Agência Brasil: Por que os acordos não foram capazes de pacificar a relação entre Israel e os palestinos após 30 anos?
Moara Crivelente: Esses acordos serviram simplesmente para Israel continuar expandindo as colônias dentro do território que ocupa. Israel continuou fragmentando o território palestino através de vários mecanismos: os postos de controle militar, as estradas exclusivas para israelenses, a captura de terras, a expulsão de várias comunidades. Essas medidas inviabilizaram as possibilidades de paz.
Foram várias as violações de direitos humanos. Por exemplo: a detenção arbitrária, inclusive de crianças, por períodos renováveis de seis meses sem acusação formal, sem julgamento, sem que as pessoas sequer soubessem do que são acusadas. Tem a absurda dependência econômica criada pelos acordos, por exemplo, o recolhimento de impostos é feito por Israel e a Autoridade Palestina funciona muito a partir de ajuda internacional, que sempre vem com condicionantes.
São muitas práticas para tentar desestabilizar, ao máximo, a vida na Palestina. Por isso, foi realmente impossível que os acordos de paz fossem cumpridos.
Karina Caladrin: Porque dois anos depois da assinatura dos acordos, em 1995, o primeiro-ministro israelense foi assassinado. Uma parte da sociedade israelense não gostou dos acordos, principalmente aqueles que eram representados pela direita e extrema-direita. Eles pressionaram para que os acordos fossem rompidos, até que um judeu israelense radical assassinou Yitzhak Rabin.
No lugar dele, quem ganhou as eleições, em 1996, foi o Benjamim Netanyahu [atual primeiro-ministro de Israel]. A partir daí os acordos de paz foram praticamente enterrados. Em 2000, quando ele já não estava mais no poder, foi feita uma tentativa (de paz) na chamada Cúpula de Camp David. Mas, no momento, os palestinos não cederam porque o Yasser Arafat já estava sendo muito pressionado e já não tinha mais força política para aceitar um acordo.
Teve mais uma tentativa em 2008, mas não foi para frente. Com isso, o Hamas foi se radicalizando, conseguiu o controle da Faixa de Gaza depois que Israel desocupou Gaza de forma unilateral, em 2005, e a situação da violência só piorou.
Depois Netanyahu voltou ao poder em 2009 e, com Netanyahu, não há qualquer tipo de negociação. O governo dele e seus aliados são contra qualquer negociação. Eles enfraqueceram politicamente o Fatah [partido que controla a Cisjordânia], impossibilitando qualquer tipo de acordo.
Agência Brasil: Que pontos do acordo não foram cumpridos?
Moara Crivelente: O problema foi que os arranjos temporários acordados viabilizam a expansão da colonização por Israel, tornando impossível a criação ou o reconhecimento de um Estado palestino soberano.
Outra situação que inviabiliza a paz são as permissões que Israel dá aos residentes de Jerusalém. Israel pode revogar essa permissão a qualquer momento. Se uma pessoa é suspeita de qualquer coisa por Israel, as autoridades israelenses podem revogar a permissão de residência tanto da pessoa, quanto da família e, frequentemente, faz a demolição da casa da pessoa, às vezes deixando dezenas de pessoas desabrigadas. Esses tipos de medidas e de políticas inviabilizaram qualquer tipo de solução de paz na Palestina.
Karina Caladrin: A questão dos assentamentos que deveriam ter sido desocupados, ou pelo menos terem sido congelados, e não foram colocados em prática. O resto dos pontos foram cumpridos. Tirando o que não foi discutido, o único ponto que não foi cumprido foi a questão da desocupação dos assentamentos e o congelamento da construção de novos assentamentos.
O não cumprimento dos acordos foi no governo Netanyahu, primeiro nos anos 90 e mais recentemente a partir de 2009. Além disso, os acordos tinham que ser retomados a cada cinco anos para serem rediscutidos, mas isso não aconteceu.
Agência Brasil: A frustração desses acordos tem relação com o atual conflito?
Moara Crivelente: Tem toda relação com a situação atual. Os anos de 2022 e de 2023 estavam sendo os recordistas de letalidade para os palestinos e os com maior número de construções de novas colônias. Só em 2022, mais de 12 mil casas foram construídas pelo governo israelenses no território palestino.
Essa situação atual tem tudo a ver com a falta de conclusão pra um processo de paz. Mas não é um fracasso só dos acordos de paz, mas do mundo todo por não ter feito nada diante das evidências desses crimes por todos esses anos.
Karina Caladrin: Sim, mas o principal responsável, do lado da população palestina, tem a ver com seus próprios representantes que não foram capazes de mudar a realidade deles. Obviamente, teve a influência negativa dos governos de Benjamim Netanyahu em todo processo de paz, que acabou minando qualquer tipo de negociação.
Mas vamos lembrar que o Hamas não aceita Israel, diferentemente do Fatah, da OLP e da Autoridade Nacional Palestina. O Hamas não reconhece Israel e não se dispõe a negociar com Israel. Então, dificilmente vai ter acordo de paz com Hamas, isso não vai acontecer.