Energia

Discussão sobre instalação de usina nuclear em Itacuruba, em Pernambuco, será retomada em 2022

O plano de instalação de uma usina nuclear no Sertão pernambucano vem sendo discutido há anos

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JC

Publicado em 04/03/2022 às 17:32 | Atualizado em 10/03/2022 às 9:11
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Em meio ao conflito na Ucrânia, o mundo volta a atenção para o risco dos ataques à usina nuclear de Zaporizhzhia - a maior da Europa. Mas, você sabe o risco do ataque e que a instalação de uma usina deste tipo em Pernambuco é discutida há anos?

Comecemos por Zaporizhzhia. A usina de energia atômica, tomada pela Rússia nesta sexta-feira (4), foi construída entre 1984 e 1995, é a 9ª desse tipo de energia do mundo. O prédio da usina atingido fica do lado de fora do complexo, não havia nada lá que pudesse emitir radiação, mas a ação russa foi considerada imprudente por autoridades e especialistas.

Se um reator - o dispositivo que gera energia em uma usina nuclear - e o prédio que o abriga forem danificados, isso poderia causar o superaquecimento do reator e derretimento do núcleo. A preocupação é justamente que, com isso, a radiação vaze ao ambiente circundante, com possíveis graves impactos à saúde imediatos e de longo prazo, incluindo câncer. A inspetoria nuclear da Ucrânia disse que nenhum vazamento de radiação foi relatado e que a planta não foi diretamente danificada.

Pernambuco

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Modelo de usina nuclear que pode ser implementado - DIVULGAÇÃO

Já em Pernambuco, entramos em mais um ano sem a definição se o Estado terá, ou não, uma usina nuclear em seu território. A possibilidade da instalação vem sendo discutida há anos e foi tema de debates acalorados. Já no início deste ano pessoas contrárias e a favor já se manifestaram sobre o tema, que deve voltar a ser discutido.

Porém, o cenário para a discussão do assunto é diferente em 2022, por dois motivos. Primeiro, estamos em ano eleitoral e, se não andar no primeiro semestre, dificilmente a pauta terá força no fim do ano, por conta das campanhas políticas e a defasagem na presença de parlamentares nas casas legislativas.

Além disso, os defensores da instalação da usina contam um com trunfo para novos debates. No fim de 2021, Rosa Weber, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), julgou procedente pedido para declarar a inconstitucionalidade do art. 216 da Constituição do Estado de Pernambuco.

O trecho proibia a instalação de usinas nucleares no Estado enquanto não se esgotasse toda a capacidade de produzir energia hidrelétrica e oriunda de outras fontes.  

Em 2011, foi realizado um estudo pela Eletronuclear (subsidiária da Eletrobras). Nele, apontou-se Itacuruba, localizada no Sertão pernambucano, como possível local para instalação de uma nova central nuclear. Isso acontece por causa da densidade populacional e da proximidade do rio São Francisco, cujas águas poderiam ser usadas para resfriar os reatores nucleares. Críticos ao projeto, porém, apontam possíveis danos ambientais e prejuízos às comunidades indígenas e quilombolas da região.

Defensores da usina colocam que, diante do momento vivido pelo Brasil, em que vários estados enfrentam uma das piores secas das últimas décadas, é preciso discutir alternativas energéticas para possibilitar o pleno desenvolvimento do país. Além disso, a instalação poderia gerar 15 mil empregos. Coronel Meira, presidente do PTB em Pernambuco, por exemplo, disse que está em fase de convencimento e busca trazer a usina para o Estado.

"Empresários vieram para analisar e tudo precisa ser feito dentro de estudo, de critério. E defendemos a causa das usinas nucleares. Estudos apontam que, na América Latina, Itacuruba é o melhor local para usinas, além do solo, já tem rede de alta tensão da Chesf, e o Rio São Franciso ao lado. Mas o governo de Pernambuco disse não ao projeto, alegando defesa do meio ambiente. Querem ligar aos problemas da Europa, do acidente de Chernobyl, que não tem mais nada a ver, o mundo está montando usinas nucleares", disse Meira em entrevista à Rádio Clima FM de Gravatá, no final de fevereiro.

