Escreveu Mário Sérgio Cortella que "só se pode falar em ética quando se fala em humano, porque a ética tem um pressuposto: a possibilidade de escolha. A ética pressupõe a possibilidade de decisão, a possibilidade de opção".
Aí estão abrigados, na admirável síntese do conhecido Filósofo, o objeto mediato do presente texto, a Ética, e o imediato, o processo administrativo disciplinar, com ênfase naquele previsto no âmbito da OAB relativamente aos seus inscritos.
Comecemos esta conversa com a premissa de que a advocacia não é comércio, nem entretenimento. Quando muito, tem um quê de psicologia. Mas decididamente o advogado não é um entertainer, nem um promotor de vendas, mas o agente condutor na busca pelo cidadão do bem imaterial da justiça.
O interesse público é o que dita a medida da vida em comunidade. Aplicação do sistema de freios e contrapesos de Montesquieu. A liberdade de cada um termina quando começa a do outro, dizia Herbert Spencer. No plano jurídico, a ciência constitucional ensina que não há liberdades absolutas. Pois bem. É exatamente em homenagem ao interesse público que o indivíduo espera que o mandatário honre a sua confiança enquanto seu mandante for. Ora, a pedra angular da relação cliente-advogado consiste no fator confiança e na vedação ao denominado "venire contra factum proprium", ou seja, a proibição ao comportamento contraditório. Tudo ao abrigo do interesse público, e, por meio dele, da paz social.
Cumpre à OAB disciplinar seus inscritos. Promover a disciplina é resguardar direitos, mas também fiscalizar deveres. Disciplinar é traçar fronteiras que coexistirão com os direitos, ou seja, as prerrogativas. Perde-se a condição moral de exigir respeito aos direitos quando se negligenciam os deveres.
Qualquer um pode representar à OAB contra inscrito nos quadros da instituição. É ainda possível que a notícia de fato potencialmente infracional se torne representação de ofício. O que não cabe é a denúncia anônima, expressão do abuso da liberdade de manifestação do pensamento. Afinal, significa ônus de quem exercita tal liberdade assumir a autoria do pensar exteriorizado, evitando que se esquive de responder mais na frente se o seu agir trouxer danos (materiais ou morais) a terceiro(s).
O processo disciplinar desde o ato de ingresso no protocolo tramita em sigilo, o que, longe de induzir impunidade ou morosidade, é uma previsão que socorre contra o denuncismo vazio, o espírito revanchista, a despeito do esforço do causídico. O processo administrativo, sim, segue o princípio cardeal da publicidade, mas o excepcionam as situações em que a informação tornada visível possa comprometer a intimidade, a honra e a imagem. Assim consoante, ainda, a Lei 12.527/2011 (LAI), com a qual a legislação da OAB dialoga.
Os normativos oabeanos ditam, ainda, medidas de caráter cautelar, cercadas, pois, de drasticidade, medidas, inclusive, regimentais, para fazer frente a situações às quais se deva reagir de pronto, preservando o resultado útil do processo principal. Eis os casos do artigo 70, § 3º, do Estatuto de 1994, e do art. 50, inciso IX, do Regimento Interno da OAB/PE.
O poder disciplinar da OAB abarca, também, a consulta em tese em matéria de ética profissional, para cujo manejo a legitimidade é ampla, valendo referir finalmente o Termo de Ajustamento de Conduta (ou TAC), que descriminaliza infrações leves, isto é, aquelas puníveis com censura ou advertência, além da publicidade profissional irregular, desde que atendidas determinadas condicionantes.
Eis as linhas gerais que desenham o processo administrativo disciplinar da OAB. Materializá-lo é trabalho árduo e desgastante, mas obrigatório, ou deixa a entidade de estar em condições de exigir a Ética além dos seus muros. Cabe a leitura atenciosa das regras, jamais a desculpa do desconhecimento da lei para se eximir de cumpri-la (LINDB, art. 3º e Código Penal, art. 21, caput).
Finalizo citando Sêneca: "O que adianta saber o que é uma reta, se não se sabe o que é retidão?". Ética. Palavra forte, bonita, mas por vezes tão maltratada. Um mandamento, não um mantra. Um compromisso, não uma promessa de porvir.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado