A adoção do home office durante a pandemia do novo coronavírus acelerou mudanças no mercado de trabalho e ajudou a aprofundar as discrepâncias socioeconômicas entre os trabalhadores. Passados quase seis meses desde que a modalidade ganhou espaço entre as empresas, que tentavam frear a contaminação por covid-19, os dados consolidados desse sistema de trabalho têm auxiliado na identificação das desigualdades do país.
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Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio dedicada a medir os efeitos econômicos da covid-19 (Pnad Covid), em julho, dos 8,4 milhões de trabalhadores remotos do Brasil, a maior parte estava nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, em contraposição ao Norte e Nordeste. Quando se compara a proporção de trabalhadores em home office com a população ocupada em cada região, a disparidade é evidenciada. Isso porque, apenas cerca de 10% de toda a população ocupada no Brasil estava nesse sistema em julho.
A fração, porém, é maior no Sudeste, onde 13% da população ocupada estava no trabalho remoto, e bem menor no Norte, onde a apenas 4% trabalhavam em casa diante de um computador. A parcela também é mais alta nas regiões Sul e Centro-Oeste, onde quase 9% estavam no teletrabalho, e menor no Nordeste, que tinha 7,8% da população ocupada em home office em julho.
Morador do bairro do Arruda, na Zona Norte do Recife, o faturista Álvaro Barbosa, 59, faz parte do grupo de nordestinos que trabalharam de casa nos últimos meses. Na mesma função desde que começou a trabalhar, ele nunca imaginou que um dia poderia trabalhar de casa. “Eu não estava preparado para isso. Como sou do grupo de risco fui mandado para casa. Mas está mais complicado desempenhar as atividades, porque não sou muito ágil com tecnologia. Quando estava no escritório, as pessoas lá me ajudavam, em casa, fica mais complicado”, afirma o profissional.
As dificuldades assustam o faturista que teme perder o emprego. E o seu medo tem pé na realidade. Para especialistas, a Pnad Covid-19 sinaliza que o teletrabalho dá maior proteção aos trabalhadores mais qualificados do que aqueles responsáveis por funções consideradas menos complexas. "Quando falamos em trabalho remoto, isso geralmente envolve o trabalhador o mais qualificado", diz o economista Paulo Alencar, do Unit-PE. "Estamos vendo uma mudança de perfil em relação à desocupação: o qualificado se posiciona mais rapidamente no mercado e o não qualificado vai caindo no desemprego”, afirma.
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Avaliação parecida faz pesquisador Rodolpho Tobler, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre). Segundo ele, o home office é um benefício adicional para os mais qualificados, especialmente para a parcela que tem curso superior completo. “O home office, infelizmente, não é para todos, mas apenas para determinadas ocupações e setores”, afirma Tobler.
A análise dos dados do IBGE sob a ótica do nível de instrução confirma essa percepção. Entre os que estão no trabalho remoto, 6,1 milhões, quase 73% do total, concluíram o ensino superior completo ou uma pós-graduação. Em contrapartida, apenas cerca de 70 mil dos trabalhadores que estão no sistema não completaram nem o fundamental.
Internet mais potente
Além da qualificação, Paulo Alencar reforça que pesa também a qualidade do acesso à internet na localidade em que vive o trabalhador. Em Pernambuco, por exemplo, o fato de o Grande Recife ter uma infraestrutura de rede mais ampla e com conexões mais ágeis, certamente, favorece o teletrabalho na região metropolitana.
“No Recife e cidades mais próximas, como Jaboatão e Olinda, a internet chega a um número maior de pessoas, e isso acaba dando mais predisposição para se trabalhar em casa. Também tem o fato de que o tempo perdido no deslocamento é reduzido, deixando essa modalidade de trabalho ainda mais atrativa”, diz. Ele destaca ainda que essa região também concentra empresas mais sofisticadas e tem um número maior de trabalhadores qualificados que o interior do Estado.
E as desigualdades podem aumentar. Com a perspectiva de que as empresas passem a adotar o teletrabalho de forma permanente, a tendência é que o espaço para os menos qualificados no mercado formal fique ainda mais estreito. Uma pesquisa do FGV-Ibre mostrou que mais da metade das empresas pretende incorporar mudanças adotadas na pandemia. Das entrevistadas, 83% adotaram home office para áreas administrativas.
Tobler frisa que parte dessas alterações vem de antes da pandemia, respondendo aos avanços tecnológicos que permitem. "A pandemia tem forte efeito na aceleração do processo de mudanças no mundo do emprego. O grande desafio é fazer com que os trabalhadores afetados por essa tecnologia não fiquem desamparados", pontua.
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