O mandato de Augusto Aras

O PT está naturalizando a recondução de Augusto Aras. Dá ânsias de vômito
JOÃO HUMBERTO MARTORELLI
Publicado em 26/07/2023 às 21:41
Aras era o único cidadão titular da ação para processar o mandatário golpista nas várias ocasiões em que o golpe foi aventado Foto: José Cruz/Agência Brasil


Essa história de Augusto Aras ser cogitado para recondução à frente da PGR é um absurdo; edá ânsias de vômito ver a possibilidade naturalizada por próceres do PT. Aras era o único cidadão titular da ação para processar o mandatário golpista nas várias ocasiões em que o golpe foi aventado; deveria ter tomado iniciativas contra a política negacionista durante a pandemia, e poupado vidas, entre outras graves omissões. Seu mandato é de total subserviência ao capitão. Há dois prismas de análise do absurdo.

Quando um partido vence as eleições para o Executivo e outro para o Legislativo, fato absolutamente usual nas democracias representativas, é normal que a correlação de forças estabeleça uma quebra de braço pelo poder e pelo orçamento.

Acontece aqui e em várias democracias ocidentais. E, embora me repugne a indigesta negociação com o Centrão, se feita com limites republicanos e sem comprometer a essência do programa do partido no poder, especialmente na área de direitos humanos, sociais, educação e saúde, parece atitude madura aceitar que assim aconteça.

Mas o Ministério Público Federal é fiscal da lei, não pode estar na cesta de negociações, é uma nomeação que exige princípios diferenciados, afastados daqueles que regem os entendimentos políticos de segunda categoria.

O pior é que o PT quer Aras de graça. É o lado carcomido e podre da política, o temor do efeito Lava-Jato (Aras desmobilizou a operação, mas ainda detém o poder de investigar os políticos).

E todos são irmãos siameses na corrupção, aquele que não é corrupto é solidário com quem o é, interessa um Ministério Público do tipo deixe viver, a saber, deixa a gente roubar um pouco, faz vista grossa, e teu mandato está garantido.

O eventual perdão às recentes omissões escandalosas de Aras está também em linha com o espírito nacional de conciliação.

O brasileiro gosta de espectros políticos balanceados, e, como demonstra a história recente, há até quem sinta falta da ditadura, e continue a respeitar os militares, ou quem os perdoe (não eu).

A recondução de Aras faria parte de um grande (e desprezível) entendimento com as Forças Armadas, o que, no final das contas, soterra a memória nacional. Não foi outra a razão de termos passado quatro anos sob a ameaça de um golpe.

A prudência, na realidade, a falta de coragem, é sempre para não importunar os militares. E isso não é de agora, vem da lei da anistia, vem da composição no colégio eleitoral em detrimento da emenda Dante para as eleições diretas, vem de Sarney no lugar de Ulysses, vem da nenhuma punição aos torturadores e da timidez das Comissões de Mortos e Desaparecidos Políticos, de Anistia e da Verdade.

Diferentemente de nossos vizinhos, que puniram exemplarmente os crimes da ditadura, e não têm, hoje, o menor receio de que eles botem os coturnos de fora novamente, nós nada fizemos.

Agora, essa covardia pegar no PT?!

João Humberto Martorelli, advogado

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