Sem experiência profissional, o recifense Mateus Ramos, 23 anos, aceitou o que apareceu pela frente para conseguir entrar no mercado de trabalho logo após descobrir que seria pai, ainda em 2019. Segundo ele, depois de anos tentando “um lugar ao sol” do emprego formal, a esperança da carteira assinada deu lugar à informalidade, sem estabilidade e, muito menos, benefícios. Na época, o jovem arrumou alguns “bicos” em eventos esportivos e numa capotaria, onde ganhava por dia. “Eu ajeitava os carros mais de oito horas por dia, mas meu salário ainda era bem inferior aos dos colegas mais velhos que faziam o mesmo que eu. Como precisava da renda, não reclamava.”
Hoje, ele trabalha como auxiliar de marceneiro num estabelecimento da Zona Sul do Recife, onde, mesmo sem carteira assinada, ganha, segundo ele, um salário razoável. “Mesmo assim, ainda tento arrumar um serviço aqui, outro ali para complementar a renda”, afirma o jovem trabalhador.
A história de Mateus é um dos exemplos da realidade do Brasil, onde 77,4% dos jovens têm emprego considerado de má qualidade ou precário. Na faixa etária entre 25 e 64 anos, o porcentual é de 39,6% e, acima de 65 anos, de 27,4%. Os números são de um levantamento realizado pela consultoria IDados e divulgado nesta semana. Segundo o estudo, oito em cada dez trabalhadores com até 24 anos trabalham em situação vulnerável. Isso representa um total de cerca de 7,7 milhões de pessoas.
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Para determinar se um emprego é de baixa qualidade ou não, os pesquisadores elegeram quatro aspectos do nível de ocupação no Brasil. São eles: salário, estabilidade, condições de trabalho e rede de proteção, a exemplo do acesso a benefícios do INSS. Em todos os critérios escolhidos, o emprego apresenta fragilidades, mas os piores são a remuneração e a estabilidade. Para cerca de 90%, a renda é inferior a 6 vezes uma cesta básica — que varia entre R$ 455,43 a R$ 539 pelo Brasil afora, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), no Recife o valor é R$ 462,98 — e 75% têm menos de 36 meses de tempo de trabalho.
“O fato de o jovem ter uma renda menor e maior dificuldade para se colocar no mercado, em relação a outras faixas etárias, não é uma particularidade do Brasil. No entanto, aqui a discrepância parece ser bem maior por causa da falta de estabilidade e da informalidade”, explica o economista Bruno Ottoni, pesquisador do IDados e responsável pelo trabalho, que foi baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O estudo mostra ainda que, em 2019, a qualidade do emprego do jovem chegou a 79,1%, mas recuou para 77,4% no segundo trimestre deste ano, apesar da pandemia. Ottoni explica que a crise ajudou no resultado, porque distorceu um pouco os indicadores e, por isso, eles apresentaram melhora no período. “A qualidade do emprego é calculada com base em quem está empregado, devido a isso o indicador melhorou. Quem continuou empregado foram as pessoas com mais proteção do emprego. Mas isso é temporário e tende a piorar assim que o trabalhador demitido voltar ao mercado de trabalho, provavelmente em ocupações piores”, ressalta ele.
Uma das principais explicações para a baixa qualidade do trabalho dos jovens está na falta de experiência, menor nível de conhecimento por causa da idade e uma rede pequena de contatos. “Esses fatores também são o motivo para o elevado nível de desemprego dos jovens. Mas os números do estudo revelam que o problema vai além da quantidade de vagas de emprego para essa faixa etária, expondo em quais condições o jovem entra no mercado”, afirma o economista e professor do Unit-PE Edgard Leonardo Lima.
O problema vai além da quantidade de vagas de emprego para essa faixa etária."Edgard Leonardo Lima, economista e professor do Unit-PE
Para o professor, esta difícil realidade traz sérias consequências para a economia nacional e para toda uma geração de profissionais. Isso porque, segundo o especialista, a baixa qualidade do trabalho deixa o jovem desprotegido em casos de demissões ou de uma eventual doença, principalmente, em meio à pandemia do novo coronavírus. O problema se agrava se o trabalhador estiver na informalidade, isso considerando que 32,7% dos jovens não têm carteira assinada.
