O Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, emitiu um mandado de prisão para o presidente russo, Vladimir Putin, pelo sequestro e deportação de crianças ucranianas. A Rússia disse que não reconhece a jurisdição da corte, o que torna a decisão um gesto simbólico. No entanto, a determinação isola ainda mais o governo russo.
Ao conceder o pedido de prisão, um painel de juízes concordou que havia "motivos razoáveis" para acreditar que Putin e Maria Alekseyevna Lvova-Belova, comissária dos direitos da criança do governo russo, eram responsáveis pela "deportação ilegal" de crianças ucranianas.
Os mandados de prisão são os primeiros emitidos pelo TPI por crimes cometidos na guerra da Ucrânia e representam um momento raro em que a corte pede a prisão de um chefe de Estado no exercício do cargo, colocando Putin na companhia do ditador líbio, Muamar Kadafi e do presidente sudanês Omar Bashir.
Kadafi foi derrubado e morto meses depois que teve sua prisão decretada pelo TPI. Bashir também foi deposto e está preso no Sudão. Putin, no entanto, não deve ter um destino parecido. A Rússia assinou o Tratado de Roma, que criou o tribunal, em 2002, mas nunca o ratificou.
O Kremlin reafirmou que não reconhece a jurisdição do TPI e disse que o mandado de prisão não tem validade. "As decisões do TPI não têm nenhum significado para nosso país, inclusive do ponto de vista jurídico", escreveu a porta-voz da chancelaria russa, Maria Zakharova, no Telegram.
Embora o Kremlin tente passar uma imagem de normalidade, Putin agora terá de pensar duas vezes ao viajar por qualquer um dos mais de 120 países-membros do tribunal, o que agrava ainda mais o seu isolamento internacional.
Antes da decisão de ontem, investigadores da ONU já haviam afirmado que a deportação forçada de crianças ucranianas representava um crime de guerra. Ontem, os juízes do TPI chegaram a considerar manter os mandados em sigilo, mas optaram por torná-los públicos com o argumento de que a decisão contribui para a prevenção de novos crimes de guerra.
Não se sabe exatamente quantas crianças foram levadas da Ucrânia pelas forças russas. Em março, um relatório do Yale Humanitarian Research Lab,que monitora crises humanitárias, estimou que 6 mil menores ucranianos foram enviados para campos de "reeducação" na Rússia, em 2022.
O promotor do TPI, Karim Khan, disse ontem que muitas das crianças foram colocadas para orfanatos na Rússia e afirmou que Putin emitiu um decreto acelerando a concessão de cidadania russa a todos os menores sequestrados, para facilitar o processo de adoção. "Esses atos demonstram a intenção de remover permanentemente essas crianças de seu próprio país", disse Khan
A decisão do TPI foi celebrada em Kiev. Andrii Yermak, chefe de gabinete da presidência da Ucrânia disse que os mandados de prisão eram "apenas o começo", sugerindo que outros membros do governo russo também poderiam ser alvo do TPI.
O presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, estimou o número de crianças deportadas em mais de 16 mil e disse que os mandados representam uma decisão "histórica" que levará a uma responsabilização de Putin. "Teria sido impossível decretar tal operação criminosa sem a autorização do homem no comando do Estado terrorista", disse Zelenski.
Quem também teve um pedido de prisão decretado pelo TPI foi Belova, responsável pela agência governamental que supervisiona o direito das crianças na Rússia. Em fevereiro, ela apareceu na TV relatando a Putin o andamento do programa de deportação de menores.
A comissária até agradeceu por poder "adotar" um menino de 15 anos de Mariupol, cidade ocupada por forças russas. "Graças a você, agora sei como é ser mãe de uma criança de Donbass (região no leste da Ucrânia)", disse Belova ao presidente russo.