conseguem conferir um tom hipnotizante a algumas cenas.

Momentos como Selena Gomez filmando-se em um celular enquanto se transporta para um cenário paralelo, ou uma apresentação casual em um karaokê, criam um impacto visual interessante, embora estranhem inicialmente.

Estereótipos

"Emília Perez" vem enfrentando críticas pela abordagem de questões sensíveis do México por meio de um olhar europeu, além do elenco majoritariamente não-mexicano.

Selena Gomez, em particular, luta para entregar diálogos convincentes em espanhol, e sua atuação é inconsistente.

Em uma reviravolta, Emília decide militar por desaparecidos vítimas do narcotráfico. Em uma cena emblemática, mexicanos comuns cantam em apoio à causa, escancarando a percepção eurocêntrica sobre essa tragédia social.

Outro ponto problemático ocorre quando a advogada Rita canta enquanto expõe a corrupção de figuras públicas em um jantar beneficente, sugerindo de forma caricatural que todo o governo mexicano está envolvido no crime.

Jacques Audiard não está impedido de explorar culturas além da sua, mas sua abordagem carece de nuances.

Uma comparação inevitável seria imaginar um musical francês sobre o tráfico no Rio de Janeiro: por mais interessante que pudesse ser, as críticas dos brasileiros seriam inevitáveis.

Desenvolvimento

Embora a ficção permita liberdades criativas, certas escolhas do roteiro desafiam a lógica, comprometendo o impacto da narrativa.

A exposição pública da protagonista após anos de reclusão, mesmo com sua nova identidade, é um exemplo de decisão que soa artificial, sem desenvolvimento necessário.

Um filme sobre o México com uma protagonista trans, em um momento de repressão a imigrantes e minorias nos EUA sob Trump, pode agradar o público progressista do Norte Global, mas Audiard disfarça falhas com espetáculo visual.

É inegável que "Emília Perez" intriga, provoca e impressiona visualmente. Tem até cenas tocantes, como quando um dos filhos canta para a personagem de Gascón.

Contudo, a sua ambição sacrifica a coerência e recorre a estereótipos, enfraquecendo a reputação de "disruptivo". Entre esses erros e acertos, o longa não passa despercebido.

"Emília Perez" estreia no dia 6 de fevereiro.

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