OPINIÃO

A pandemia do Zap

Ainda há tempo para salvar as crianças. Os de mais idade, não mais

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SÉRGIO GONDIM

Publicado em 09/12/2023 às 0:00 | Atualizado em 09/12/2023 às 10:24
Vestibulandos receberão notícias do Enem pelo Zap do Fera - PIXABAY

Quase todas as crianças, adolescentes, adultos e idosos já foram contaminados. Tal qual outros vírus, como o HIV que contamina em meio ao prazer do sexo não protegido, o WhatsApp e suas variantes de preocupação também se aproveitam das vantagens que oferecem. Chegam com uma fantástica facilidade de comunicação, facilitam negócios, contam piadas, tudo de bom, aparentemente. Assim como o HIV que lentamente destrói o sistema imunológico e expõe os portadores a toda sorte de infecções, o Zap aos poucos compromete o cérebro de muitos infectados.

Começam ocupando o tempo de jovens que deixam de ler um romance ou os clássicos, para saber as fofocas e maldades da vida de jogadores de futebol, atrizes ou do vizinho do prédio. Divulgam intermináveis bobagens e pequenos vídeos grosseiros de conteúdo nulo para que sejam curtidos. Roubam horas que seriam destinadas ao estudo, fragilizam a formação humanística e ética, além da capacidade de refletir que é própria e única do ser humano. Ainda não houve tempo suficiente para saber se ocorrerá inversão da curva de crescimento do cérebro observada na evolução da raça e não está descartado que uma atrofia precoce possa causar microcefalia em massa.

Paradoxalmente as redes isolam as pessoas e distorcem os valores da vida. Comprometem a neurotransmissão, causam depressão e ansiedade. Criam pessoas virtuais que cedo ou tarde precisarão se encontrar com a realidade, sem os retoques de imagem ou espaço para sorrisos falsos. A vida como ela é, bem diferente da que é postada.

O transtorno faz com que passem a sentir inveja da aparente felicidade dos outros, uma admiração infeliz. Que transformem frustrações em agressividade e ataques às pessoas que gostariam de ser. Ficam vulneráveis às informações claramente distorcidas e falsas, incorporam ideologias e valores que lhes eram estranhos até o momento em que ocorreu a contaminação. Faz parte do quadro clínico ter o sono perturbado, com dificuldade para conciliar e despertar precoce.

Da mesma forma que outras infecções, felizmente nem todos os contactantes adoecem. Alguns não apresentam sintomas, mas podem maldosamente transmitir e até se profissionalizam para isso, como quem tosse sem máscara em ônibus lotado.

Os que são imunes, por vezes tentam combater, alertar, vacinar, mas muitos não acreditam em vacinas, aliás esse é mais um sintoma da síndrome.

Depois que o cérebro se modifica, passa a acreditar em lorotas de forma irreversível, perde a capacidade de crítica e autocrítica, fica complemente disfuncional, com atividades limitadas ao hemisfério direito ou esquerdo, anulando o equilíbrio do cerebelo. Aí não tem mais jeito. A ciência ainda não encontrou uma forma de recuperar. Ficarão recolhidos em seus grupos, isolados, como acontecia no passado com os contaminados por certas doenças contagiosas quando não havia tratamento. Agora é pior porque mesmo isolados continuam propagando o mal através dos mesmos canais que o infectaram. Os grupos de portadores, sofrem então auto infestações ampliando os danos em cascata e sentem-se ameaçados por tudo. Depois perdem a expressão do olhar que fica fixo, sem horizonte. Passam a resmungar sem parar e não conseguem mais segurar a mandíbula, até a saliva escorrer.

Ainda há tempo para salvar as crianças. Os de mais idade, não mais.

Sérgio Gondim, médico

 

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