SAF

SAF é o melhor caminho para os clubes brasileiros? Especialista em direito esportivo explica o novo modelo de negócio

A reportagem do JC entrevistou o advogado José Francisco Cimino Manssur, um dos formuladores da Sociedade Anônima do Futebol

Filipe Farias
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Filipe Farias
Publicado em 26/02/2022 às 14:33
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PIONEIROS Mineiro Cruzeiro e cariocas Botafogo e Vasco foram os primeiros clubes no Brasil a aderirem à SAF - FOTO: REPRODUÇÃO
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Para buscar tirar todas as dúvidas jurídicas relativas à Sociedade Anônima do Futebol (SAF), a reportagem do JC conversou com o advogado José Francisco Cimino Manssur, especialista em Direito Desportivo e um dos formuladores da SAF, além de coautor dos livros “Futebol, Mercado e Estado” e “Sociedade Anônima do Futebol”.

O que é a SAF?

A sigla significa Sociedade Anônima do Futebol. É um tipo societário criada pela Lei 14.193/ 2021 que reflete o interesse do legislador em criar mecanismo que estimule as equipes que quiserem, pois ela não é obrigatória, a adotarem esse tipo societário das sociedades anônimas com características específicas do futebol, mas remetendo em tudo mais que não tiver específico na SAF à lei das sociedades anônimas brasileira.

Por que vários clubes brasileiros estão aderindo a esse modelo de gestão?

A intenção do legislador foi estimular os clubes a adotarem o modelo da SAF para criar novas possibilidades de obtenção de dinheiro e receita para os clubes. As associações não têm capital dividido em ações e não podem alienar e fazer com que investidores comprem ações dos clubes. A SAF pode, pois a ideia original é receber investimentos. A lei da SAF também criou mecanismos para o clube quitar suas dívidas e regimes centralizados de execução, com o clube tendo um prazo maior e instrumentos para realizar pagamentos das dívidas e recebendo parte da receita da SAF. Esse modelo é muito atraente porque com o valor que recebe do investidor, o clube vai encontrar perspectivas de sanear suas dívidas em um determinado tempo e não permitindo que a gestão fique inviabilizada.

É mais fácil atrair investidores no modelo SAF?

Sim, porque no modelo associação o investidor nunca vai poder formalizar o valor que ele aporta no clube na forma da compra de ações. Tem de formalizar contratos, parcerias, como acontecia nos anos 90 e 2000. Trazia uma enorme insegurança jurídica para o investidor, porque bastava o clube não querer mais manter parceria por qualquer razão, rompia o contrato e mandava o investidor procurar seus direitos na Justiça. Em ações judiciais que levam anos para resolver. Mas quando ele se torna acionista de uma companhia, a Lei das sociedades anônimas têm mecanismos para defender os seus interesses de uma forma mais concreta.

Assim como numa empresa, o clube pode falir no modelo SAF? O que aconteceria nesse caso (de falência)?

Toda empresa pode falir e a SAF não é diferente. Os casos de clubes que faliram na Itália, por exemplo, não significa que a falência decretou o fim do clube. Significa a troca da gestão. E, no caso por sanções esportivas do futebol italiano, o retorno para a última divisão. Clubes como Fiorentina e Parma já tiveram esse regime de falência decretado, se reestruturaram e voltaram a ocupar a Série A do italiano, com suas dívidas saneadas. O juiz pode até decretar a falência do clube, mas não vai matar o ativo principal que é a marca e a relação com os torcedores, porque aí que os credores não vão receber nunca o que têm a receber.

Quando o clube se transforma em SAF, qual o prazo para pagar o passivo?

O clube que constitui a SAF pode aderir ao regime centralizado de execução. O clube, e não a SAF, mantém a obrigação de pagar a dívida, pois a SAF nasce sem dívida. É claro que a SAF tem algumas obrigações relacionadas a isso. Quando o investidor compra ações do clube, tem no plano de pagamento das dívidas que um percentual desse valor seja usado para pagar parte do dividendo. E também a lei prevê que a sociedade anônima destine 20% da receita e 50% dos dividendos para que as dívidas sejam equalizadas.

O investidor compra ações do clube e fica como acionista por quanto tempo?

Ele fica como acionista por prazo indeterminado conforme a lei. Ela não estabelece um prazo porque é uma compra e não aluguel de ações. Só se desfaz se vender para alguém. O contrato pode estabelecer um prazo de recompra, venda, mas a característica prevista na lei é que seja por prazo indeterminado.

O clube pode deixar de ser SAF e voltar a ser uma associação?

