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Carteira de trabalho faz 89 anos este mês

Símbolo do emprego formal, a carteira de trabalho trouxe direitos reconhecidos por especialistas que se preocupam com novas formas de contratação das pessoas

Angela Fernanda Belfort
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Angela Fernanda Belfort
Publicado em 26/03/2021 às 19:19
MARCELLO CASAL/AGÊNCIA BRASIL
REDUÇÃO Em 2020, 30,6 milhões de pessoas estavam com carteira assinada, 7,8% a menos do que em 2019 - FOTO: MARCELLO CASAL/AGÊNCIA BRASIL
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Símbolo da contratação de trabalho formal no País, a carteira de trabalho fez 89 anos este mês. São quase nove décadas. "A criação dela foi um marco no Governo Vargas e antecedeu uma política de proteção ao trabalhador que posteriormente se consolidou nas leis trabalhistas", lembra o professor do Centro Universitário Tiradentes (Unit-PE) Ariston Flávio Costa. A Era Vargas começou em 1930 e foi até 1945.

A contradição que salta aos olhos hoje é como um período ditatorial conseguiu estabelecer leis que marcaram um novo início nas relações de trabalho no País. "Nada é por acaso. Na Primeira República ocorreram grandes greves pela falta de reconhecimento dos direitos dos trabalhadores. Era um momento em que precisava de uma pacificação social entre a classe trabalhadora e o empresariado. A sociedade estava extremamente convulsionada e daí a necessidade de ter uma regulamentação", comenta Ariston. A Primeira República começou em 1889 e vai até 1930.

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Sidartha Soria, especialista em mercado de trabalho - DIVULGAÇÃO

"Com a criação da carteira de trabalho, houve um enquadramento da classe trabalhadora dentro de um molde de organização que a sociedade determina. Surgiu um modelo sindical que existe até hoje", explica Ariston. O modelo sindical existe até hoje, mas as relações de trabalho estão mudando. O surgimento de novas tecnologias trouxe uma nova categoria de trabalhadores contratados para prestarem serviços. "Está ocorrendo no mundo como um todo, uma erosão dos direitos do trabalho de forma gradativa. Um exemplo disso são as plataformas criadas para fazer uma contratação mais direta com as pessoas na falsa narrativa de que elas são empreendedoras, quando o que ocorre é uma grande precarização do mercado de trabalho", explica Ariston. Como exemplo, o professor cita plataformas que oferecem serviços de mobilidade ou de entrega de comida.

"O Estado brasileiro e o poder judiciário, que nesse caso é a Justiça do Trabalho, não têm se posicionado de uma forma justa com os princípios que nortearam a sua criação como o princípio da proteção", argumenta Ariston, acrescentando que as pessoas que trabalham nessas plataformas não tem a proteção de uma legislação específica. "Até agora, países que reconhecem os vínculos empregatícios dessas plataformas são a Espanha, a França e o Estado da Califórnia, nos Estados Unidos", afirma.

Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, Eduardo Câmara, argumenta que a carteira do trabalho é a garantia do Estado pra dar uma proteção formal ao trabalhador e que há uma discussão, na Justiça, do mundo inteiro sobre a precarização do trabalho que vem ocorrendo provocada pelas plataformas digitais. Os contratados por essas plataformas não têm carteira assinada. "Não podemos permitir que seja retirada a dignidade dos trabalhadores", conta o magistrado, acrescentando que no Brasil ocorreram diversas decisões judiciais que reconheceram o vínculo empregatício (com as plataformas) e outras decisões que não reconheceram este vínculo, porque houve o entendimento de que era uma relação autônoma. Ele lembra também que a Justiça só se manifesta, quando é instada e as decisões judiciais são baseadas nos fatos apresentados e nas informações que estão nos autos.

EM QUEDA

No Brasil, eram 30,6 milhões de pessoas com carteira assinada em 2020, segundo informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD). Esse total registrou uma queda de 7,8%, o que corresponde a 2,6 milhões de pessoas a menos, quando comparado com 2019. Ainda de acordo com a mesma fonte, 9,7 milhões de pessoas trabalharam em carteira assinada no ano passado e 22,7 milhões trabalham por conta própria. "A carteira de trabalho traz tudo que o trabalho dá direito. Trabalho desde os 12 anos, mas nunca consegui", conta a diarista Carmem Lúcia da Conceição, que aos 45 anos, é diarista. Quando a "economia estava melhor", chegou a trabalhar como cozinheira num restaurante, mas a carteira não foi assinada.

"Há menos pessoas com carteira de trabalho assinada, embora ela documento seja um símbolo poderoso na garantia dos direitos do trabalhador. Essa diminuição das pessoas com carteira de trabalho é um processo que é dificultado pela crise econômica. Não existe futuro das relações de trabalho sem o desenvolvimento da economia", resume o professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco, Sidartha Soria. Depois de 2015, o Brasil não voltou a apresentar um crescimento acima de 1%. Resultado: em números absolutos o ano que teve mais pessoas com carteira assinada foi em 2014 quando 36,4 milhões de pessoas estavam com um emprego formalizado.

E para o País voltar a crescer, segundo Sidartha, tem que ocorrer inestimentos em educação, ciência e inovação para multiplicar as oportunidades de ingresso no trabalho que agreguem valor e sejam mais dignas. "Quanto menos gente de carteira assinada menor vai ser o fluxo de recursos que vão financiar as aposentadorias no futuro", argumenta acrescentando que outra questão que preocupa os especialistas em mercado de trabalho é a falta de proteção social às pessoas que não vão ter a carteira assinada, como empreendedores, os que trabalham para aplicativos, entre outros. "O Estado tem que estar atento a este público", conclui.


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Há menos pessoas com carteira de trabalho assinada, embora seja um símbolo poderoso na garantia dos direitos do trabalhador. Essa diminuição é um processo que é dificultado pela crise econômica", avalia Sidartha Soria - FOTO:DIVULGAÇÃO

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