Dentro dos quase 3 mil estabelecimentos prisionais brasileiros, todos eles administrados pela União e pelos Estados, praticamente todos superlotados e desumanos, atualmente, existem mais de 900 mil pessoas recolhidas em condições degradantes, aqui compreendidas aquelas que aguardam o julgamento do seu processo, as que já foram condenadas e estão cumprindo a pena privativa de liberdade imposta na sentença, nos regimes fechado e semiaberto, homens, mulheres, doentes mentais que são consideradas inimputáveis pela lei penal e aquelas que se encontram internadas em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, sem contar os muitos infratores da lei penal que estão detidos em regime domiciliar, outros tantos cumprindo as condições do livramento condicional ou em regime aberto, com monitoramento eletrônico. Vale lembrar, outrossim, que muitos desses prisioneiros estão recolhidos em Delegacias de Polícia, custodiados em situação de extrema desumanidade, face à ausência de vagas nos presídios oficiais.
Muito mais da metade do total desses reclusos estão aguardando julgamento, por conseguinte, estão presos com base em uma prisão provisória, decretada pela autoridade judiciária competente. Mais de 600 mil desses encarcerados já estão cumprindo uma pena, contudo, também aguardam o julgamento de outros processos criminais. São aqueles presidiários considerados provisórios e condenados ao mesmo tempo, que ficam impossibilitados de serem contemplados com uma progressão de regime ou outro tipo de benefício, enquanto existir uma prisão provisória em vigor, ademais existindo preventiva em desfavor do detento, sua manutenção na prisão será obrigatória, enquanto ela não for revogada pelo juiz ou pelo tribunal. Sabe-se, todavia, que muitos dos presos que estão nessa dupla situação processual, geralmente são reincidentes em crimes contra o patrimônio ou em relação aos ilícitos penais que envolvem substâncias entorpecentes.
Nota-se, assim, que o crescimento desenfreado da violência urbana e a rural é a causa maior do aumento acentuado da nossa população carcerária. É fácil perceber, lado outro, que o perfil social daqueles que ingressam em nossas prisões é praticamente comum entre eles: idade entre 18 e 24 anos, geralmente analfabeto, sem profissão definida, desempregado no momento do crime, família desconstituída e envolvimento com drogas. Bem por isso, a Lei de Execução Penal obriga que o detento (provisório ou condenado) exerça uma atividade laboral lícita e remunerada, dentro ou fora do ambiente prisional, porque essa ocupação além de evitar a ociosidade carcerária, torna o presidiário producente e útil, sem contar que ao fim e ao cabo, ao final do cumprimento da sanção penal, o recluso sairá da prisão com uma profissão capaz de contribuir para o seu sustento e da família, sem mais retornar ao mundo da criminalidade. Vale lembrar que cada três dias de trabalho equivale a um dia de cumprimento da pena em benefício do presidiário.
A mesma Lei de Execução Penal, sabiamente, obriga que os estabelecimentos penais mantenham escolas de ensino fundamental e profissionalizante, justamente para oferecer ao detento a oportunidade de se alfabetizarem e de adquirirem uma profissão digna. Qualquer tipo de educação nos presídios, além do mais, possibilita ao preso a aquisição da remição da pena (redução no tempo de cumprimento), a ser declarada pelo juiz da Execução Penal, sempre que restar comprovada essa atividade educacional. Para cada doze horas de atividade, redução de um dia no tempo de cumprimento da sanção penal.
Outro aspecto importante a ressaltar é que cada vez mais os jovens entre 18 e 24 anos de idade ingressam no mundo da criminalidade, levados pela exclusão social. Sem perspectiva de vida, sem escola e sem amparo familiar, a grande maioria desses jovens, a partir dos 14 anos de idade, inicia a vida criminal, geralmente praticando pequenos furtos que servem de troca para a aquisição de drogas. As suas péssimas condições sociais, por isso, são as causas primeiras do ingresso dos jovens no mundo da criminalidade, até que sejam presos ou mortos, como infelizmente acontece na prática.
O cárcere, por tudo isso, é um espelho cruel da exclusão social. Sem educação, saúde, moradia, trabalho, aconchego familiar e fora das drogas, dificilmente esses jovens se envolveriam com o crime e com os criminosos.
Enquanto não houver comida para todos, escolas, saúde, moradia e família constituída, o crime será um chamariz para aqueles que não tiveram a oportunidade de viver uma vida com dignidade. A redução da menoridade penal para 16 anos, como muitos pregam, é outro trama político-social que de há muito vem sendo ventilada, quando as pesquisas científicas defendem a efetiva aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, como uma das soluções para o cruciante problema que atinge o menor abandonado e a própria sociedade.
"Conheçam primeiro as cadeias, antes de pedi-las para o próximo"
Adeildo Nunes, mestre e doutor em Direito, juiz de Direito aposentado, advogado e professor.