Para onde vai a Segurança Pública em Pernambuco?

Pouco se sabe sobre o que pretende o atual governo estadual no campo da segurança pública em Pernambuco
José Luiz Ratton
Publicado em 02/04/2023 às 9:22
É preciso superar o imobilismo, sair do campo das intenções e definir de forma democrática e concreta os rumos da segurança pública no estado Foto: GUGA MATOS / JC IMAGEM


Inicia-se o quarto mês de 2023 e pouco se sabe sobre o que pretende o atual governo (PSDB/Cidadania) no campo da segurança pública em Pernambuco. Os sinais emitidos até o momento são contraditórios.

A favor da atual administração conta a fala sensível da secretária de Defesa Social, em seminário organizado pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) e pelo Instituto Fogo Cruzado, ao abordar com interesse as questões da violência contra a mulher e contra as pessoas LGBTQIA+, escapando da retórica policialesca truculenta que vigora no país e no estado há muitos anos.

Também é elogiável o compromisso da secretária em divulgar regularmente, até o dia 5 de cada mês, as informações relativas ao número e perfil das pessoas que morreram vítimas de Crimes Violentos Letais Intencionais(CVLIs) em Pernambuco, no mês anterior, diferenciando-se da postura atrasada e conspiratória do governo do PSB que, entre 2017 e 2022, impediu a divulgação sistemática e detalhada de informações não sigilosas sobre CVLIsno estado.

Mas há sinais preocupantes sobre os rumos da segurança pública em Pernambuco. Em primeiro lugar, não se sabe até o momento, quais são os princípios orientadores da atuação do governo na área. Em outros termos, não são conhecidos, no início do quarto mês desta gestão, os valores, os objetivos, as prioridades, as estratégias de redução da criminalidade e os mecanismos de governança do que pode ser a Política Pública de Segurança.

Outro ponto inquietante diz respeito às alianças feitas pela governadora na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) e suas consequências práticas. No âmbito da segurança pública, tem como aliados os setores mais conservadores do campo político estadual.

A bancada da bíblia e da bala na Alepe, que integra a base de sustentação do atual governo, tem posicionamentos retrógrados em temas estratégicos como políticas sobre drogas, controle de armas de fogo, garantia dos direitos humanos para todos, humanização do sistema prisional, controle da violência policial, entre outros.

A demissão relâmpago do secretário Executivo de Políticas de Drogas Rafael West - formulador e gestor reconhecido de programas inovadores de redução de danos -, por pressão de setores fundamentalistas da direita pernambucana apoiadores da governadora, parece indicar que qualquer avanço nas políticas públicas de redução e controle da violência terá como obstáculo a própria base governista.

O episódio demonstra, na melhor das hipóteses, a fragilidade da atual gestão diante do poder de veto de um grupo que já vinha tendo influência direta e pouco republicana nas políticas de drogas dos governos do PSB.

Um recuo desta natureza, no segundo mês da atual administração, pode ser evidência concreta da direção problemática que o campo das políticas públicas de segurança, em seu sentido mais amplo, pode tomar em Pernambuco.

Não é difícil lembrar que as taxas de criminalidade violenta pernambucanas permanecem entre as mais altas do Brasil e as vítimas são as mesmas de sempre: pessoas pobres e negras das áreas periféricas do estado.

Se a atual gestão deseja construir uma Política Pública de Segurança, digna do nome, precisa ter como foco a redução dos crimes contra a vida em Pernambuco, em seus diferentes territórios.

Neste sentido, é urgente estabelecer mecanismos efetivos de governança das polícias que direcionem sua atenção para a investigação de homicídios e tentativas de homicídio, bem como para a desmobilização dos grupos armados responsáveis por parte significativa destas mortes violentas.

De forma complementar, e não menos relevante, faz-se necessário apresentar e efetivar programas específicos e efetivos de prevenção da violência que possam dar sustentação e legitimidade às ações policiais direcionadas para a redução dos CVLIs.

Não é concebível, igualmente, a inexistência de planos concretos para a reforma profunda tanto do sistema prisional comodo sistema de medidas sócio-educativas. Da mesma forma, é impensável que estratégias e ações transversais de redução da violência contra as mulheres e contra a população LGBTQIA+ não façam parte das prioridades de qualquer política nesta área.

Finalmente, não se faz segurança cidadã sem uma política de drogas efetiva, realista, moderna e que tenha como princípio estruturador a redução de danos.

A governadora sabe que os números da violência em Pernambuco são inaceitáveis. Construir e implementar um projeto estratégico de defesa social e um conjunto racional, factível e integrado de ações policiais e não policiais, baseados em princípios que compatibilizem o uso eventual e proporcional da força autorizado pela lei, a garantia de direitos, a gestão eficiente e a participação social, são condições sine qua non para a redução da criminalidade violenta de forma sustentável.

Para tal, é preciso superar o imobilismo, sair do campo das intenções e definir de forma democrática e concreta os rumos da segurança pública no estado.

José Luiz Ratton, professor e pesquisador do Departamento de Sociologia da UFPE, Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Criminalidade, Violência e Políticas Públicas de Segurança da UFPE (NEPS-UFPE)

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