O processo de transição demográfica da sociedade brasileira se tem caracterizado por contínuo aumento da esperança de vida ao nascer e forte redução da fecundidade. A conjugação dos dois fenômenos leva naturalmente ao envelhecimento da população do país.
De fato, os dados do Censo de 2022 indicam que a esperança de vida do brasileiro é de cerca de 76 anos (era de 48 anos em 1960 e de 70 anos no ano 2000), enquanto a taxa de fecundidade gravita hoje no entorno de 1,6 filho por mulher (já foi de 6,3 em 1960 e 2,4 no ano 2000).
Relativamente ao levantamento de 2010, o mesmo censo registra que os idosos (pessoas acima de 65 anos) aumentaram em termos absolutos e relativos, enquanto os jovens (grupo de 0 a 14 anos) diminuíram numérica e proporcionalmente.
Essas transformações demográficas impactam diretamente no eleitorado, que é a população sem os menores de 16 anos. Embora com coortes diferentes, o eleitorado jovem (16 a 24 anos) e idoso (acima de 60 anos) evoluiu no mesmo sentido da população correspondente, neste último período intercensitário.
Mas qual o impacto nas eleições majoritárias brasileiras de um eleitorado com menos jovens e mais idosos, em um contexto sociopolítico dividido entre esquerda (progressista) e direita (conservadora).
Sem a higidez metodológica e o zelo conceitual que caracterizam as discussões acadêmicas que envolvem os conceitos de direita e esquerda no espectro político, basta dizer que há suficiente evidência empírica para rotular a sociedade brasileira como conservadora, tendo presente, todavia, que é um equívoco imaginar que a tal visão conservadora esteja restrita apenas à direita, conforme se depreende de pesquisa da Quaest, citada pelo O Globo, de 19/02/2023 ("O Brasil é mais conservador do que muitos gostariam").
Poder-se-ia, assim, ainda que em juízo de delibação, inferir que um eleitorado com menos jovens e mais idosos tende a votar mais em candidatos e partidos que defendem pautas liberais, incluindo às associadas a valores morais e aos costumes, acentuando, assim, o grau de conservadorismo já existente na sociedade.
Qualquer ilação neste sentido, entretanto, carece de qualificações. Jairo Nicolau ("O Brasil dobrou à direita"), por exemplo, mostra que a idade tem tido pouco impacto nas eleições presidenciais, tanto assim é que os candidatos tendem a vencer no segundo turno em todas as faixas etárias, a exemplo de Dilma em 2010 e 2014 e Bolsonaro em 2018.
Ainda nesta senda, agora mesmo na eleição presidencial argentina, contrariamente a que se poderia esperar em termos de visões de mundo associadas à esquerda, o eleitorado jovem votou maciçamente em Javier Milei, tido como de ultradireita.
É permissível asseverar, assim, que nas eleições majoritárias, a tendência de voto do eleitor, relativamente ao seu perfil etário, depende, parodiando Ortega & Gasset, do "candidato e suas circunstâncias", quer dizer, das peculiaridades de cada eleição.
Some-se a esses aspectos distintivos a notória despolitização do eleitor brasileiro, geralmente "líquido" e volátil, e têm-se aí mais incertezas num panorama que já é de per se abstruso.
Depreende-se assim que o impacto da transição demográfica nos extremos da pirâmide etária do eleitorado brasileiro não colaciona suficientes suportes empíricos para delinear um quadro comportamental do voto que se possa assegurar direcione-se nitidamente nesta ou naquela direção ideológica a ponto de influenciar resultados eleitorais majoritários nacionais.
Claro que associando o novo perfil etário do eleitorado a fatores que reforçam o conservadorismo na sociedade, como a forte e crescente influência dos evangélicos, as "circunstâncias" projetam dificuldades para ideais mais vocacionados à esquerda.
Maurício Costa Romã, Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. mauricio-romao@uol.com.br