O Novo Mercado, setor da Bolsa em que as companhias voluntariamente adotam as mais rígidas regras de governança e práticas de administração e transparência, tem sido testado mais uma vez com a crise da Lojas Americanas, que divulgou, em janeiro, um rombo bilionário em seus balanços. Para especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, o "selo de qualidade" da Bolsa precisa de mudanças para reforçar o papel da governança, o envolvimento do conselho de administração, além de punições mais duras, proporcionais às fraudes.
Os problemas de governança não prejudicam apenas os investidores, de acordo com Marcello Marin, mestre em governança corporativa e diretor financeiro da Spot Finanças, mas todas as companhias de capital aberto, pois afastam o investidor e retardam o desenvolvimento do mercado financeiro nacional. "O protagonismo da governança na estratégia seria evitar qualquer tipo de caso de corrupção", diz Marin. Segundo ele, algumas empresas, mesmo no Novo Mercado, tentam separar a governança dos demais pilares da pauta ESG (que também contempla melhores práticas ambientais e sociais), o que acaba gerando um "desalinhamento".
Inspirada no "Neuer Markt" alemão, a criação do Novo Mercado foi sugerida por estudo de uma equipe de consultores liderada por José Roberto Mendonça de Barros, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo Fernando Henrique Cardoso entre 1995 e 1998 e colunista do Estadão/Broadcast.
Para fazer parte do clube de empresas que deveriam ter o mais alto patamar de governança do País é necessário cumprir regras como as de criar uma área de auditoria interna, ter conselho de administração com ao menos dois ou 20% dos conselheiros independentes e divulgar as políticas de remuneração e de gerenciamento de riscos, entre outras. Especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast afirmam, porém, que não são raros casos em que as companhias, por exemplo, criam um comitê de auditoria para obedecer à regra, mas, na prática, ele não funciona.
"Muitas vezes, a governança é para cumprir tabela, infelizmente. Mas não acho que mais regulação necessariamente leva a uma governança melhor. Tem de ter controle, claro, mas a governança precisa estar incorporada na empresa, começando pelo conselho", diz Leila Abraham Loria, conselheira independente da Copel desde 2017, da JBS desde 2022 e presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) em 2021.
Além da Americanas, outras empresas listadas no Novo Mercado reconheceram problemas nos balanços, ainda que em proporções bem menores, como Via, IRB Brasil e CVC. Também já houve casos de pagamento de propina (Embraer e JBS) e acusações de que investidores foram enganados em relação a procedimentos de segurança (Vale).