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Itamaraty procura por brasileiro que está no Afeganistão e pediu socorro

Ao Estadão, embaixador brasileiro disse que o homem vivia temporariamente no país; paradeiro ainda é desconhecido

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Douglas Hacknen

Publicado em 19/08/2021 às 19:37 | Atualizado em 19/08/2021 às 19:40
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Com informações do Estadão

O Itamaraty está tentando descobrir o paradeiro de um brasileiro que pediu ajuda consular para sair do Afeganistão. A informação foi confirmada por Olyntho Vieira, embaixador do Brasil responsável pelo Paquistão, Afeganistão e Tajiquistão, ao Estadão, nesta quinta-feira (19).

Segundo o embaixador, o homem brasileiro, que ele preferiu não identificar por segurança, indicou que vivia temporariamente no país tomado pelo Talibã no último domingo (15), após 20 anos fora do poder.

"Temos um caso que ainda não está claro. Um brasileiro que entrou em contato com o plantão consular, por mensagem de texto no telefone da embaixada. Mas não temos muita informação ainda, estamos tentando saber mais. O outro caso foi resolvido pela Argentina. Uma brasileira casada com um argentino que trabalhava numa ONG, e com dois filhos brasileiros, mas eles já partiram, estão no Uzbequistão. Houve uma movimentação diplomática, mas não sei dizer como eles saíram do Afeganistão. Os argentinos cuidaram de tudo", disse.

Olyntho Vieira acredita que o homem está com dificuldades de comunicação.

"Houve uma troca de mensagens, pedimos mais informações, mas ele certamente está com dificuldade de comunicação. Conforme ele for dizendo mais coisas, vamos tentando saber mais e, se chegar a esse momento, pensamos em como vamos fazer para retirá-lo do país", finalizou o embaixador.

O Talibã e o Afeganistão

O professor João Correia, que participou do programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal, nesta quarta-feira (18), explicou dois pontos importantes a respeito do Talibã. O primeiro é a mudança de discurso, falando de direitos humanos. O outro é o financiamento do movimento. Veja, abaixo, vídeos e a transcrição da entrevista:

Dá pra acreditar nesse discurso vindo de um grupo que já promoveu tantas atrocidades?

Ontem, porta-voz do Talibã convocou a primeira coletiva de imprensa do grupo e trouxe algumas situações importantes. Eu já esperava que nesse primeiro o Talibã, que na verdade é uma milícia, com práticas medievais e que deturpa boa parte do islamismo. Mas eu já esperava uma postura pragmática, mais diplomática. É importante dizer que, na sua primeira fala, o porta voz do grupo pediu que o povo entendesse que nos últimos 20 anos o grupo amadureceu, evoluiu em várias questões e particularmente no âmbito das mulheres, e afirmaram querer a participação delas no dia a dia. E eles estão dando uma série de gestos. Um exemplo é que ontem a âncora do programa foi incentivada a apresentar, e ela estava com o rosto completamente a vista. O que percebo é que, nesse primeiro momento, o Talibã tenta passar uma tranquilidade. A gente percebe que desde 4 de maio o grupo vem avançando, à medida que as tropas americanas vão deixando o país, o que já era uma promessa relativamente antiga. É a guerra mais longa travada pelos Estados Unidos, com investimento maior do que o PIB do próprio Afeganistão nos últimos 20 anos.

Os vídeos que recebemos e vimos na TV e na internet nos últimos dias mostram as pessoas apavoradas. Pessoas que quando souberam que o Talibã chegou nas suas cidades, começaram a fugir. São pessoas que tem aquela lembrança tortuosa e nefasta dos anos 1996 a 2001, exatamente o período em que o Afeganistão foi governado pelo Talibã. O Talibã chega ao poder em 1996, governa até 2001. Chegou ao poder após derrubar um presidente de características comunista e foi uma grande ruptura naquele contexto. Meninas foram proibidas de estudar, mulheres proibidas de sair de casa sem seus maridos. Tudo isso, apesar de ter acontecido na década de 90, é uma lembrança muito próxima, muito recente. Jovens com 20, 15, 16 anos, que não vivenciaram o governo Talibã também tem medo porque ouviram dos pais, dos avós, que o Talibã é um grupo extremista, radical e que não tem nenhuma tolerante.

Acredito que o Talibã precise agora organizar o âmbito interno do governo do Afeganistão. Recebi relatos que em algumas cidades a população está se revoltando contra o grupo porque não quer que a bandeira do Afeganistão seja substituída. Já que um dos primeiros pontos do Talibã é mudar o nome do país de 'República' para 'Emirado', que é uma mudança simbólica, e também mudar a bandeira do Afeganistão pela bandeira do Talibã.

Acredito que o Talibã busca um reconhecimento internacional. Se eles conseguem o reconhecimento da China e da Rússia, que tem economia forte e potência militar, respectivamente. O grupo sabe que não vai sobreviver de maneira isolada. O Afeganistão é um país pobre, com 30 milhões de habitantes e um Índice de Desenvolvimento Humano abaixo de 5. O país vive uma seca severa, passa pela fome, pela falta de alimentos. É um verdadeiro barril de pólvora. E além disso a gente vivencia uma pandemia.

