INFRAESTRUTURA

O que o marco legal das ferrovias muda na sua vida?

Projeto de lei que estabelece as novas regras foi a plenário nesta terça-feira no Senado Federal, em Brasília. A principal mudança é que as ferrovias poderão ser construídas com autorizações.

Angela Fernanda Belfort
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Angela Fernanda Belfort
Publicado em 06/10/2021 às 7:00
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TENTATIVAS Voucher de R$ 400 aos caminhoneiros é estratégia para aliviar a tensão com a categoria - FOTO: WELINGTON LIMA/JC IMAGEM
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O projeto de lei 261/2018 - conhecido como o novo marco legal das ferrovias - foi aprovado nesta terça-feira (05) no Senado em Brasília. Agora, o projeto segue para a Câmara dos Deputados. A grande novidade do texto é permitir que sejam construídas novas ferrovias por autorizações para a iniciativa privada implantar e explorar um determinado trecho ferroviário. É aí que começa a polêmica que faz uma uma parte dos especialistas do setor criticar a futura legislação. "Quem tem que planejar uma política ferroviária para o País pensando em 30 anos é o Estado. Isso deveria ser política de Estado e não de um governo", comenta o presidente da Frente Nacional das Ferrovias (Ferrofrente), José Manoel Ferreira Gonçalves. 

>> Entenda por que a Transnordestina é importante para o Nordeste e pode fazer diferença até no seu bolso

Nesta crise econômica-política que se abateu sobre o País desde 2014, a União não tem mais recursos para fazer ferrovias, que é um investimento alto e de retorno no longo prazo. E a futura lei vai permitir que trechos ferroviários extensos sejam implementados por autorizações às empresas privadas para transportar produtos específicos, como por exemplo, os grãos do Centro-Oeste ou minérios, ambos produtos de exportação. 

O problema, segundo os especialistas, é que esses trechos serão implementados sem uma perspectiva de desenvolvimento e integração nacional num país de dimensões continentais. "Essa futura lei vai sepultar o futuro do transporte de passageiros ferroviário e também o transporte de cargas (ferroviário) que não seja de commodity (produtos agrícolas ou minérios). Essas ferrovias não vão estar a serviço, por exemplo, da indústria que precisa deste tipo de transporte para ficar mais competitiva", comenta José Manoel. Ou seja, só vão ser implementadas ferrovias nos grandes corredores de exportação e o restante do País ficará sem o serviço. 

Outra coisa muito criticada pelos especialistas é o fato de que a lei propõe a autorregulação. Ou seja, as próprias empresas vão fazer a sua regulação, o conjunto de regras a serem cumpridas pelas companhias que vão prestar o serviço. "Isso é mais uma distorção. Essa autorregulação está mal explicada. O Estado tem a obrigação de regular. As empresas deveriam encontrar parceiros que tornassem as ferrovias autossustentáveis a longo prazo. Este assunto é muito sério, mas o Brasil não acordou para a importância do sistema ferroviário e da intermodalidade", comenta José Manoel. A intermodalidade é o uso de vários meios de transporte, utilizando hidrovias, ferrovias e hidrovias, de modo que o frete fique mais barato, usando os meios mais baratos de fazer o transporte. Por exemplo, já se sabe que o transporte rodoviário só deveria ser usado para distâncias no máximo de até 700 quilômetros, o que não ocorre no Brasil.  

O substitutivo ao projeto (PLS 261/2018) prevê que o transporte ferroviário em regime de direito público pode ser executado diretamente por União, Estados e municípios; ou indiretamente, por meio de concessão ou permissão, segundo informações da Agência Senado. "O Brasil apresenta baixa densidade ferroviária, se comparado com os Estados Unidos, Canadá e China e até mesmo com os seus pares como o México e a Argentina", afirma o relator do projeto de Lei 261/2018, o senador Jean Paulo Prates (PT-RJ), para a Agência Senado. Ele defende que o PL vai trazer investimentos necessários para alavancar o setor. O texto original do PL é de 2018 e de autoria do senador licenciado José Serra (PSDB-SP).

IMPORTÂNCIA

Mas por que a ausência de um sistema ferroviário integrado chega a pesar até no bolso do cidadão comum ? A falta dele faz as empresas optarem por um dos meios de transporte mais caros que existem: o caminhão que utiliza o diesel como combustível. Primeiro, esse tipo de transporte contribui para aumentar as emissões de carbono. Segundo, todas as mercadorias acabam ficando mais caras, porque o consumidor  final paga por todas as despesas de logística, desde as matérias-primas usadas nas fábricas até o produto chegar, por exemplo, num supermercado.

"Em média o transporte ferroviário é quase 30% mais barato do que o rodoviário. Só que a quantidade de carga que cabe num trem é muito maior. Cada caminhão transporta, em média, 28 toneladas. E um trem pode transportar, por exemplo, 10 vagões de uma só vez", comenta o presidente da Associação Nordestina de Logística (Anelog), Fernando Trigueiro. E, dependendo da composição do trem ou do produto a ser transportado, cada vagão pode transportar, em média, a quantidade de três caminhões.

