Depois da reunião oficial com os seus assessores e ministros, na Califórnia, os dois presidentes se recolheram aos aposentos, cansados de muita conversa e pouco resultado. Ficava claro, para os dois lados, que não interessava a ninguém uma guerra econômica e comercial, dada a grande interpendência das duas nações, os Estados Unidos sendo o grande importador dos produtos chineses e a China o financiador dos déficits norte-americanos. O fato é que nada de relevante foi acertado no encontro.
Quando o presidente chinês se preparava para se deitar e descansar, um assessor de Joe Biden bateu à sua porta, convidando-o para um encontro particular e sigiloso no apartamento presidencial. Xi Jinping se vestiu e, ao lado do assessor de Biden, caminhou pelo corredor em silêncio, evitando ser visto. Desceram dois andares pela escada e andaram mais alguns passos até chegar aos aposentos do norte-americano. O assessor deu três toques na campainha e o presidente dos Estados Unidos abriu a porta para a entrada do seu ilustre convidado. Os dois presidentes se cumprimentaram, Xi Jinping se acomodou numa poltrona, enquanto Biden preparava uma dose de uísque para selar o encontro. Sentados ao lado, levantaram os copos numa saudação. "Saúde e longa vida aos nossos povos e às suas lideranças", falou Xi com um sorriso travesso acompanhado por Biden.
Ainda conversaram amenidades, comentando o inusitado daquele encontro dos dois homens mais poderosos do mundo num quarto de hotel, sorriam imaginando o que diria a imprensa e mesmos seus assessores. De repente, o presidente chinês ficou sério se perguntando que segredos Biden queria partilhar com ele, logo ele, o principal adversário na disputa geopolítica global. O presidente dos Estados Unidos descansou o copo sobre a mesa e, com muito cuidado, escolhendo as palavras, explicou o que queria negociar.
- É o seguinte, Xi. A humanidade está correndo grave risco. Violentos e crescentes eventos climáticos estão ameaçando a vida humana, as mudanças climáticas podem destruir a vida em algumas décadas. E perigosos conflitos militares ameaçam a paz mundial, reeditando o "equilíbrio do terror" que quase leva a uma guerra atômica. Eu estou convencido que o futuro da humanidade depende de nós dois. Portanto, vamos deixar de lado as sutilezas da diplomacia e enfrentar abertamente esta dramática situação da história.
- Concordo com você, Biden. Mas, me diga, o que podemos fazer?
- Pra começa, acabar com esta corrida louca de emissão de gases de efeito estufa. Nossos países são os maiores emissores. Aliás, vocês emitem muito mais do que nós.
- É verdade, mas nossa população é quatro vezes maior que a dos Estados Unidos.
- Certo. Independente disso, se nós dois virarmos esta equação, impedimos o desastre ambiental e ainda daremos o bom exemplo ao resto do mundo.
- Nós já estamos fazendo isso, Biden. Mas vocês, vocês não conseguem mudar os hábitos alucinados dos americanos, seus carros com o consumo descontrolado de combustível fóssil e sua indústria suja.
- O que vocês estão fazendo ainda é muito pouco, Xi. Vocês comemoram que são campeões de produção e uso de carro elétrico. Mas, me diga, a eletricidade não continua sendo gerada em grandes termoelétricas a base de petróleo? E eu estou lançando um plano ambicioso de mudança da matriz energética e do sistema de transporte para deter o consumo de combustível fóssil.
Xi tomou um gole longo, olhando diretamente para a face rosada de Biden, e expos os seus planos na área ambiental. Mas, logo resolveu desviar a conversa. "E as guerras, Biden? Me diga, como a gente faz para acabar com essas guerras? Na nossa história milenar, raramente nós tivemos metidos em guerras com outros países, ao contrário de vocês".
- É mesmo, presidente? O que vejo é a China, discreta e silenciosa, participando dos conflitos nos bastidores e ainda se aproveitando da fragilidade dos países em guerra. Vamos deixar as sutilezas de lado e abrir o jogo. Minha proposta. Você dá um tranco na Rússia, manda Putin parar com esta invasão imbecil e descabida da Ucrânia, se retira do território ucraniano e eu obrigo Zelensky a ceder a Criméia. Em compensação, me comprometo a deter a violência insana de Israel contra os palestinos e jogar pesado para a implantação de dois Estados.
- Eu topo. Mas, tem uma condição.
- Condição? Que condição?
Xi Jinping não respondeu logo, pensou a melhor forma de formular sua contraproposta. Biden observou o silêncio do presidente chinês e começou a imaginar o que ele poderia pedir, que condições teria para se somar ao esforço comum para salvar a humanidade. O chinês resolveu ser explicito e jogou na mesa a sua condição.
- Você me entrega Taiwan.
- Não, peraí Xi. Taiwan não está em guerra. Nós já reconhecemos que ela é parte do território chinês. Mas não posso, simplesmente, entregar para sua anexação.
- Então, Biden. Nada feito. Nós vamos continuar com o esforço para acabar com as emissões de gases de efeito estufa, porque isto independe do nosso acordo. Mas não vamos nos meter com a Rússia.
O presidente dos Estados Unidos sabia da ambição chinesa de anexação de Taiwan. Resolveu aceitar e propor uma transição. "OK. Eu aceito. Mas vamos definir uma transição, 20 anos de um caminho lento e seguro até a anexação. Como os chineses são mesmo muito pacientes e sempre pensam em décadas, ou mesmo séculos, 20 anos é quase nada. Certo? Tem mais, eu preciso que você impeça as aventuras militares do menino maluquinho da Coréia do Norte".
Xi tinha pronto o lance seguinte. "Meu caro Biden. Você não pode me prometer nada para além de um ano. Posso confiar na sua palavra como um político sério. Mas, será que você ainda será presidente dos Estados Unidos por mais um ano? Nos próximos 20 anos eu ainda serei presidente. E você?"
Biden sentiu o golpe e sabia que, de fato, sua eleição estava ameaçada, além de ter consciência das limitações da idade. Resolveu devolver a agressão: "É verdade, Xi. Eu tinha esquecido que você é o ditador da China. O povo nem precisa saber das suas decisões, não é mesmo? Mas, olha, nós assinamos um tratado e eu aprovo no Congresso, garantindo a transição de Taiwan dentro do modelo de um país, dois sistemas".
- Eu não confio nada na democracia de vocês, Biden. Digamos que somos uma ditadura, mas uma ditadura que não faz guerra, presidente. E vocês? Que democracia guerreira, hein! Mas, vá lá. Se você aprovar este acordo no Congresso, mesmo sabendo que podem mudar depois, eu assumo a minha parte. Boto Putin pra correr e dou um xeque no menino maluquinho - completou sorrindo com o apelido. Precisamos apenas definir um cronograma.
- Como assim, cronograma?
- Só começo a agir depois que Israel parar totalmente com o massacre dos palestinos e começar uma conversa séria de formação de dois Estados.
Diálogo improvável e de resultado muito duvidoso. E la nave va!
Sérgio C. Buarque, economista