A gente acredita que nesse primeiro momento o discurso deles é pragmático, vão querer passar uma imagem mais positiva do grupo. Mas vamos pensar no médio e no longo prazo. O Talibã tem uma série de facções internas. Algumas mais moderadas e outras mais radicais. Na minha percepção, as mulheres não terão um vida fácil durante o regime Talibã e já há indícios de escolas queimadas. O Afeganistão é grande. Na capital, onde fica a imprensa, onde as coisas acontecem, eles podem criar um teatro. Mostrar mulheres nas escolas, nas Universidades, trabalhando. Mas a preocupação é com as áreas do interior, com as pequenas cidades, onde o Talibã é mais forte e foi forjado. Eu vejo isso com muita preocupação.

Um colega Unissef disse que estava otimista porque ouviu de algumas lideranças do Talibã que o tratamento com as mulheres vai ser muito diferente do que aconteceu entre 1996 e 2001. Mas ainda assim vejo tudo isso com muita preocupação.

O Talibã tem dinheiro em caixa?

O Talibã nos últimos 5 anos conseguiu quadruplicar sua capacidade de arrecadação. A gente sabe que o Afeganistão tem uma das maiores produções de ópio do mundo e a gente sabe também que o ópio movimenta toda uma indústria de drogas. O Talibã tinha como uma de suas principais fontes de arrecadação de dinheiro o 'dízimo', eles cobravam uma espécie de propina de toda produção de diversas cidades do Afeganistão. Na verdade eles controlavam essa produção do ópio desde a origem, na produção agrícola, até o fim. O grupo, segundo divulgação da Forbes em 2016, está no Top 5 dos grupos considerados mais articulados do ponto de vista financeiro. Eles interferem também em minas de cobre e outros minerais.

Um ponto interessante é que a China tem muitos projetos de Infraestrutura no Afeganistão e eu nunca soube de nenhuma obra da China sofrendo algum ataque terrorista, por outro lado, a Índia tem projetos de infraestrutura dentro do Afeganistão e vários projetos foram atacados nos últimos anos.

Dizem que os americanos treinarem 300 mil soldados afegãos e que armaram e que essas armas estão ficando para trás. É importante salientar que 300 mil soldados é um número superestimado, você não tem 300 mil soldados afegãos. Muitos sequer recebiam salários e tinham dinheiro para comer. Resultado: alguns deles inclusive pegavam as armas que recebiam e vendiam em mercado paralelo. Tanto que o próprio Talibã está preocupado em recolher as armas da população para ele ter o controle total militar.

O Afeganistão tem muitas facções. Além do Talibã, que tem facções internas, dentro do Afeganistão existem outros grupos guerrilheiros que vão disputar. Existe um risco do Afeganistão virar uma Líbia. A Líbia, depois da primavera árabe virou um caos.

O Talibã nesse momento tenta se organizar para tirar essa oposição interna e tentar seguir adiante. Agora vejam bem, eu tinha um correspondente, que é um soldado americano que trabalhava na embaixada. A embaixada americana foi transferido para o aeroporto por uma questão de segurança. Ele mandou uma foto pra mim e disse 'nessa foto tem 50 mil dólares em equipamento', depois ele me mostrou algumas antenas e disse que iria destruir essas antenas que custam, em média 300 mil dólares. Aí eu perguntei porque ele ia destruir e ele disse que ia destruir porque eles não poderiam deixar uma tecnologia como aquela nas mãos do Talibã.

Mas para ser sincero, o Talibã não vai precisar da tecnologia dos Estados Unidos. Se o Talibã conseguir conquistar a confiança do governo chinês, que também não é fácil. A gente sabe que a China tem um histórico de problema com os muçulmanos no Noroeste. Mas se o Talibã consegue convencer a China que vai gerar estabilidade e vai trabalhar em parceria com os chineses, a própria China pode fazer transferência de tecnologia militar. Agora de fato, muitas armas, carros, posses em geral dos Estados Unidos foram deixadas para trás.

Vi uma notícia que saiu agora, do governo americano dizendo que bloqueou 9,5 bilhões de dólares do governo afegão distribuído em bancos e tesouros nacionais. A União Europeia caminha para esse passo também, para que o dinheiro do governo afegão não seja usado pelo Talibã.

Ontem, Franco Mackenzie, um dos importantes nomes do exército americano no oriente médio, disse que espera enxergar no Talibã, além de palavras, ações. Ele disse que quer sentir que o Talibã de hoje não é o Talibã de antigamente.

Os Estados Unidos querem evacuar 7 mil pessoas por dia. Eu acho muito, até porque, para onde vão? Tem 20 mil afegãos em volta do aeroporto que trabalharam para os Estados Unidos e estão com medo de morrer, mas para onde é que eles vão? Vão para bases americanas? Há essa expetativa, mas o que foi que Franco Mackenzie disse? Que se o Talibã atrapalhar essa evacuação, os Estados Unidos vai esmagar o grupo. E isso significa entrar em mais uma guerra, para mais 30 ou 50 anos, num problema sem fim.

No Afeganistão tem muita arma sim, muita tecnologia, mas o que penso que vai ditar agora é o posicionamento da China, e, por fim, temos que levar em conta que o Afeganistão é importante para China, porque a China quer escoar sua produção industrial que é gigante. O Afeganistão fica bem na Ásia central e faz fronteira com várias países, sendo uma região estratégica.

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