A partir do momento que constitui a SAF e tiver controlando ou sendo 100% dono das ações, só vai deixar de ser se vender o pacote de ações para o investidor. Quando o clube constitui a SAF, se estipular no Estatuto social mecanismos para voltar a associação, isso é possível. Entretanto, isso não está previsto expressamente na lei. A ideia da SAF é que seja um passo definitivo. Que separe o futebol profissional das outras áreas do clube e que o clube mantenha o número de ações que entender que deve manter. Cada clube tem a sua forma de negociar com o investidor.

Qual a diferença entre SAF x Clube Empresa?

Antes da entrada em vigor da SAF, os clubes sempre puderam se transformar em clubes empresas. Nunca esteve impedido pela nossa legislação. Casos do RB Bragantino, do Botafogo-SP. Mas eles não são SAF. A grande diferença entre clube empresa e SAF é o tratamento tributário, que tem um tratamento especial previsto em lei, onde diversas alíquotas e diversos impostos são reunidos numa alíquota única de 5%. Já se for clube empresa, sem ser SAF, pode chegar a pagar 34% de imposto de renda sobre a sua receita, por exemplo. Além do tratamento tributário diferenciado, na SAF também pode usar mecanismos da lei, já no clube empresa não há lei específica regulamentada no Brasil.

Entenda o que é a SAF, modelo de gestão em alta no futebol brasileiro e que Náutico, Santa Cruz e Sport podem aderir

Cruzeiro, Botafogo e Vasco foram os primeiros clubes no Brasil a aderirem à Sociedade Anônima de Futebol

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Nos últimos meses, um tema tem sido bastante recorrente nos noticiários esportivos, nos debates de mesas redondas de futebol e, até mesmo, entre os torcedores: a SAF. Mas o que significa essa sigla e por que essas três letras vêm agitando tanto os bastidores dos clubes brasileiros? Após as vendas de Cruzeiro, Botafogo e Vasco para investidores - empresários compraram ações dos clubes e se tornaram acionistas majoritários -, os questionamentos a cerca dessa modalidade de gestão são inúmeros. Afinal, mexe com algo que o mercado financeiro não pode pagar, que é a paixão do torcedor pelo seu clube de coração. Por isso, a reportagem do JC vai apresentar de forma clara do que se trata a SAF, seus objetivos, benefícios, possibilidades de negócios e até mesmo os riscos de aderir a esse modelo que chega com a promessa de mudar o cenário do futebol nacional. Além de elucidar o posicionamento de Náutico, Santa Cruz e Sport visando essa nova realidade.

Pois bem, a Sociedade Anônima de Futebol (SAF) é uma lei que foi sancionada em agosto de 2021, a Lei 14.193/2021, que, em resumo, permite que os clubes de futebol possam se transformar em empresas. Ou seja, adotar um tipo societário de sociedades anônimas (regida por leis específicas) e não mais as associações sem fins lucrativos.

Com os clubes brasileiros atravessando uma enorme crise financeira e com dívidas impagáveis (em sua maioria débitos com a Justiça do Trabalho e Impostos) que inviabilizam a administração da instituição, a SAF surge como ideia original de ser um mecanismo facilitador que possibilita a obtenção de receitas para as agremiações, já que a lei da Sociedade Anônima de Futebol permite que o clube divida o seu capital em ações, permitindo permitindo a negociação dessas ações para investidores interessados.

“O Cruzeiro, por exemplo, possui uma dívida de R$ 1 bilhão, mas isso é ‘fichinha’ no mercado financeiro. É possível trabalhar a marca do clube, atrair patrocinadores e jogadores, o que pode aumentar ainda mais o caixa dos clubes. O mercado de ações pode se tornar outra fonte de receita. São muitas as opções de lucro de um clube gerido no modelo SAF. Mas é importante ter ciência que virar um clube com a mentalidade de empresa não garante o sucesso comercial de um time, mas é um fator decisivo para que os clubes deixem para trás o histórico de dívidas", esclareceu Ricardo Souza, especialista em gestão empresarial e recuperação de empresas e CEO da BeYou Education.

No futebol pernambucano, os dirigentes de Náutico, Santa Cruz e Sport já iniciaram os estudos para entenderem melhor os mecanismos da SAF e, principalmente, tomarem ciência da real situação financeira dos clubes - passivos, ativos, especulação imobiliária dos bens , valor de marca da instituição, entre outras coisas. Todo o levantamento é importante para poder encontrar o investidor ideal e negociar da melhor maneira e de acordo com a realidade de cada um.

Primeiro a apresentar o interesse em se transformar em SAF, no Trio de Ferro, o Santa Cruz caminha a passos largos para virar uma sociedade anônima e se abrir para o mercado financeiro. "Lançamos o edital de convocação para a Assembleia Geral de Sócios, no próximo dia 27 de março, para deliberar ou não o modelo SAF. O Santa Cruz tem uma marca valiosa, com torcida enorme, presença regional muito forte, então, isso atrai investidores. Já estamos conversando com alguns e podemos ter bons avanços nos próximos meses", contou Lucas Valença, diretor jurídico do Santa Cruz.

