Pernambuco tem, no catolicismo, algumas singularidades. Primeiro, é o único Estado brasileiro, cuja arquidiocese contempla duas cidades: Olinda e Recife, irmãs siamesas pela vizinhança e por suas histórias e identidades. Esta uma cidade que foi prosperando, notadamente, por seu porto. Aquela, por ter sido nossa primeira capital.
Em Olinda, a Diocese era sediada no prédio onde hoje funciona o Museu de Arte Sacra de Pernambuco (Masp), enquanto, no Recife, no chamado Palácio da Soledade, vizinho ao então Colégio Nóbrega, onde ficava tal e qual denominação da Igreja Católica, o Palácio Auxiliar do Bispo, cujos titulares, das vezes que iam a esse prédio, cortavam caminho por uma ruela chamada pelo povo de Corredor do Bispo, cuja denominação foi depois oficializada.
Olinda tem o seu padroeiro, o Santíssimo Salvador do Mundo, celebrado no dia 6 de agosto, em júbilo pela Transfiguração do Senhor. No Recife, acontece uma outra singularidade: desde 1901, por designação do Papa Leão XIII, ganhou o seu padroeiro: Santo Antônio, que foi perdendo apelo junto à população, que parecia clamar por uma mãe, pela Virgem Maria, daí os pedidos feitos e que, chegando ao Vaticano, levaram o Papa Pio X a consagrar Nossa Senhora do Carmo a nossa padroeira, ao lado de Santo Antônio, este, o principal, e aquela, a secundária.
Santo Antônio, que teve Jesus nos braços e com Ele conversava, parece olímpico diante do sentimento de nossa gente. Um padroeiro burocrático, porque todos os atos de amor vão para Nossa Senhora do Carmo, que neste ano completa 114 anos dessa honraria e o fará, como sói acontecer, festiva e espiritualmente, para gáudio dos seus fiéis.
Esse apego a Nossa Senhora do Carmo se deve ao sincretismo religioso existente no imaginário popular, na crença no Candomblé, este de origem africana, sendo a mais antiga crença dos homens desde o início da humanidade. Nossa Senhora do Carmo, no Candomblé, na correspondência que se faz com as santas da Igreja Católica, se interliga com Oxum, a deusa das águas doces. Tanto que, na sua data, 16 de julho, feriado no Recife, por ocasião da procissão, o povo veste amarelo e branco, as cores de Oxum, ao invés de usar as cores do traje de Nossa Senhora do Carmo, no caso o marrom e o bege, este cada vez mais se amarelando.
A procissão de nossa padroeira, a cada ano, se reveste de grande fervor no seio de nossa gente, com a liturgia católica, em que se destaca o repertório do Coral do Carmo, criado há mais de setenta anos para os cânticos de louvor, mas também, concomitantemente, com os festejos profanos.
Nesse mesmo diapasão, existe uma outra santa, Nossa Senhora da Conceição, festejada no dia 8 de dezembro, também feriado municipal, e que o Candomblé reserva a Yemanjá a sincronia com Nossa Senhora da Conceição, o maior evento religioso-popular, que se realiza, anualmente, no Recife.
Yemanjá é a deusa das águas salgadas, usa as cores azul e branco, que servem de vestimenta e motivação às procissões de Nossa Senhora da Conceição, mostrando e demonstrando o nosso sincretismo religioso quão forte é na crença da gente.
Instigante o fato de termos duas santas festejadas, uma, padroeira, outra, da crença popular, sendo as duas motivadoras de feriados no Recife, enquanto passamos ao largo do padroeiro principal, esquecido até do fato histórico e religioso de ser ele, sim, quem tem o papel maior no contexto dos padroeiros.
Em homenagem a Nossa Senhora do Carmo, às vésperas do seu dia, as nossas bênçãos e louvores. Muito axé para os que creem na energia dos orixás.
Roberto Pereira, ex-secretário de Educação e Cultura de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo (Abevt).