A decisão dos EUA de reconhecer o opositor Edmundo González Urrutia como vencedor da eleição da Venezuela causou uma divisão no continente. O governo americano lidera os países que consideram que houve fraude na votação. Na outra ponta, o Brasil se juntou a México e Colômbia em posição mais cautelosa, exigindo a divulgação das atas de votação antes de bater o martelo sobre a legitimidade do processo.
Embora a divisão viesse sendo desenhada ao longo da semana, ela se acentuou na quinta-feira, quando o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, anunciou a nova posição da Casa Branca: houve fraude, a oposição venceu e González Urrutia era o presidente legítimo da Venezuela - uma repetição do que ocorreu com Juan Guaidó, em 2019, que não trouxe nenhum resultado prático.
Provocação
A nota de Blinken provocou uma reação histriônica de Maduro, que gosta de repetir a cartilha de seu mentor, Hugo Chávez, e culpa os americanos pelas mazelas da Venezuela. "Os EUA dizem que a Venezuela tem outro presidente. Os EUA deveriam tirar o nariz da Venezuela, porque o povo soberano é quem governa na Venezuela, quem nomeia, quem escolhe", disse Maduro, que descreveu González Urrutia como um "Juan Guaidó, parte 2".
Governo brasileiro não segue os EUA
Já o governo brasileiro não pretende seguir o caminho dos EUA. Funcionários do Itamaraty ouvidos pelo Estadão alegam temer o recrudescimento do regime chavista, que poderia se transformar em uma espécie de Daniel Ortega, o ditador da Nicarágua que vem colocando atrás das grades até padres da Igreja Católica.
Enquanto isso, o Itamaraty segue uma política de manter um canal de comunicação e pressionar pela divulgação das atas de votação. Não sabe, porém, quanto tempo esperar por uma decisão das autoridades eleitorais venezuelanas - ou quanto tempo é preciso para concluir que os dados detalhados não existem.
A posição americana também foi criticada pelo presidente do México, Andrés Manuel López Obrador. "Com todo respeito, o que o Departamento de Estado dos EUA fez é um exagero. Peço desculpas a Blinken, mas estão se excedendo. Isso não ajuda na convivência pacífica e harmoniosa entre as nações. É uma imprudência."
O presidente colombiano, Gustavo Petro, se uniu a Brasil e México e também rejeitou a posição americana. Ele alegou que a precaução de seu governo era uma tentativa de evitar uma "catástrofe humanitária" que afetaria a Colômbia. "Não é um governo estrangeiro que deve decidir quem é o presidente da Venezuela", disse.
Divergências
A reboque da prudência de Brasil, Colômbia e México vêm os países automaticamente alinhados com o chavismo: Nicarágua, Bolívia, Cuba e Honduras, que até parabenizaram Maduro pela vitória. Mas a posição dos EUA também abriu as portas para que o grupo de países que reconhecem a vitória da oposição aumentasse.
Argentina, Uruguai, Costa Rica, Panamá e Equador apoiaram a estratégia. "Todos podemos confirmar, sem dúvida, que o legítimo vencedor foi González Urrutia", disse a chanceler argentina, Diana Mondino.
Autoridade eleitoral ratifica vitória chavista com 52% dos votos
O Conselho Nacional Eleitoral (CNE), maior autoridade eleitoral da Venezuela, confirmou ontem a vitória do ditador, Nicolás Maduro, nas eleições presidenciais da semana passada - um resultado contestado pela oposição e por vários países da região
O último boletim do CNE, lido ontem pelo presidente do órgão, Elvis Amoroso, atribuiu a Maduro 6,4 milhões de votos (52%), ante 5,3 milhões do opositor Edmundo González Urrutia (43%), com 97% dos votos apurados. A participação ficou perto de 60%, segundo números oficiais.
O CNE, no entanto, não divulgou ainda as atas de votação, exigidas pela comunidade internacional para saber se houve ou não fraude. Os dados são cruciais para determinar de onde Maduro tirou seus votos.
Durante a semana, o ditador venezuelano afirmou que divulgaria todas as atas, mas que o processo estava demorando mais do que o esperado porque o CNE estaria sofrendo "ataques cibernéticos".