"A usina nuclear independe do fator tempo, temos vários fatores que ajudam geração de energia, temos energia eólica, solar e a hídrica, mas dependem de sol, vento e chuva. Se nós trazermos vai ser de imediato 15 mil empregos", concluiu o presidente do PTB-PE.

Também no início de 2022, a ativista Ianah Maia, que é pernambucana e vem se mobilizando contra a possível instalação da usina nuclear na região de Itacuruba, falou sobre o tema no podcast Papo Preto.

"Há interferência nítida do poder empresarial, do dinheiro, de quem tem poder financeiro sobre a vontade de uma população menos favorecida, dentro de um contexto mais simples de vida, nas áreas ruais, que mais sofrem com ações que interferem no meio ambiente. A instalação da usina vem da promessa de geração de emprego, mas ela tem possíveis consequências desastrosas, como já aconteceram no mundo. Assim como mineradoras que estocam detritos, são sempre situações muito arriscadas. E poderia aquecer as águas do São Francisco, em um local já quente e isso interfere onde ele passa", disse.

Estudos

A proposta de instalação da usina vem sendo analisada pelo Ministério de Minas e Energia. A Coluna JC Negócios trouxe em novembro passado que o Sudeste, inclusive, está de olho na possibilidade de sediar a usina.

Em vídeo enviado à cerimônia de entrega do prêmio honra ao mérito nuclear, organizado pela Associação Brasileira para Desenvolvimento das Atividades Nucleares (Abdan) o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, confirmou que, além de Angra 3, o Brasil terá uma nova usina nuclear indicada no Plano Decenal de Energia (PDE) 2031.

Os estudos em busca de um local para a construção do projeto já começaram e para o presidente da Abdan (Associação Brasileira de Desenvolvimento de Atividades Nucleares), Celso Cunha, em meio ao cenário de crise hídrica, a implementação de uma nova térmica nuclear no Sudeste poderia ajudar na recuperação dos reservatórios ao longo dos próximos anos.

Com duas usinas (Angra 1 e 2, em Angra dos Reis-RJ), a matriz responde hoje por menos de 3% de toda a energia gerada no país. O governo diz que está estudando onde será construída a nova usina nuclear. "Já pensando mais para frente, estamos trabalhando no PDE 2031, a ser apresentado no início do próximo ano, que além da conclusão de Angra 3, em 2026/2027, estará prevista a implantação de uma nova usina nuclear no Brasil. Para isso, o Ministério de Minas e Energia, a EPE e a Cepel, já deram início aos estudos complementares para localização de novos sítios nucleares no Brasil", disse.

A construção de usinas nucleares sempre esteve nos planos de Albuquerque, que é um entusiasta do setor. Mas, até agora, não havia uma sinalização clara de construção de uma nova usina no médio prazo. Também não é previsão de leilão para construção de uma usina nuclear. Atualmente, só o governo federal pode construir usina nuclear porque a Constituição diz que isso é competência exclusiva da União. As duas usinas nucleares são operadas pela Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras. O governo pretande enviar proposta ao Congresso visando derrubar esse monopólio da União.

Alepe

Oposição e Governo em Pernambuco discutiram ferrenhamente o tema em 2021. Segundo o Coronel Alberto Feitosa (PSC), crítico do Governo Paulo Câmara e defensor da instalação da usina, o Estado tem o melhor sítio com condições geológicas adequadas para construção de usinas nucleares, localizado em Itacuruba, sertão do estado. “A energia nuclear evita o uso de combustíveis fósseis, a iniciativa gera ainda uma nova fonte de geração e traria milhares de novos empregos pro nosso estado, é preciso abrir a mente e quebrar antigos tabus”, disse o deputado no ano passado, quando garantiu que em 2022 vai trazer o tema de volta ao plenário da Alepe.

Já o deputado estadual Isaltino Nascimento (PSB), líder do Governo, já se colocou contra a instalação. "Se houver a instalação da usina, o lixo nuclear terá que ser acondicionado por 300 anos. Três séculos. O Brasil oficialmente tem cinco séculos", protestou ele, acrescentando que a execução do projeto sem consulta aos povos locais constitui violação de tratado de direitos humanos do qual o Brasil é signatário. Segundo Isaltino, o governo poderia investir na construção de outras usinas, antes de pensar na nuclear.

