Como se dão as escolhas aos cargos de ministros do STF?

A indicação de um ministro ao Supremo Tribunal Federal não é uma mera escolha política do Presidente da República. Levam-se em conta o Presidencialismo de Coalizão, ou seja, a relação entre os poderes Executivo e Legislativo, os bastidores políticos das relações de poder do candidato e a performance técnica do pretenso ministro
JOSÉ MARIA NÓBREGA
Publicado em 18/06/2023 às 0:00
Como Zanin foi o advogado na época em que Lula foi réu na Operação Lava Jato, abre-se espaço para questionarmos a questão técnica Foto: RICARDO STUCKERT


Dos onze ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal hoje, sete foram indicados por gestões petistas. Três por Lula e quatro por Dilma. Para a vaga de Ricardo Lewandowski, que já foi indicação de Lula em seu primeiro mandato, será indicado o advogado do atual presidente no tempo em que foi réu na Operação Lava Jato, o advogado de carreira Cristiano Zanin. Para a futura vaga que ficará aberta com a aposentadoria de Rosa Weber, que também terá a indicação do Lula, claro, há uma disputa entre dois ministros, Flávio Dino (Justiça) e Silvo Almeida (Direitos Humanos). Dessa forma, Lula será o mandatário que mais indicou membros para a principal corte do país neste século, com cinco indicações. Mas, como se dá esse processo de indicação? É um ato unilateral do Presidente?

No presidencialismo de coalizão é fundamental entender que a escolha do ministro do STF não segue uma lógica ligada unicamente ao partido político ou a ideologia do Presidente da República. Há grupos de interesse ligados a sua relação com o Congresso que precisam ser levados em conta. O Presidente, por mais que queira implementar na agenda do Congresso os seus interesses e os do seu grupo político, precisa negociar muito e, para que um nome chegue ao consenso parlamentar, o jogo político nos bastidores é muito importante.

O processo de indicação de um ministro do STF está regulado no artigo 101 da Constituição Federal de 1988. Este artigo traz duas exigências: 1. o escolhido precisa ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade, notável saber jurídico e reputação ilibada; 2. seja nomeado pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. Depois, é sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que decide, por voto secreto, se o indicado possui notável saber jurídico ou não; por fim, caso tenha sido aprovado pela CCJ, o nome do indicado é levado ao plenário do Senado, onde precisa ser aprovado por maioria simples, por ao menos 41 dos 81 senadores. Este é o procedimento técnico.

Contudo, as articulações são fundamentais. É uma verdadeira campanha dos candidatos ao cargo de ministro do STF, cargo fundamental da República e que vem repercutindo muito na imprensa com as decisões polêmicas do ministro Alexandre de Moraes, a quem já criticamos bastante aqui nesta coluna.

Estudando os processos de indicação dos membros do STF, pesquisamos alguns relatos importantes trazidos pela literatura. Em um dos trabalhos analisados, o ex-ministro Ayres Britto disse que o processo de indicação e nomeação de um ministro do STF depende de pelo menos três instâncias: o reconhecimento acadêmico, o apoio institucional e a articulação política. Esta última é de grande relevância dado o histórico de indicações dos ministros desde a redemocratização.

Diferentemente do que vem sendo propagado pela indicação de Zanin ao cargo de ministro do STF como algo estritamente da vontade de Lula, na maior parte das vezes, o que ocorre nos bastidores da política é uma verdadeira campanha promovida pelo candidato e por seus apoiadores para que o presidente da República seja convencido da indicação. Não é como geralmente se pensa, que o indicado fica fora desse jogo no qual apenas o Presidente articula a sua vontade. Na verdade, o Presidente faz uma pesquisa pessoal, técnica e política daquele que ele pretende indicar.

Como Zanin foi o advogado - bastante atuante, diga-se de passagem - na época em que Lula foi réu na Operação Lava Jato, abre-se espaço para questionarmos a questão técnica, já que Lula vem apresentando comportamento bastante hostil em relação aos seus julgadores, hoje políticos de oposição ao seu governo.

No entanto, as indicações políticas dos ministros do STF seguem um padrão no qual: 1. os candidatos ao cargo se expõem e fazem campanha nos bastidores (em relato, Luís Roberto Barroso disse que "jabuti não sobe em árvores" numa expressão na qual é praticamente impossível chegar a um cargo de relevância sem algum tipo de apadrinhamento político); 2. O Presidente faz uma sondagem, antes, no Poder Legislativo para saber se o nome que ele pretende indicar tem apoio da maioria congressual. O Presidente não quer correr o risco de ter seu nome negado pelos parlamentares; 3. A questão técnica do saber jurídico é levado em conta sim, e o Presidente analisa currículos e faz questionamentos a respeito do candidato, ou de seu pretenso indicado, em rodas de juristas e de pessoas do meio da magistratura.

Portanto, a indicação de um ministro ao Supremo Tribunal Federal não é uma mera escolha política do Presidente da República. Levam-se em conta o Presidencialismo de Coalizão, ou seja, a relação entre os poderes Executivo e Legislativo, os bastidores políticos das relações de poder do candidato e a performance técnica do pretenso ministro.

Não obstante esse padrão, o que se percebe hoje na República Federativa do Brasil é um forte ativismo político do Judiciário que beira ao autoritarismo, sobretudo com os adversários políticos do atual Presidente da República. Algumas tomadas de decisão vêm ferindo gravemente a Constituição e, por sua vez, a própria democracia brasileira. Independentemente de quem indique, o ministro do STF tem de ser imparcial como um bom juiz deve ser.

José Maria Nóbrega, doutor em Ciência Política pela UFPE

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