Crítica

Crítica: Fim de Festa, de Hilton Lacerda, é suspense policial fraco de proposições políticas rasas

Segundo filme de Hilton Lacerda, responsável por Tatuagem (2013), se passa a partir da quarta-feira de cinzas no Recife. A obra está em cartaz no Cinema São Luiz e da Fundaj.

João Rêgo
Cadastrado por
João Rêgo
Publicado em 11/03/2020 às 15:40 | Atualizado em 13/03/2020 às 17:20
IMOVISION/DIVULGAÇÃO
Irandhir Santos vive um policial melancólico que carrega pesos do passado nas costas - FOTO: IMOVISION/DIVULGAÇÃO

O novo filme do pernambucano Hilton Lacerda, Fim de Festa, chegou às telas dos cinemas recifenses – com sessões no São Luiz e nas duas salas da Fundaj.

É o segundo longa-metragem de Hilton, responsável pelo sucesso Tatuagem (2013) e um expressivo número de roteiros de outros boas ficções pernambucanas. Seu novo projeto levou o Troféu Redentor como melhor filme e melhor roteiro no Festival do Rio 2019.

Em Fim de Festa, o cineasta parte da ideia de uma melancolia pós-carnaval, uma espécie de grande metáfora do momento político do país. A trama se desenrola da quarta-feira de cinzas até o domingo pós-folia.

IMOVISION/DIVULGAÇÃO
Cena do filme Fim de Festa, de Hilton Lacerda - IMOVISION/DIVULGAÇÃO

São dois núcleos narrativos que se relacionam, além de três proposições imagéticas diferentes. Primeiro, um suspense policial conduzido pelo agente Breno (Irandhir Santos) trabalhando no caso de uma turista francesa assassinada durante o período festivo. Segundo, a rotina e interações de Breninho (o filho interpretado por Gustavo Patriota) com três amigos de fora hospedados na sua casa. O encontro das partes dialoga num campo externo e mais sugestivo da relação entre o pai e o filho.

Leia também: Diretores de 'Bacurau' falam sobre cinema de gênero e influências

Leia também: Cinema pernambucano é sucesso também em curso da UFPE

Há também variações de registro: a câmera ficcional e narrativa, uma mais documental de imagens externas à trama, e uma experimentação digital (as intervenções do podcast Dracma e a curta aparição do Drone).

Traçar uma unidade é uma tarefa difícil mas não necessariamente exigida. Em Fim de Festa ela é dispensada em pró de uma espécie de metáfora maior: a ressaca pós-carnaval que aflige os personagens de formas diferentes.

No policial, personagem de Irandhir, ela é intríseca a encenação – refletida no aspecto de cansado, melancólico e sempre com algum peso do passado nas costas. Do grupo de amigos há formas diferentes de significações; de uma realidade mais dura na rotina dos personagens negros ao tédio da juventude burguesa e alternativa (o repúdio ao Brasil da personagem de Amanda Beça não deixa de soar parecido a arrogância da família “francesa” em relação ao país, por exemplo).

IMOVISION/DIVULGAÇÃO
Irandhir Santos vive um policial melancólico que carrega pesos do passado nas costas - IMOVISION/DIVULGAÇÃO

Tratando-se do andar narrativo de Breninho e seus amigos, o escopo dramático parece rondar um caminho horizontal, em oposto aos avanços verticais do bloco de suspense policial. A ideia é uma concepção de cinema político, gradual e construído através do diálogo, da sutileza ou acentuação da crítica (o que também marca presença na outra trama). 

Leia também: Conheça a turma que faz o cinema de Contagem (MG)

Leia também: 'Modo de Produção' é retrato claustrofóbico da vida dos trabalhadores rurais em Pernambuco

Um processo que segue, em termos mais recentes, um caminho semelhante à Parasita, por exemplo. O problema é que onde Bong falha em arejar imageticamente suas significações, ele compensa justamente na sua construção narrativa.

Ilustrando o oposto, temos filmes de mestres como John Ford, Glauber Rocha, Lucrecia Martel ou até o mais recente, exibido ano passado no Janela de CinemaSo Pretty (o arranjamento de corpos – mais anti-sistêmicos aqui, são bem próximos aos de Fim de Festa). Todas obras partem da fusão de suas proposições políticas ao fazer intrínseco do cinema – da imagem, ao som, até a encenação.

Fim de Festa parece errar a mão nos dois campos. Há pouco do que se falar em termos de imagem para além de concepções de planos bonitas e seguras. O mesmo serve para uma narrativa refrescante e propositiva.

Dos momentos “políticos”, o filme vai para um expositivo um tanto batido – principalmente na instrumentalização dos personagens negros. Há uma ideia de oposição aos personagens brancos e burgueses muito clara. Reforçada, no entanto, insistentemente pela crítica fácil e abordada exaustivamente.

Em um cinema nacional que entrega obras como Branco Sai, Preto Fica (2014), Café com Canela (2017), e quase toda filmografia recente desenvolvida em Contagem, ainda há espaço para situações de tensionamentos raciais tão rasos?

Os momentos que salvam partem muito de uma ótima atuação de Leandro Villa, sempre carregando um olhar ambíguo de desconforto e jocosidade (a cena em que ele e Safira Moreira observam o diálogo dos outros personagens com a funcionária doméstica é um grande exemplo disso).

IMOVISION/DIVULGAÇÃO
Cena do filme Fim de Festa, de Hilton Lacerda - IMOVISION/DIVULGAÇÃO

Mirando na trama policial – um bloco paralelo mas completamente distante da trama dos jovens –, Fim de Festa perde ainda mais força.

Hilton não é um cineasta de gênero, habituado as nuances do suspense ou construções de clima. E mesmo que possa não ser a intenção, a história parece pedir uma espécie de mistério – que é até atiçado em alguns poucos momentos (o Dracma e a história no passado de Breno, para citar alguns).

O drone paira na varanda, mas logo é revelado seu caráter inofensivo. A testemunha fala sobre um grande urso branco, que nunca mais é explorado. Quem é o responsável por trás do crime? 1 hora de filme é o bastante para adiantar a resposta.

As explicações parecem tão expositivas quanto as críticas políticas. Não há obra que envolva uma investigação policial que se sustente sem atiçar o mínimo de mistério e imaginação.

Nem a catarse final, poderosa e política de um filme como No Coração do Mundo, nem os tensionamentos de O Animal Cordial. Fim de Festa parece rejeitar as proposições de gênero para dar lugar aos interlúdios de metáforas dramáticas.

Em Tatuagem isso funciona dentro de uma proposta diferente. Hilton é perito na mise-en-scène do afeto, das nuances de corpos em contato – o que em Fim de Festa, ressalte-se, é um ponto elogiável. Principalmente nas cenas entre pai e filho (do começo e do final).

O problema é que são 1 hora e 40 minutos de um filme que navega por vários campos narrativos e imagéticos. E do caldeirão com a mistura de todos eles, Hilton parece não saber lidar bem com cada um especificamente. Fim de Festa se torna uma colcha de retalhos de núcleos distantes e nunca isoladamente interessantes.

Comentários

Últimas notícias