As tensões entre a Ucrânia e a Rússia estão no seu ponto mais alto em anos. Isso porque a movimentação de soldados russos na cidade de Voronej, a cerca de 300 km da fronteira entre os dois países, levou a uma nova escalada dos atritos diplomáticos e militares. Os tensionamentos entre as duas nações, que até os anos 1990 compunham a grande potência global que foi a União Soviética, ecoam pela Europa.
De um lado, a Ucrânia e líderes ocidentais afirmam que a Rússia está tentando desestabilizar o país antes de qualquer invasão militar planejada. O Kremlin, por sua vez, diz que não planeja atacar o território ucraniano, mas sim garantir sua segurança, acusando Kiev e os EUA de estarem adotando um comportamento desestabilizador na região.
Na avaliação de especialistas ouvidos pelo JC, a aproximação ucraniana ao Ocidente, principalmente, à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), aliança militar criada após o fim da Segunda Guerra Mundial com o objetivo de atuar contra o avanço da União Soviética, vem desagradando o atual presidente da Rússia, Vladimir Putin, que a encara a união como uma ameaça.
"A Rússia se sente ameaçada com o avanço da Otan, que está chegando cada vez mais próxima das fronteiras russas. Ao mesmo tempo, ela tenta recuperar o papel de protagonista internacional com a área que entende ser a de sua influência, que é a das antigas repúblicas soviéticas", explicou César Albuquerque, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP).
Na última sexta-feira (10), Moscou exigiu que a Otan rescinda um compromisso firmado em 2008 com Ucrânia e Geórgia (outro país próximo) que previa a filiação de ambos à organização. Além disso, a Rússia afirmou que a Otan tem de prometer não armar países fronteiriços que pudessem ameaçar a segurança russa.
Já a Ucrânia pressiona por mais ajuda do Ocidente, dizendo que seria incapaz de conter por conta própria uma eventual ação militar russa.
Fatores econômicos, como a presença da "terra negra", ideal para a agricultura, petróleo e gás natural, principais produtos exportados pelos russos, também despertaram o interesse do Kremlin em relação ao território.
“Do ponto de vista econômico, há a questão das reservas de gás e petróleo próximas a Península da Criméia e o controle do Mar Negro, que é uma importante rota de comércio e pode ser uma alternativa para a Rússia escoar produtos”, afirma Gustavo Rocha, professor de Relações Internacionais do Centro Universitário Tabosa de Almeida e pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Desenvolvimento e Regiões da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
A história recente das duas nações é marcada por confrontos, que aumentaram no final de 2013 devido a um acordo político e comercial histórico da Ucrânia com a União Europeia. Depois que o então presidente pró-russo, Viktor Yanukovych, suspendeu as negociações – supostamente sob pressão de Moscou – semanas de protestos em Kiev explodiram em violência. Em 2014, os ucranianos depuseram seu presidente.
Na sequência, a Rússia conquistou e anexou o sul da península da Crimeia, pertencente à Ucrânia. Separatistas apoiados pela Rússia também conquistaram grandes áreas dos territórios orientais ucranianos, conhecidos como Donetsk.
Haverá guerra em 2022?
Esse conflito no leste da Ucrânia nunca cessou por completo. O governo ucraniano diz que a Rússia tem enviado tanques e franco-atiradores para o front em áreas controladas pelos rebeldes. Mas são as supostas forças russas, com mais de 90.000 militares ao alcance da fronteira, que mais preocupam.
Com o aumento da tensão, rumores de uma guerra prevista para 2022 surgem na região. Imagens recentes de satélite mostram o aumento da presença de militares na Crimeia, não muito longe do leste da Ucrânia. Mas não há sinais de invasão iminente ou ação do presidente russo Vladimir Putin que evidencie isso. O porta-voz do Kremlin pediu a todos que mantenham a "cabeça fria".
Entretanto, serviços de inteligência ocidentais, assim como os da Ucrânia, acham que isso pode acontecer em algum momento no início do próximo ano. "O momento mais provável para se estar pronto para uma escalada (no conflito) será no final de janeiro", afirmou o ministro da Defesa ucraniano, Oleksiy Reznikov.
“É possível que assistamos a uma guerra em 2022. Entretanto, assim como na Guerra Fria, provavelmente esses conflitos não seriam diretos. Seriam conflitos com uma das partes, com participação indireta dos outros, como foi o caso da Síria recentemente. Um conflito direto provavelmente teria repercussões nucleares”, diz o pesquisador Gustavo Rocha.
O coordenador do curso de Ciência Política da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Thales Castro, especialista em Relações Internacionais, porém, discorda do colega. Na sua avaliação, a possibilidade de guerra não se sustenta, dados os fatores e custos políticos que a circundam. “Eu acho difícil que haja uma guerra em 2022. Particularmente, acredito que se trata de um rosnar de cães raivosos de ambos os lados”, pontua Castro.
“Os custos políticos de engendrar uma atitude belicosa, tanto do lado pró-ocidente, leia-se Otan, quanto do lado russo, seriam danosos e elevadíssimos. Por isso, não antevejo para o começo do ano uma guerra de maneira deflagrada”, emenda ele.
Uma solução pode vir do Ocidente?
Os EUA e a Otan deixaram claro que querem um diálogo com a Rússia para evitar um conflito, e Moscou também quer que o diálogo continue. Ao mesmo tempo, as forças ocidentais também evidenciaram que estão empenhados em ajudar a Ucrânia a defender seu "território soberano", mas indicaram que uma ação militar não é uma opção por enquanto.
Para o professor Gustavo Rocha, dificilmente o Ocidente conseguirá encontrar uma solução diplomática se não estreitar ainda mais o diálogo com Moscou. “Para resolver essa situação, será necessário que as potências do ocidente e a Rússia se sentem para uma reunião de alto nível para definirem os limites e as zonas de influência aceitáveis. Senão, o conflito — militar ou não — tende a ser o caminho natural”, argumenta Rocha.
Para além do diálogo, na avaliação do professor Thales Castro, a principal ferramenta no arsenal do Ocidente parecem ser as sanções. “O Ocidente pode ajudar aumentando o isolamento da Rússia no cenário internacional, congelando ativos financeiros russos em vários bancos europeus e, simplesmente, consumindo menos gás russo”, diz ele, ressaltando, porém, que esta não é uma questão fácil de ser resolvida.
Neste sentido, o presidente dos EUA, Joe Biden, falou de "custos muito reais" se a Rússia tomar uma ação militar, e fontes do governo americano estão considerando que elas podem significar medidas econômicas e apoio a militares ucranianos.
A ministra das Relações Exteriores do Reino Unido, Vicky Ford, também disse que as autoridades britânicas estão avaliando uma extensão do apoio defensivo. Quanto às medidas econômicas, uma ferramenta poderosa é a desconexão do sistema bancário russo do sistema internacional de pagamentos Swift. Isso sempre foi visto como um último recurso.
Outros cenários possíveis seriam a suspensão da abertura do gasoduto russo Nord Stream 2 na Alemanha, medidas que impactem o RDIF (fundo soberano da Rússia) ou restrições à conversão de rublos em moeda estrangeira pelos bancos. “O gás natural é o principal ativo da Rússia em termos de geração de divisas e recursos financeiros”, conclui Thales Castro.
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