Trabalhadores informais sem conta em banco ainda não sabem como receberão o auxílio emergencial

Governo vai abrir uma espécie de conta virtual sem taxas e sem cartão para viabilizar o pagamento dos "desbancarizados", mas a falta de conhecimento em tecnologia pode ser um empecilho para o beneficiário
Edilson Vieira
Publicado em 08/04/2020 às 20:57
Dos 10 novos postos de trabalho criados no Brasil, 7 foram de trabalhadores que atuam por conta própria Foto: FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM


Desinformação, incertezas e muitas dúvidas. Este foi o cenário que a reportagem do JC encontrou entre possíveis beneficiários do auxílio emergencial do Governo Federal, que não possuem conta bancária. A primeira etapa de pagamento está prevista para acontecer a partir desta quinta-feira (9) e a principal dúvida é como será feito o pagamento dos chamados “desbancarizados” .

A artesã Karla Patricia, de 37 anos, está entre os 48 milhões brasileiros adultos que não tem conta em banco, segundo relatório do Banco Mundial (relativo a 2017). Karla hoje (8), vendia máscaras de pano em frente a uma agência da Caixa, na Zona Norte do Recife. Ela não teve nenhuma dificuldade para se inscrever no programa de auxílio emergencial através do aplicativo para celular. Mas, como não tem movimentação bancária, não sabe ainda como irá receber o dinheiro. “Sei que depois que o cadastro é aprovado a gente vai receber um código numérico. Mas não sei se o saque será feito com esse código naqueles caixas eletrônicos 24 horas ou em agências”, indaga. Ela disse ainda que vai continuar “acompanhando o processo através do aplicativo”, e espera que o governo informe como será o procedimento.

AJUDA

Se o ambiente é de incertezas para quem tem habilidade com o uso de recursos digitais, para quem não sabe mexer com sites ou aplicativos a situação é de dependência de outra pessoa. Josicleide Gomes, de 54 anos trabalha com a venda de refeições no mercado de Casa Amarela. Ela também não tem conta em banco e recorreu a filha para fazer o cadastro no auxílio emergencial. “Sei apenas que ela fez no celular. Agora, como eu vou receber o dinheiro não sei. Espero que minha filha resolva”, disse a comerciante.

O ajudante de cozinha Reinaldo Sales Cavalcanti, de 39 anos, trabalha informalmente. Ele não sabe lidar com internet e, por isso, ainda não se cadastrou para receber a ajuda de R$ 600. “Mas vou correr atrás, eu tenho direito, né?”, pergunta. Ele “ouviu dizer” que era preciso abrir uma conta para receber a quantia e procurou uma casa lotérica para se inscrever no programa. “Eu achava também que ia receber lá mesmo as parcelas do auxílio, mas o rapaz da lotérica me disse que não era lá não. Que eu tinha que ir na Caixa”, diz Reinaldo, já programando para ir ao banco na próxima segunda-feira.

Para o advogado previdenciarista Elizeu Leite, o grande desafio do governo será incluir essas pessoas que não tem autonomia digital em um sistema totalmente tecnológico. “Mesmo o governo anunciando que os trabalhadores informais, que não tem conta bancária, terão uma espécie de conta virtual, sem taxas e sem cartão, o problema não termina aí. Essas pessoas terão que lidar com uma rotina bancária de senhas e códigos, o que pode ser um terreno amplo para a ação de golpistas”, diz Elizeu.

Outra situação indesejável que pode acontecer, aponta o advogado, é de trabalhadores informais que se enquadram nas condições para receber o benefício não sacarem o dinheiro por puro desconhecimento. “Vai acabar acontecendo o que o governo mais quer evitar. A procura pelas agências bancárias por aqueles que não tem a quem recorrer”. Para o advogado, a alternativa é a sociedade civil se organizar através de Ongs ou grupos de voluntários, para ajudar quem tiver dificuldades em fazer o cadastro e operar a conta por onde será pago o benefício. Elizeu diz ainda que o sistema de cadastro e pagamento do auxílio emergencial não poderia ser diferente pela urgência que o momento pede, mas deixa evidente a exclusão digital e financeira que existe entre os mais pobres.

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