A violência está descontrolada em Pernambuco, isso não é nenhuma novidade. Assaltos frequentes a ônibus, dezenas de homicídios diários, mortes sem esclarecimento, falta de investigação, falta de gestão da segurança pública, etc. Tudo isso faz parte do cotidiano do pernambucano. No entanto, não é normal em regimes políticos de democracia consolidada. Nenhum sistema político que se preze, reproduz dados de violência tão trágicos como os de Pernambuco. O problema é gerencial, de política de segurança pública, mais do que qualquer outro fator.
Vejamos os dados de homicídios em Pernambuco. Com os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública deste ano, analisando os indicadores de Mortes Violentas Intencionais (MVI) - que são a soma de homicídios dolosos, latrocínios, mortes resultado de agressão, mortes de policiais e vítimas de ação policial - temos a seguinte dinâmica: entre 2011 e 2017, os números absolutos apresentaram incremento percentual de 61%, saltando de 3.378 óbitos em 2011, para 5.427 em 2017, ano mais violento da série histórica. No entanto, entre 2017 e 2022, o estado apresentou recuo nas MVI de importantes 36,9% dentro de uma tendência nacional de queda que, no Nordeste, aconteceu em oito dos nove estados da região.
Com os dados do mesmo Anuário no que diz respeito aos crimes de roubos e furtos de celulares, principal bem subtraído dos pernambucanos pelos criminosos, sofreram um aumento de dez por cento entre 2021 e 2022, com o salto de 40.658 roubos e furtos perpetrados em 2021, para 44.832 em 2022, somando mais de oitenta e quatro mil roubos de celulares nos dois anos. Não à toa, as vítimas são assaltadas todos os dias dentro dos ônibus, indo ou voltando de seu trabalho.
O que o governo está fazendo de fato para controlar este tipo de crime que vitima principalmente os mais pobres? Absolutamente, nada. Não existe de fato plano de segurança pública em Pernambuco e a governadora, coitada, está mais perdida que cego em tiroteio. O plano de segurança pública, que substituiu o Pacto Pela Vida, não tem nem meta de redução de homicídios. Apresentado juntamente com o ministro da justiça, Flávio Dino, praticamente não teve efeito nenhum.
Voltando as MVI, vamos trabalhar agora os dados relacionados ao papel das instituições coercitivas - polícias, ministério público estadual, judiciário e sistema de justiça criminal - no controle, ou falta dele, dessas mortes. Vimos linhas atrás, que Pernambuco apresentou recuo da violência entre 2017 e 2022 depois de anos consecutivos de grave crescimento das MVI. Declaro de antemão que os números de homicídios não estão sob controle no estado, não obstante o recuo. As taxas ainda são muito superiores aos indicadores de média internacional (6 homicídios por cem mil habitantes), nacional (22,3 por cem mil) e regional (a América Latina tem média de 25 homicídios por cem mil habitantes), com 37 homicídios por cem mil habitantes pernambucanos.
Sabemos que os mais vitimados por MVI são: jovens, do sexo masculino, de baixo nível de escolaridade, envolvidos com atividades criminosas e moram nas periferias. No entanto, não são os fatores sociais que determinam essa carnificina. Os fatores são sobretudo institucionais (papel dos órgãos de segurança pública, as instituições coercitivas).
Por exemplo, podemos analisar os dados de investigação de homicídios do estado em anos recentes. Com o indicador de esclarecimento de homicídios do Instituto Sou da Paz, Pernambuco apresenta taxa de 55% no nível de esclarecimento, média maior que a nacional, que é em torno de 35%. Indicador importante que demonstra a possibilidade de impacto na redução dos últimos anos.
Outro indicador importante são as ações das polícias na redução da capacidade bélica da criminalidade. Em estudo feito pelo NEVCrim/UFCG detectamos o incremento percentual de 38% nas apreensões de armas de fogo ilegais entre os anos 2016 e 2020 (https://www.estadao.com.br/politica/gestao-politica-e-sociedade/morte-matada-a-dinamica-dos-homicidios-no-nordeste/) que teve importante conexão causal com a queda recente das MVI em Pernambuco.
Outro indicador analisado na mesma pesquisa destacou que, no mesmo período, Pernambuco apresentou expressivo incremento percentual de 119% em aumento da apreensão por tráfico de drogas, o que impactou significativamente na redução da violência medida pelas MVI recentemente.
A atual onda de violência que assola o estado de forma mais expressiva e explícita, com homicídios ocorrendo em praias, em manhã ensolarada de domingo, no principal ponto turístico de Pernambuco, deve ser vista com preocupação pelos gestores públicos pernambucanos. A inércia da atual gestão é clara.
A criminalidade violenta não se controla com melhorias dos fatores sociais. Estes são importantes como geradores de igualdade e oportunidades de emprego e renda. Mas, o que controla mesmo o crime violento são instituições coercitivas funcionando com eficiência, eficácia e efetividade e isso só ocorre com bons governos, governos responsivos com a garantia da vida, dos bens e das liberdades individuais.
José Maria Nóbrega, doutor em Ciência Política pela UFPE; coordenador do Núcleo de Estudos da Violência, da Criminalidade e da Qualidade Democrática (NEVCrim/UFCG/CNPq)