O dirigente tricolor também ressaltou a importância da sociedade anônima para quitar o passivo do clube, que hoje ultrapassa os R$ 220 milhões. "De imediato a SAF permite ao clube utilizar mecanismos para a recuperação econômica, não convivendo com questões de penhoras, leilões, bloqueios judiciais, permitindo você estruturar e montar um plano de recuperação para equalizar a dívida, sem inviabilizar as atividades do clube", explicou Lucas Valença.

LEGISLAÇÃO

Isso é possível porque a Lei 14.193/2021 permite que a agremiação adote o modelo de SAF com regime centralizado de execução. O que isso quer dizer: o clube mantém a obrigação de pagar o passivo, já que a Sociedade Anônima do Futebol nasce sem dívida. Ou seja, a SAF segue trabalhando no mercado recebendo os investimentos e movimentando o fluxo de caixa, enquanto que a instituição mantém a responsabilidade de pagar a dívida. Mas, para isso ser possível, a sociedade anônima é obrigada a destinar 20% da receita e 50% dos dividendos para que as dívidas sejam equalizadas.

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Cruzeiro, Botafogo e Vasco foram os primeiros clubes no Brasil a aderir à SAF - REPRODUÇÃO

O prazo para o clube pagar o seu passivo, segundo a lei da SAF, é de seis anos anos. Porém, ao final desse período, se comprovar que pagou 60% da dívida, esse prazo pode ser prorrogado por mais quatro anos, totalizando dez anos para equalizar as contas do clube.

No Timbu

A diretoria do Náutico também já deu o primeiro passo para uma mudança na forma de negócio. "O modelo se associação é arcaico. Por isso, o Náutico está se estruturando, primeiramente, do ponto de vista de empresa. E, pra isso, contratamos uma assessoria jurídica especializada em gestão de ativos e estruturação da SAF para levantar essas informações e de fazer esse estudo para levar ao mercado. Entendemos que precisamos acompanhar essa evolução financeira do mercado de futebol e, para isso, é preciso de uma estruturação jurídica para atrair e receber esses investimentos", colocou Luiz Felipe Figueiredo, vice-presidente do Náutico.

Segundo o dirigente alvirrubro, a gestão atual não imagina adotar uma SAF que envolva a venda dos ativos imobiliários: sede do clube, estádio dos Aflitos, Centro de Treinamento Wilson Campos e a garagem do remo. "O Náutico tem um patrimônio imobiliário espetacular. Não pensamos em vender, mas, de repente, arrendar e fazer parcerias com a iniciativa privada para receber recursos. Mas tudo isso é um processo embrionário. O que é importante é que com a SAF você tem condições de receber investimentos de forma organizada e precisamos nos adequar a um mercado que modificou completamente", relatou Luiz Felipe Figueiredo.

Na Ilha do Retiro

Apesar de ainda não ter contratado oficialmente uma empresa especializada para levantar as informações necessárias para transformar o clube em sociedade anônima, a direção do Sport vem trabalhando nos bastidores para viabilizar tal estudo. As conversas na Ilha do Retiro são constantes e a diretoria executiva e o Conselho Deliberativo estão alinhados visando o futuro do clube. "Para implementar uma SAF de sucesso é fundamental e inquestionável a governança, o compliance (agir com obediência e em conformidade com as leis) e a transparência. Entendemos que é uma mudança radical, implementar a SAF, principalmente se levarmos em consideração que é uma transição da administração de voluntariado, renunciando para que o investidor administre a maior paixão do torcedor que é o futebol. No Sport não vemos como viável aderir uma SAF que envolva todo o patrimônio. Tudo o que for de pedra e cal não será vendido, pois foi fruto de trabalho de geração e geração. Mas que a SAF assuma o departamento de futebol é mais viável. Tudo isso precisa ser estudado e levado para o conselho", adiantou Pedro Leonardo Lacerda, presidente do Conselho Deliberativo do Sport.

Mesmo ainda não avançando no aspecto de levantamento de informações a cerca dos números do clube, o presidente do conselho garante que já existe interessados na marca do Sport. "Quando iniciamos as conversas entre membros do executivo e do deliberativo, o presidente Yuri Romão me apresentou demonstrações de empresas do mercado internacional dispostas a conversar sobre investimentos no Sport. Não vou citar nomes, mas representantes de grandes empresas de fundo internacional. Entidades de altíssimo nível. Mas temos de ter cautela, criar esses instrumentos de governança, contratar uma empresa para dimensionar o valor da marca do Sport e do seu ativo patrimonial, para levar ao Conselho Deliberativo e decidir se vamos adiante com a SAF ou não", falou Pedro Leonardo Lacerda.

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