O anúncio do governo de Pernambuco com novas medidas restritivas até o começo do mês de março significou a volta ao prejuízo para produtoras de eventos, seus fornecedores, trabalhadores ambulantes e os demais que contavam ao menos com a manutenção do ponto facultativo (tradicionalmente feriado no Estado) para faturar mesmo sem o Carnaval. Quem já vinha recontratando funcionários, agora começa a planejar novas demissões. Eventos programados para este mês estão sendo adiados ainda sem a garantia de realização no período definido. Em geral, os trabalhadores e empresários entendem a necessidade de conter o avanço do novo coronavírus, mas criticam a falta de diálogo e programação do poder público na adoção das medidas restritivas.
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Questionado recorrentemente desde o fim do ano passado, o governo do Estado apresentou uma definição quanto à realização de festas privadas e a manutenção do ponto facultativo no período momesco a poucas semanas do Carnaval. Um balde de água fria para quem vinha retomando as atividades dentro dos novos protocolos que vinham sendo determinados pelo Estado.
“Você vê uma reestruturação no nosso segmento do fim de ano para cá. As produtoras testando tanto quem trabalha e os convidados. E o governo agora vem com essa. Estávamos recontratando as pessoas, mas agora temos que planejar a desligar de novo”, diz o proprietário de uma empresa que presta serviços e fornece infraestrutura a produtoras, Wellington Uchoa.
Para um evento, a empresa costuma empregar diretamente 100 pessoas.Indiretamente, o número de trabalhadores chega a 500. Mas há tempos o negócio não é mais o mesmo. “Ficamos com a mão de obra normal da empresa em 30% (contratada na CLT), o restante agora a gente só contrata como MEI (microempreendedor individual). Na realidade, a gente volta à estaca zero. Com a incerteza de quando vamos começar a voltar a trabalhar. Essas pessoas que contratamos não temos como manter por mais dois meses sem ter nenhuma perspectiva financeira. Como vai ficar sem ter caixa para trabalhar ?”, critica Uchoa.
Sem a realização de eventos de grande porte, os negócios que giram em torno literalmente param. “A gente entende que afeta. Mas não queremos a piora da coisa, que é o sistema de saúde colapsar.Não iríamos ser o culpado do problema maior. De grosso modo, temos cerca de 20% em prejuízo (com mais um adiamento). O importante hoje que a gente vê é poder fazer a entrega de um produto similar ao que os clientes estavam esperando para o Carnaval. Parte das nossas despesas foram antecipadas com a venda de ingressos, cerca de 50%. É fundamental realizar o evento em algum momento, pois é o segundo ano consecutivo de impacto muito grande para a conta da nossa empresa”, diz um dos diretores da Carvalheira, Eduardo Carvalheira.
A empresa promove a maior festa de Carnaval privado do Estado, chegando a reunir por dia 8 mil pessoas e mobilizando, apenas de mão de obra terceirizada, mais de 1,3 mil pessoas na montagem e operação do evento, que agora está cogitado para ser realizado durante a Semana Santa.
A inviabilização de eventos de grande porte vem na esteira da restrição imposta pelo governo para a realização de eventos com capacidade máxima de até 500 pessoas, desta quarta-feira (9) até o dia 1º de março. A festa pública de Carnaval já havia sido suspensa no Recife e cancelada no município de Olinda. Mas agora, com mais restrições e sem os dias de folga, as perdas tendem a se elevar.
“O evento de Carnaval representa metade do ano para a gente. Conseguimos trabalhar cerca de seis meses com o resíduo do Carnaval. São dois anos de prejuízo enorme. Não tem nem como calcular”, desabafa o presidente da cooperativa Coopmetral, Maurício Nunes, 36 anos.
Sem o feriado, até mesmo as festas privadas, que seriam um escape para conseguir arrecadar mais materiais, como as latinhas, não um desalento. “No Carnaval são de 50 a 60 toneladas de resíduo recolhidas. Aqui a gente trabalha com 21 pessoas, chega a 120 na festa. Agora a gente tá com salário atrasado, porque não dá para pagar. O que estamos fazendo é pegar o apurado e ratear”, lamenta.
O cenário é de pouco material de trabalho e, consequentemente, lucros menores, já que o preço do quilo da latinha não aumenta.“No ano de 2020, último ano que trabalhamos no Carnaval, o preço da latinha estava há R$ 3,50 o quilo. Durante o ano fica entre R$ 2 e R$ 2,50. Tudo aumenta na festa. Em Olinda, ano passado a gente até ganhou um auxílio, mas de R$ 250. Você chega na porta do mercado e é tudo caro. Sem contar que era emergencial e só vieram pagar em junho”, ressalta Nunes.
Na capital, o setor hoteleiro prevê que sem o ponto facultativo, a movimentação de turistas e até moradores das redondezas se hospedando seja menor. “Realmente, não ter festividade é uma coisa. Agora cancelar o ponto facultativo traz um impacto maior. Quem quer brincar Carnaval e quem queria apenas descansar não o fará. Ainda não sentimos muitos cancelamentos, mas concordo com a não realização das festividades. Melhor perder o Carnaval do que perder o ano”, diz o presidente da Abih-PE, Eduardo Cavalcanti.
Para Porto de Galinhas, a expectativa de ocupação no Carnaval estava em 95%. Recife, 80%. Já Gravatá, tido como destino para quem geralmente foge da folia, a ocupação dos leitos esperada era de 85%.
Coração do Carnaval na capital, as Ruas do Recife Antigo já presenciam a apreensão de ambulantes que confiavam numa melhora das vendas ao fim do mês de fevereiro. Maria Cicera Leite, 62 anos, preocupa-se em como vai dar conta das contas de casa por mais um ano sem o faturamento extra.
“Sem feriado e sem Carnaval é muito difícil. É a melhor época, que a gente tira entre R$ 2 mil e R$ 3 mil. Dia normal, às vezes a gente não consegue vender nenhuma água ou vender apenas três cocos”, diz ela debruçada sobre o seu isopor, em frente à praça do Marco Zero.
Para a Abrasel-PE, os restaurantes, exceto aqueles que estão nos tradicionais corredores da folia não devem ser afetados fortemente. “Um feriado sempre ajuda, o setor de entretenimento de uma forma geral é beneficiado. Os bares e restaurantes tinham sim um movimento, principalmente nos corredores turísticos, tinha acréscimo substancial. O restante das regiões eram beneficiadas por conta do feriado. O que a gente não sabe ainda é projetar na verdade de quanto pode ser essa perda”, pondera o presidente da Abrasel-PE, Andre Araújo.
Na Rua do Bom Jesus, Rosimere Peres, 57 anos, já vem sentindo o movimento fraco neste mês de fevereiro na loja de comidas e artigos regionais na qual trabalha. "Quando tem feriado, o que a gente espera é ter mais gente passeando, sem aglomeração. Se tivesse o feriado, o pessoal iria aproveitar para sair. Sem ele, fica mais complicado mesmo, vem menos turistas e menos gente daqui mesmo, que vai trabalhar", ressalta.
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