Brasil

No Brasil, Angra 1, no Rio de Janeiro, foi a primeira usina nuclear a entrar em operação no País, em 1985,e usa um reator de água pressurizada (PWR), o mais utilizado no mundo, segundo a Eletronuclear. Angra 2 começou a funcionar em 2001. Ao todo, a energia gerada pelas duas usinas abastece uma região com cerca de 3 milhões de pessoas.

Entre as vantagens da energia nuclear estão o custo mais barato se comparado com as termoelétricas e ausência de riscos relacionados com os problemas climáticos, como ocorre com as hidroelétricas. “As usinas nucleares geram energia o tempo todo ao longo do ano e não dependem de fatores naturais. A crise hídrica mostrou em 2001 a importância da energia nuclear quando entrou em operação Angra 2, coincidentemente no final de 2000, início de 2001. Agora, nesse momento, uma entrada de Angra 3 seria muito positiva para a gestão da crise”, disse o presidente da Eletronuclear, Leonam Guimarães no final de 2021.

Cerca de 70% das obras civis de Angra 3 foram concluídas e 75% dos equipamentos da usina, comprados. De acordo com a previsão da Eletronuclear, Angra 3 entrará em operação em 2026. Ela deve gerar energia suficiente para abastecer 4,5 milhões de brasileiros, o que representa 60% dos habitantes do Rio de Janeiro.

Angra 1, primeira usina nuclear brasileira, entrou em operação em 1985 e Angra 2 começou a funcionar em 2001. Ao todo, a energia gerada pelas duas usinas abastece uma região com cerca de 3 milhões de pessoas, o equivalente às populações de Belo Horizonte e de Vitória juntas.

As vantagens da energia nuclear são: o custo mais barato se comparado com as termoelétricas e ausência de riscos relacionados com os problemas climáticos, como ocorre com as hidroelétricas. “As usinas nucleares geram energia o tempo todo ao longo do ano e não dependem de fatores naturais. A crise hídrica mostrou em 2001 a importância da energia nuclear quando entrou em operação Angra 2, coincidentemente no final de 2000, início de 2001. Agora, nesse momento, uma entrada de Angra 3 seria muito positiva para a gestão da crise”, disse o presidente da Eletronuclear, Leonam Guimarães.

Cerca de 70% das obras civis de Angra 3 foram concluídas e 75% dos equipamentos da usina, comprados. Eles estão armazenados em 37 galpões. São cerca de 10 mil itens que passam permanentemente por um processo de manutenção. A expectativa é de que a retomada da construção da usina ocorra ainda este ano. De acordo com a previsão da Eletronuclear, Angra 3 entrará em operação em 2026. Ela vai gerar energia suficiente para abastecer 4,5 milhões de brasileiros, o que representa 60% dos habitantes do Rio de Janeiro.

Senado

No ano passado, o plano de instalação de uma usina nuclear em Itacuruba foi alvo de críticas em debate promovido pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado. O projeto da Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras, voltou a ser defendido pelo governo federal, em meio à busca de alternativas para a crise energética.

No entanto, os debatedores salientaram a possibilidade de acidentes, os prejuízos às comunidades indígenas e quilombolas da região, e os riscos ambientais envolvidos no plano. O presidente da CDH e autor do requerimento de audiência, senador Humberto Costa (PT-PE), abriu a sessão salientando as dificuldades enfrentadas pela população de Itacuruba que, à época da construção da barragem da usina hidrelétrica de Itaparica, foi reassentada em região de terras menos férteis. "Este fato impactou no modo de vida e na saúde dos itacurubenses. A cidade, hoje, tem uma das maiores taxas de suicídio do Brasil — afirmou.

Professora de antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe), Vânia Fialho ressaltou que a taxa de suicídio em Itacuruba é quase seis vezes maior que a média nacional. Ela considera que a instalação da usina nuclear em Itacuruba constitui violação de direitos humanos por si mesma, afetando especialmente os povos tradicionais da região: 11 povos indígenas e 9 comunidades quilombolas.

"A população vive com medo de mais este empreendimento de riscos e consequências incomensuráveis e não dimensionados pela própria ciência — disse, criticando a falta de transparência do projeto nuclear e a ausência de informação à população afetada, contra a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

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