No século XVIII, o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) classificava a vida humana como desagradável, brutal e breve, situação hipotética do “estado da natureza” o que levaria à inevitável destruição pela “guerra de todos contra todos”.
Inspirado na figura mitológica, Hobbes publicou Leviatã, em 1651, marco teórico do contratualismo. Instituído pelo conjunto dos indivíduos, o Estado todo-poderoso asseguraria segurança e prosperidade. Apesar das diferenças de abordagem, Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau mantêm vivo o debate sobre a natureza, a dinâmica e extensão do contrato social no equilíbrio entre os valores da liberdade individual e a harmonia coletiva.
Independente do fervor ideológico, o fato é que, em menos de três séculos, houve uma abrupta transformação na vida das pessoas. Trata-se de um fenômeno de tal ordem que tem desafiado o engenho humano a explicar causas e origens da grande contradição histórica: a riqueza e a pobreza das nações; o fracasso e a prosperidade das diferentes civilizações.
A propósito, nascido há exatos 300 anos, o filósofo escocês Adam Smith, considerado “pai” da economia moderna, legou à posteridade o clássico Uma Investigação sobre a Natureza e a Causa da Riqueza das Nações (1776).
Polêmico, às vezes, mal interpretado, o autor apurou e descreveu, após longos anos de observação, o funcionamento do sistema econômico. Não criou as malvadezas do mercado; denunciou a atração dos agentes econômicos pela fraude da competição oligopolizada; ressaltou os legítimos interesses de produtores e consumidores exercidos com liberdade.
Também não “criou” o modo capitalista de produção: Smith foi um arguto observador da vida econômica como ela é. E antes de se notabilizar pela obra magna, produziu A Teoria dos Sentimentos Morais (1759). Nela, defende como padrões mínimos de satisfação das necessidades básicas: “Estar livre da fome; das doenças e participar da vida política e social”. Acresce um conceito em voga atualmente “essa situação coloca o pobre fora da vista das pessoas”, um ser invisível.
Não faltaram, ao longo da história, ideias transformadoras; movimentos evolucionários, revolucionários e políticas públicas que se mostraram insuficientes na busca do ideal de justiça social.
Na era contemporânea de formidável afluência, vertiginoso progresso científico e tecnológico, agravaram-se as contradições universais que emergem em dois polos chocantes: milhares de novos bilionários e milhões de novos miseráveis, separados por uma desigualdade que coloca em risco o equilíbrio global.
Com intensa gravidade, soma-se ao passivo da desigualdade, o passivo ambiental que dá mostras evidentes de que a natureza se tornou ameaçadoramente escassa.
Sobre o futuro da humanidade em bases tão díspares, tem sido farta a literatura com obras de grande fôlego e profundas controvérsias sobre a consistência científica de predições plausíveis. Refiro-me ao Sapiens de Harari; ao recente “A Jornada da Humanidade – As origens da riqueza e da desigualdade de Oded Galor (visão mais otimista do futuro a partir da Teoria do Crescimento Unificado); Superabundância, Marian Tupy (a ser lançado em meados de abril).
Na mesma toada, o atual debate político no Brasil revela a gravidade dos nossos problemas sociais e tem como palavra de ordem do Presidente: “é preciso colocar o pobre no orçamento do Estado”.
A promessa de Lula esbarra em instituições políticas e econômicas extrativistas que prejudicam o bom funcionamento da democracia; o respeito à ética pública; o ambiente de negócio; a estabilidade e previsibilidade das políticas macroeconômicas.
Ao contrário, se instituições inclusivas fossem implantadas no tempo certo, sólidos alicerces dariam suporte à prosperidade sustentável de um Brasil mais justo.
Nesse caso, a palavra de ordem seria: vamos tirar os pobres do orçamento em troca de oportunidades reais de ascensão social para o cidadão brasileiro.
PS. Agradeço ao gentil Professor Tarcísio Patricio pela referência artigo de minha autoria “1984 não é aqui”.
Gustavo Krause, ex-governdor