O modal rodoviário é responsável pelo transporte de 61,1% de todas as cargas do País. As ferrovias ficam com 20,7% deste total, de acordo com informações da Confederação Nacional da Indústria (CNI) de 2019. E hoje já existe a concentração do serviço ferroviário para transportar principalmente o que vai ser exportado. Para o leitor ter uma ideia, as ferrovias brasileiras transportam 92% do minério de ferro que vai para o exterior e 47% dos grãos destinados a países estrangeiros.

Até hoje o serviço ferroviário é prestado por concessões, modelo no qual o poder público teria, em tese, maior controle sobre as concessionárias.  A privatização das ferrovias realizada no final dos anos 90 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi um desastre. Mesmo sendo realizadas por concessões, várias empresas não cumpriram as metas da concessão e sequer responderam por alguma punição. O exemplo disso é a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) que recebeu - por uma das suas subsidiárias - a concessão da antiga Malha Nordeste, que ia de Propriá, em Sergipe, até a cidade de São Luís, capital do Maranhão em 1997. Esta ferrovia foi totalmente desmontada e a empresa até hoje não recebeu qualquer punição, embora a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) tenha recomendado a cassação da concessão ao governo federal.

TRANSNORDESTINA

Ainda uma subsidiária da CSN, a empresa Transnordestina Logística S.A.  (TLSA) iria construir a Ferrovia Transnordestina, que iria da cidade de Eliseu Martins, no Piauí, aos portos de Suape, em Pernambuco,  e Pecém, nas imediações de Fortaleza. A obra foi iniciada em 2006, está inacabada, recebeu R$ 6,8 bilhões de investimentos, sendo que cerca de 80% deste total saiu do poder público.

Depois de muita novela, o trecho que vai de Curral Novo, no Piauí, a Suape está autorizado, pelo Ministério da Infraestrutura, a ser construído pela empresa Bemisa. No entanto, para isso ocorrer será necessário um longo processo negocial, porque a CSN continua sendo a dona da concessão e a Bemisa, que é produtora de minério de ferro,  tem uma autorização.

Em nota, a Bemisa informou que "requereu autorização, nos termos da Medida Provisória nº. 1.065, de 30 de agosto de 2021, para desenvolver estudos para implantação de uma nova ferrovia que ligará o Município de Curral Novo do Piauí, no estado do Piauí, ao Complexo Portuário de Suape no estado de Pernambuco. Empresa de capital nacional e constituída em 2007, a BEMISA opera uma mina de minério de ferro em Minas Gerais e possui projetos distribuídos por dez estados do país, sendo um deles o Projeto Planalto Piauí localizado no estado do Piauí".

A Bemisa informou que "este Projeto, que depende da logística ferroviária para ser viabilizado, com edição da MP, poderá contar com um projeto integrado com mina, ferrovia e porto. O Projeto Planalto Piauí possui mais de 1 bilhão de toneladas de minério de ferro magnetítico certificadas e movimentará 16 milhões de toneladas por ano, de um Pellet Feed premium, sendo sua licença de instalação concedida pelo Estado do Piauí e a concessão de Lavra emitida pela Agência Nacional de Mineração".

A autorização para a Bemisa assumir a Transnordestina foi dada no último dia 02 de setembro depois de uma mobilização política que envolveu desde o governador Paulo Câmara (PSB) até quase a totalidade dos deputados federais e senadores pernambucanos com exceção do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB) e os deputados federais Fernando Bezerra Coelho Filho (DEM) e André Ferreira (PSC).

Mesmo ainda com este imbróglio sobre como será esta autorização, já foi aprovado um Proposta de Emenda Constitucional (PEC) permitindo a autorização pela Assembléia Legislativa de Pernambuco. Agora, está tramitando na Alepe um projeto de lei que vai regulamentar a PEC. "O Porto de Suape já pediu à Secretaria Nacional dos Portos a exclusão da Ilha de Cocaia do porto organizado para que seja montado um terminal de minérios de ferro", revela o diretor de Planejamento de Suape, Francisco Martins. Porto organizado é a parte de Suape que tem uma autoridade portuária - exercida pelo governo estadual - mas a palavra final para arrendamentos desta área é do governo federal desde 2013 dentro de uma lei promulgada pela então presidente Dilma Rousseff (PT) que decidiu concentrar as decisões dos portos organizados em Brasília. É importante Suape ter um terminal privativo para o minério que vai chegar pela ferrovia para ficar no mesmo patamar de outros portos do Nordeste, como o de Pecém, que poderá ter uma estrutura parecida. 

DIEGO NIGRO / ACERVO JC IMAGEM
A Transnordestina estava em obras desde 2006 - FOTO:DIEGO NIGRO / ACERVO JC IMAGEM
BETO BARATA/AGÊNCIA SENADO
RELATOR Jean Paulo Prates critica baixa densidade ferroviária no Brasil - FOTO:BETO BARATA/AGÊNCIA SENADO

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