Compondo o terceiro artigo da série que discorre sobre fenômenos sociais da atualidade brasileira, com base nos dados do 17º Anuário Brasileiro 2023, do Fórum Brasileiro de Segurança, buscamos apresentar, nesta edição, aspectos relacionados ao encarceramento em massa e à seletividade penal, como elementos relevantes da ausência de políticas de segurança estruturadoras e de garantia dos Direitos Humanos no país.
O crescimento acelerado e desordenado do encarceramento no Brasil tem produzido condições precárias e insalubres para a população carcerária, apresentando violações sistemáticas de Direitos Humanos e da própria Lei de Execução Penal (LEP). Trata-se, portanto, não somente de violações do controle de convencionalidade das normas de Direito Internacional, mas também de violações de princípios e garantias da Constituição Brasileira sobre direitos fundamentais e de normas jurídicas ordinárias do sistema jurídico brasileiro.
Dessa forma, o sistema de justiça criminal termina sendo alvo de debates devido ao fenômeno do encarceramento em massa e à seletividade penal que, muitas vezes, caracteriza o perfil dos operadores do direito do sistema. Essa situação, de violações de direitos humanos e fundamentais, foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como "um estado de coisas inconstitucional", conforme o julgamento da Medida Cautelar, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347 (ADPF 347), em setembro de 2015.
O encarceramento em massa refere-se a uma política criminal de encarcerar muitas pessoas, muitas vezes por infrações não violentas ou crimes menores, como forma de controle do crime e da criminalidade. Essa política criminal tem consequências nefastas não apenas para as pessoas envolvidas, mas também para a sociedade de uma maneira geral. Segundo o Anuário, a população do Sistema Penitenciário, junto com as custódias das polícias, em 2022, foi de 832.295 mil pessoas privadas de liberdade. O número representa um aumento de 257% desde 2000. Para quem não acha que no Brasil não se prende, o Brasil ocupou a terceira posição no ranking de maior população carcerária do mundo em 2022.
Pernambuco ocupou, em 2022, a quarta posição no ranking nacional de números absolutos de encarceramento, com 50.075 mil pessoas privadas de liberdade, ficando apenas atrás de São Paulo, com 196.074; Minas Gerais, com 70.030; e Rio de Janeiro, com 58.107.
No entanto, o problema vai além do número de pessoas encarceradas. A seletividade do sistema de justiça criminal tornou-se um ponto de preocupação fundamental. Estatísticas mostram que certos grupos sociais, como minorias étnicas e pessoas de baixa renda, são desproporcionalmente afetados. Essa realidade denota a existência de preconceitos e discriminação presentes no sistema de justiça criminal brasileiro. Segundo o Anuário, no Brasil são 442.033 mil pessoas negras privadas de liberdade, contra 197.084 mil pessoas brancas, o que representa um percentual de 68,2% da população negra encarcerada em relação à população carcerária total. Esses números contribuem, portanto, para um ciclo de desvantagens, marginalização e criminalização da população negra, alimentando uma desconfiança acerca da neutralidade do sistema de justiça criminal.
Em conclusão, o encarceramento em massa e a seletividade do sistema de justiça criminal são questões interligadas que exigem atenção urgente. A sociedade deve buscar um equilíbrio entre a punição e a reabilitação, promovendo a igualdade perante a lei e abordando as desigualdades subjacentes que perpetuam a criminalidade. O fortalecimento do Estado Democrático de Direito deve levar a reformas e capacitações no sistema de justiça criminal brasileiro, buscando fazer com que os operadores do direito promovam verdadeiramente a justiça social e a afirmação dos Direitos Humanos.
Ailton Vieira da Cunha, doutor em Sociologia; Priscila Lapa, doutora em Ciência Política.