“Nesse caso, ele não terá direito ao seguro desemprego, por exemplo. Assim, não só ele ficará sem renda, mas também sua família, que conta com esses recursos para subsistir e, agora, terá de refazer o orçamento diminuindo o consumo”, aponta Lima.
Além disso, esse emprego considerado vulnerável pode representar uma estagnação do capital humano dos jovens, que se veem, muitas vezes, obrigados a abandonar os estudos para se dedicar à atividade profissional. “A má qualidade desse emprego também eleva a rotatividade do jovem no mercado, fazendo com que cada vez mais pessoas nessa faixa etária deixem de ter, pelo menos, uma mínima estabilidade no mercado de trabalho”, diz o consultor de carreiras e recursos humanos Rafael Pinheiro.
Na avaliação do economista Tiago Monteiro, diretor do Cedepe Business School, a precariedade dos empregos dos jovens pode ainda ter reflexos na produtividade da mão de obra brasileira, que entre 1981 e 2018 cresceu apenas 0,4%, segundo dados da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Se esse índice de rotatividade é alto, não permitindo que o jovem passe um considerável tempo na empresa, ela não vai investir na capacitação dele e, sem dúvidas, perderá ganhos na produtividade. É um ciclo autofágico”, afirma o especialista, apontando que quase metade dos jovens não contribuem com a Previdência nem têm benefícios como plano de saúde ou vale refeição.
“Com o que ganho, mal dá para pagar as contas, quanto mais me dar ao luxo de ter um plano de saúde”, diz Eduardo Silveira, 24, que vive a realidade apontada pelo IDados. Apesar da crise, ele acaba de completar quatro meses como auxiliar administrativo de uma rede de concessionária de veículos. Entra às oito da manhã, mas não tem horário para sair. “E quando precisa, às vezes, tenho que fazer outras funções que não são minhas. Tudo isso porque o quadro de funcionários está muito pequeno”, diz o trabalhador.
Como outros milhares de jovens, ele diz que aceita as condições impostas, porque quer adquirir experiência na área. “Só assim, vou poder galgar uma melhoria profissional. Porque eu quero um trabalho que eu tenha mais energia para estudar e investir na minha carreira”, afirma Eduardo.
Menos experiência e renda
Estar empregado nestes tempos faz de Eduardo uma exceção. Isso porque, os jovens em trabalhos vulneráveis são os que mais sofrem os efeitos de uma crise como a causada pela pandemia. Por terem menos experiência e, muitas vezes, não ter vínculo empregatício, são os primeiros a serem demitidos. “Mesmo quando o jovem possui alguma qualificação, se ele não tem experiência, se torna pouco competitivo no mercado formal, isso o deixa ainda mais instável profissionalmente”, diz Rafael Pinheiro. “Eles também são os que têm mais dificuldade para voltar ao mercado de trabalho”, emenda o especialista.
O economista Edgard Lima diz que os jovens da faixa etária entre 15 e 19 anos e entre 20 e 24 anos foram os que tiveram maior queda na renda entre o primeiro e segundo trimestres deste ano. No primeiro grupo, o recuo foi de 34% e no segundo, de 26%. Com isso, a participação dos jovens no mercado de trabalho recuou 20% e 11%, respectivamente, diz ele. Na média de todos os trabalhadores, essa queda foi de 8,6%.
“Os jovens já vinham perdendo renda e poder de compra de forma muito intensa nos últimos anos e agora, com a pandemia, perderam mais uma vez. Além da renda, as horas trabalhadas caíram muito e a jornada de estudo também”, diz o economista.
Citação
O problema vai além da quantidade de vagas de emprego para essa faixa etária."
Edgard Leonardo Lima, economista e professor do Unit-PE
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