Para o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria Integrada, a agenda de contestação jurídica do processo eleitoral, e de que as regras do jogo estariam sendo violadas, "são manifestações práticas de percepção de crise de legitimidade, que certamente deixarão marcas negativas para o sistema político americano".
Cortez avalia que o problema continuará, mesmo com a confirmação de uma eventual vitória de Biden.
Começa a surgir pressão dentro do partido Democrata para aumentar o número de juízes na Suprema Corte, no caso da vitória. "Há uma leitura entre os democratas de que os republicanos não jogaram com as regras."
O debate apareceu com a morte da juíza Ruth Bader Ginsburg, indicada por Bill Clinton e uma das principais vozes progressistas do tribunal.
Donald Trump nomeou imediatamente a juíza Amy Coney Barrett, descumprindo uma tradição criada por eles mesmos, também às vésperas da eleição de 2016, quando o juiz conservador Antonin Scalia morreu. O partido de Trump, na ocasião, se recusou a considerar o nome indicado pelos democratas alegando que a decisão deveria ser tomada após a decisão das urnas.
Com o movimento de agora, a Suprema Corte, que já tinha um maior número de juízes conservadores, aumentou ainda mais: seis contra três liberais.
Todo esse cenário, aponta Cortez, demonstra um esgarçamento institucional, que não surge de rupturas, mas é "construído ao longo do tempo, num processo de desgaste".
Para os observadores, e o mercado de uma forma geral, todo o cenário é percebido como razão de risco institucional que, se não forem resolvidos, poderão trazer mais e mais episódios.
"Do ponto de vista político, o cenário traz a ideia de que a democracia se rompe mesmo em países avançados, com PIB elevado e estrutura sócio-econômica relativamente positiva", compara Cortez.
"Os EUA ainda são um caso de sucesso, apesar das desigualdades. É a ideia das democracias em risco, sem contar ainda nas implicações de uma política externa de visão polarizadora."
Mesmo com uma perspectiva de um pós-eleição turbulento, os analistas da XP Investimentos trabalham com a hipótese de que o presidente eleito tomará posse no dia marcado, 20 de janeiro.
No calendário das eleições americanas há algumas datas que o Congresso e o Judiciário têm que respeitar. A primeira delas é 23 de dezembro.
Até esse dia, todos os estados deverão ter entregado o resultado de suas urnas para que o Congresso confirme o vencedor.
No dia 6 de janeiro os membros do colégio eleitoral registram seus votos e duas semanas depois o eleito toma posse.
Há outras datas protocolares, como o dia 8 de dezembro, em que os Estados deverão já ter resolvido suas disputas internas e 14 de dezembro — considerada primeira data limite para que os entes federados registrem os seus resultados no Congresso. Essas duas últimas datas são protocolares, "não são constitucionais", informa Sol.
Diante de todo esse processo, a avaliação é de que não haja um risco institucional. A hipótese de Trump se recusar a deixar a cadeira da presidência é praticamente nula.
"A gente não acredita que isso seja um risco significativo porque as instituições nos Estados Unidos são muito sólidas, mas o fato de estarmos discutindo essa possibilidade já é algo que não é positivo, significa que existe um maior risco de mercado", diz.