Todos os anos, entre julho e outubro, oito municípios de Pernambuco recebem a visita indesejada da mosca-dos-estábulos. Com uma população cada vez maior, elas vêm atraídas pelo cheiro da cama de frango, subproduto da avicultura que serve como adubo natural na produção de cará, inhame e banana na região.
Em condições ideiais para se reproduzir, a mosca traz sérios prejuízos à pecuária. O inseto suga o sangue dos animais, reduzindo a produtividade do rebanho, diminuindo a fertilidade das fêmeas, aumentando a incidência de abortos e, até, provocando a morte dos bezerros. Muitos produtores estão levando parte do rebanho para outros municípios, na tentativa de salvar os animais, mas arcando com um alto custo de transporte.
Pelos cálculos da União Nordestina da Agropecuária (UNA), a mosca atinge 90 mil animais nos municípios de Barra de Guabiraba, Cortês, Camocim de São Félix, Bonito, Sairé, Amaraji, Gravatá e Chã Grande. O problema é recorrente na região e já foram editadas leis para tentar solucionar a questão. Em 2022, a Lei 18.064 proibiu o uso da cama de frango pelos produtores de cará.
Em sua defesa, os agricultores alegaram que a suspensão do uso da cama de galinha poderia provocar uma quebradeira na atividade, em função da falta de outro adubo para substituir a cama de frango, que oferte a mesma disponibilidade e o mesmo preço. Diante do argumento, a legislação foi modificada, desde que algumas medidas fossem tomadas.
O produtores de cará se comprometem a enterrar o material orgânico a uma profundidade de, no mínimo, 20 centímetros, além de utilizar o manejo integrado de pragas para o controle do inseto. Os princípios de manejo devem priorizar o uso de armadilhas e cobrir o material orgânico com lonas até que ele seja utilizado nas áreas, além de transportar o material devidamente ensacado e com documentos sanitários.
"A legislação já foi flexibilizada, mas falta fiscalização do governo do Estado para verificar se o agricultor está cumprindo a determinação de enerrar a cama de frango, porque se não estiver, o uso do adubo orgânico fica proibido", afirma o diretor ambiental da UNA, João Tavares.
O pecuarista também diz que está marcada uma reunião com representantes da Secretaria de Agricultura no próximo dia 4. "A reunião foi remarcada várias vezes, mas esperamos que aconteça nesta próxima data fixada. Vamos reivindicar que a fiscalização seja intensificada e que todos os envolvidos na cadeia com interferência na propagação da mosca-dos-estábulos se responsabilize", afirma o diretor.
DEIXAR OS MUNICÍPIOS
A explosão populacional da mosca-dos-estábulos em oito municípios de Pernambuco traz prejuízos incalculáveis para pecuária. A picada da mosca provoca dor e ela passa pelo menos quatro minutos, consecutivos, sugando o sangue do animal. Cobertos por insetos, bois e vacas ficam estressados e se amontoam para fazer uma espécie de proteção coletiva. Os bichos não conseguem comer e acabam perdendo peso. As fêmeas ficam com a fertilidade reduzida e mais suscetíveis a abortos.
"A situação é grave. Para se ter uma ideia, uma infestação é considerada alta quando tem 10 moscas em cada pata. Aqui chega a ter 500 moscas por animal. Elas aparecem com a luz do sol e ficam picando até o por do sol", observa Tavares.
O diretor ambiental da UNA conta que decidiu transferir parte dos seus animais de Barra de Guabiraba para outro lugar, na tentativa de fugir da mosca-dos-estábulos. "Vou gastar cerca de R$ 15 mil para levar 10 caminhões para Carpina, agora no mês de outubro. É uma distância de 150 km. Apesar do estresse do transporte para os animais, é melhor do que o estresse da mosca. Você vê seu animal sair bonito do inverno e entrar no verão perdendo peso, passando de 15 para 10 arrobas. Você gasta para inseminar uma vaca e depois vê ela abortar por conta das picadas do inseto", lamenta Tavares.
O QUE DIZ O GOVERNO
O governo de Pernambuco entende o tamanho do problema e reconhece que não tem condição de resolvê-lo sozinho. "Nenhum governo vai conseguir. É fato. É preciso ter uma gestão compatilhada entre as atividades envolvidas. No início de setembro nós apresentamos um Plano de Ação, apontando as responsabilidades de cada setor para garantir um manejo correto e sistemático", afirma Jurandir Barbosa, diretor de Defesa e Inspeção Animal da Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária de Pernambuco (Adagro).
O diretor observa que a área de incidência da mosca nos oito municípios atingidos é de 151 mil hectares, um espaço muito grande para fazer uma fiscalização, sobretudo quando a Adagro tem apenas quatro equipes de campo.
O Plano de Ação proposto pela Adagro é basicamente cobrar o que a lei já exige, além de promover ações integradas entre as demais atividades envolvidas na cadeia da mosca-dos-estábulos. A avicultura, por exemplo, precisa transportar a cama de frango ensacada e com SIS-E que permite o rastreamento da carga.
Os produtores de cará, inhame, banana e outras culturas que utilizam a cama de frango precisam enterrar o adubo orgânico a uma profundidade de, no mínimo, 20 centímetros, além de utilizar o manejo integrado de pragas para o controle do inseto.
No caso dos pecuaristas, principais prejudicados pelo surto da mosca, a orientação é fazer o manejo correto, com controle químico da mosca, limpeza das propriedades e uso de armadilhas. O governo do governo do Estado coordena as ações, junto com as prefeituras dos municípios envolvidos.
Apesar da intenção do Plano de Ação, mais uma vez a capacidade de fiscalização é uma lacuna. Além do grande número de produtores de cará, durante o período de plantio e colheita da raiz, um grande número de arrendatários alugam terras por um período de quatro a cinco meses para plantar e depois vão embora. E esse perfil de produtor não costuma ter compromisso com a realidade local e cumprir as regras.
O diretor da Adagro também adianta que uma parceria com a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) vai permitir a identificação da mosca. A ideia é capturar os insetos, identificar e avaliar o comportamento.
Enquanto isso, a mosca segue num processo frenético de explosão populacional. De acordo com a Adagro, em um curto ciclo de vida de 30 dias, ela consegue colocar entre 560 e 800 ovos. Além disso, não precisa ter mais de uma cópula para eclodir essa quantidade de ovos. A partir de apenas uma cópula ela pode colocar os ovos várias vezes.
A mosca não vai alterar o seu ciclo produtivo e de vida. A solução precisa vir de uma ação consciente de avicultores, agricultores e pecuaristas para evitar que um desequilíbrio ambiental se reverta em mais prejuízos.