O Pix não será taxado: advogado esclarece mal-entendidos sobre novas normas da Receita Federal
A Receita Federal ampliou o monitoramento das transações via Pix, exigindo que instituições financeiras reportem transferências acima de R$ 5 mil
A ampliação do serviço de monitoramento de transações financeiras via Pix pela Receita Federal, em vigor desde o início do ano, tem gerado dúvidas na população, muitas delas provocadas por informações falsas, como a de que a medida visa taxar o Pix, o que não é verdade.
As novas regras foram publicadas na Instrução Normativa 2219/2024 e determinam que instituições de pagamento, como bancos digitais, e operadoras de cartões de crédito passem a reportar informações sobre transferências acima de R$ 5 mil para pessoas físicas, e acima de R$ 15 mil, no caso de pessoas jurídicas.
Isso significa que a Receita Federal vai receber mais informações financeiras sobre transações via Pix e não que será aplicada uma taxa sobre essas movimentações.
Em entrevista à Rádio Jornal, Marcel Mascarenhas, que é advogado especialista em direito público e ex-procurador geral adjunto do Banco Central, esclareceu que a medida é uma evolução natural dos mecanismos de fiscalização da Receita.
Ele conta que o acompanhamento de transações financeiras pela Receita Federal está previsto na Lei de Sigilo Bancário (Lei Complementar 105, de 2001), regulamentada por decreto em 2002, ainda no governo Fernando Henrique.
“Esse movimento já vinha acontecendo há muito tempo com uma série de transações financeiras, com os bancos, de modo geral, já remetendo, historicamente, esses dados para a Receita Federal”, esclarece.
Segundo o advogado, esse monitoramento serve para que a Receita Federal tenha uma noção do montante em circulação na economia e também possa identificar possíveis fraudes na declaração do Imposto de Renda de pessoas e empresas.
Por que só agora o Pix passa a ser monitorado?
Na verdade, instituições tradicionais, como bancos e financeiras, já reportavam esses dados à Receita Federal. O que ocorre agora, conforme explica Mascarenhas, é uma atualização normativa para incluir instituições que ainda não remetiam obrigatoriamente esses dados.
Passam a ser obrigadas a reportar essas informações as chamadas fintechs de pagamento, as instituições de pagamento, as plataformas de transações financeiras e, também, os programas de crédito de grandes varejistas.
O advogado considera que a atualização é um passo necessário: “A gente tem, de fato, que tolerar essa bisbilhotagem, que não é uma bisbilhotagem do ponto de vista de transação por transação, mas é uma verificação dos montantes em circulação para efeito de cruzamento com outros bancos de dados da Receita para identificar fraudes e evasões fiscais”.
Como a mudança afeta o Imposto de Renda?
As novas medidas visam identificar eventualmente receitas tributáveis, que são aquelas decorrentes de relações de trabalho que muitas vezes acabam não sendo declaradas, para que a Receita busque esclarecimentos com o contribuinte.
Mas isso não significa necessariamente que a pessoa vai ser tributada, segundo Mascarenhas. Ele explica que, ao ser notificada, a pessoa pode ter outras justificativas para as movimentações e esclarecer perante a Receita sobre qual é a origem daquele recurso.
Além disso, ele considera que o contribuinte pode nem ser notificado, porque a receita deve criar mecanismos para filtrar o que vai ser notificado.
“Provavelmente eles vão fazer um filtro de relevância, de recorrência, de montante envolvido, vão checar com outras bases de dados, se a pessoa está nos cadastros sociais do governo, enfim, vão fazer uma fórmula, digamos assim, uma fórmula matemática para selecionar algumas transações”, explica.
Mas ele atesta que, a partir dos dados que passam a ser reportados, a Receita vai ter mais condições de identificar pessoas em situação irregular. Nesse caso, a tributação vai ocorrer não por ter realizado Pix em volume superior a R$ 5 mil no mês, mas, por exemplo, por ter uma renda ou uma atividade profissional que ele não está declarando.
“Aqueles que já cumprem suas obrigações fiscais de modo correto, adequado, esses não terão nenhum tipo de preocupação”, tranquiliza Mascarenhas.
O Governo vai saber todas as informações sobre as transações via Pix?
De acordo com o advogado, a Receita não terá acesso às transações individuais, mas apenas às informações financeiras. Ou seja, não vai saber para quem o dinheiro foi transferido, onde foi pago, nem de quem foi recebido.
“Isso está expresso na Lei Complementar 105, a Receita vai receber apenas montantes globais, ou seja, o saldo consolidado ao longo do mês”, explica.
Apesar disso, ele diz que o Estado brasileiro possui muitos sistemas para obter dados pessoais dos cidadãos, como a própria Receita Federal ou o Ministério da Saúde, mas que não existe autorização legal para que esse acesso seja utilizado de maneira que comprometa a privacidade ou a individualidade das pessoas sem justificativa legal.
Para que isso fosse possível, seria necessária uma alteração legislativa ou a autorização do próprio usuário de que ele quer entregar essas informações para algum uso específico, segundo Mascarenhas.
Ele chama atenção, por outro lado, ao fato de que os riscos de se ter informações pessoais usadas de forma indevida são muito maiores com os compartilhamentos espontâneos feitos em redes sociais e com alguns tipos de instituição do nosso convívio.
“Quem está fazendo essa avaliação de perfilização, de perfil, não tem sido propriamente o governo, acho que tem sido aqueles que têm acesso, por nossa própria vontade, aos dados que a gente está compartilhando. E isso é um ponto de atenção para toda a população”, alerta.