O Campeonato Brasileiro segue com a mesma “cultura” negativa com relação às demissões de treinadores. Desde o início da competição, a Série A já teve seis técnicos demitidos em sete rodadas. Nem mesmo os quatro meses de paralisação do futebol, por conta do novo coronavírus, e do tempo necessário para a readaptação dos jogadores sensibilizou os dirigentes a repensar tais atitudes. O que agrava ainda mais essa situação é a mudança dos discursos das diretorias em expressar apoio aos seus profissionais e apostarem em um projeto a longo prazo. Mas, na prática, o que vemos é a continuação do que já vinha acontecendo no passado.
Pressão da torcida, conselheiros, patrocinadores e outros de outras fontes de pessoas ligadas ao clube acabam interferindo diretamente na confiança/convicção no trabalho do treinador do clube e a diretoria acaba sucumbindo à cobrança exercida excessivamente perante a sequência de maus resultados.
Em entrevista para Ralph de Carvalho, da Rádio Jornal, o presidente do Santa Cruz, Constantino Júnior, detalha a linha de raciocínio de um gestor de futebol diante da pressão para que a decisão seja tomada da forma mais correta.
“Como gestor de futebol a gente sabe do nível de cobrança exercido pela torcida, imprensa, associados e pessoas que fazem o clube. A gente sabe que é preciso trabalhar com convicção. Muitas vezes o gestor para se exime da responsabilidade e transfere para o treinador. Dificilmente ele vai mudar um elenco inteiro, não vai demitir os 15 jogadores e por isso fica mais fácil mudar o comando técnico. Acho que existe um exagero, uma falta de convicção muito grande. Porque as oscilações existem, mas é importante quando se tem uma convicção no trabalho, com o tempo se ajusta, e essa cobrança excessiva acaba sendo danosa. Muitas vezes o resultado vem para quem conseguiu manter (o treinador) por mais tempo. Eu sou muito claro e isso não quer dizer que eu jamais vou deixar de mudar, mas existe um excesso no nível de mudança, na transferência de responsabilidade. Então, execrando a cabeça do treinador muitas vezes para eximir a culpa do gestor,” disse o presidente do Santa Cruz.
O resultado (placar) acaba sendo o único critério para a avaliação final. O resultado é fundamental? Sim! Porém, um treinador de uma equipe profissional de futebol não se resume apenas a treinar um time, escolher os 11 titulares e pronto. Não. O treinador de futebol acumula outras funções dentro do clube como: gestão de pessoas, análise de desempenho (físico e técnico) da sua própria equipe e dos adversários, acompanhamento do desenvolvimento médico (físico e psicológico), alimentação, trata diretamente com a transição de jovens jogadores da base para o elenco profissional, além de muitas outras funções.
O trabalho de um treinador acaba sendo uma junção de várias peças para montar um quebra-cabeça em nível extremamente difícil. O resultado final (placar e títulos) deveria ser a soma de todas essas funções “encaixadas”. Porém, no futebol, apenas um é vencedor. Apenas um conquista o título. Então, todos os outros que não venceram estão trabalhando errado? Mesmo aquele que ficou em segundo em um campeonato com 20 clubes? Ou aquele clube que foi bem por três temporadas, oscilou em uma e ficou abaixo da expectativa por uma temporada, está tudo errado?
Também em entrevista para Ralph de Carvalho, um dos técnicos demitido da Série A, Daniel Paulista, avaliou o cenário pelo lado dos treinadores e seguiu a mesma linha de raciocínio traçada por Constantino Júnior.
“Eu acho que é uma coisa que o Brasil tem que mudar urgente. A troca do treinador, colocando toda a responsabilidade do que está acontecendo em cima dele é uma situação que não é a verdade dos fatos que acontecem no dia a dia do clube de futebol. Hoje vejo que os grandes problemas das administrações de clubes é que fatores externos impactam muito nas decisões internas do clube. Pressão de torcida e pressão de rede social infelizmente as pessoas que estão na decisão, ou que tem voz ativa no clube, são influenciadas nesta situação e acaba acontecendo o que vem acontecendo (demissões)”, disse Daniel.
“Às vezes treinadores ganha no domingo, mas com a sequência de três de jogos que os resultados não vem, já estão muito ameaçados, muito pressionados e compromete o trabalho dele e o clube. Porque a troca de treinadores nada mais é que justificar para imprensa e para a torcida que você (diretoria) quer fazer alguma coisa. Então está sendo analisado muito mais os resultados, que são importantes, mas o trabalho tem que ser levado em conta tudo que está sendo feito. A avaliação diária de pessoas competentes e profissionais e saber avaliar muito bem o que tá sendo feito no clube”, completou.
Até o fechamento desta matéria, seis treinadores foram demitidos em sete rodadas da Série A. São eles: Ney Franco (Goiás), Eduardo Barroca (Coritiba), Dorival Júnior (Athletico-PR), Daniel Paulista (Sport), Felipe Conceição (RB Bragantino) e Róger Machado (Bahia).