OPINIÃO

Pernambuco sem Fome

Nenhuma outra meta pode ter um governante, salvo evitar a fome do seu povo. Porque não ter sensibilidade em relação à fome é matar homens. Qualquer outra coisa é irrelevante. O bem-estar da população começa pela extinção da fome

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JOÃO HUMBERTO MARTORELLI

Publicado em 30/11/2023 às 0:00 | Atualizado em 30/11/2023 às 17:43
Abandono do centro do Recife - Thiago Lucas

Nenhuma outra meta pode ter um governante, salvo evitar a fome do seu povo. Porque não ter sensibilidade em relação à fome é matar homens. Qualquer outra coisa é irrelevante. O bem-estar da população começa pela extinção da fome.

Menino, fui precoce na poesia. Não no poetar, que aquela facilidade chamada inspiração, não a tenho, ou a tenho raramente, mas no ler e no amar. E na poesia forjei todos os valores que me têm guiado durante a vida. A poesia não é gênero literário, é o idioma anterior a todas as palavras (daria minha vida para ter escrito essa compreensão, mas é Mia Couto). E quando o poeta junta as palavras adormecidas no dicionário, e nelas incensa o Belo, o espírito mais indiferente amolece. Poesia é ilusão que não tem fim.

A solidariedade é um desses valores que nasceu em mim por efeito direto da poesia, não do catecismo, nem das abjetas aulas de moral e cívica a que nos obrigava a ditadura. Lembro o impacto do poema O Bicho, de Manuel Bandeira: Vi ontem um bicho na imundície do pátio, catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, não examinava nem cheirava: engolia com voracidade. O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem. Na mesma época, li Drummond: Era uma vez um czar naturalista que caçava homens. Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas, ficou muito espantado e achou uma barbaridade.

A conjugação dos dois poemas na minha cabeça deu origem a um sentimento concreto em relação à política. Nenhuma outra meta pode ter um governante, salvo evitar a fome do seu povo. Porque não ter sensibilidade em relação à fome é matar homens. Qualquer outra coisa é irrelevante. O bem-estar da população começa pela extinção da fome. A meta é sempre o homem. São importantes ações de educação, saúde, segurança, a construção de hospitais, escolas, obras de infraestrutura, espaços de lazer. Os aperfeiçoamentos de nossa democracia frágil e caricatural não são menos importantes, embora me traga ânsias de vômito a disputa mesquinha por cargos em todos os níveis, espalhada em páginas cotidianas dos jornais. Qualquer ação governamental é irrisória e insuficiente, porém, se o governante, em todas as esferas de competência, não prioriza o combate à fome. Individualmente, as ações filantrópicas pouco ou nada significam. Mas uma ação estatal voltada para o combate à fome, para além de demonstrar o alcance da visão do governante, tem a eficácia de uma elegia humanitária.

Por isso, merece ser ressaltada, em verso e prosa, a iniciativa do Governo do Estado ao propor lei criando o programa Pernambuco Sem Fome. Segundo notícias, com R$ 469,5 milhões garantidos na proposta de Lei Orçamentária para 2024, a proposta do Pernambuco Sem Fome está dividida em três programas: o Mães de Pernambuco (transferência de renda de R$ 300 por mês para mães de 0-6 anos com renda familiar per capita de até R$ 168), o Bom Prato - restaurantes populares e cozinhas comunitárias - e o Programa Estadual de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar.

Mil bocas de mil mortos murmuram obrigado.

João Humberto Martorelli, advogado

 

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