OPINIÃO

Financiamento de partidos e de campanhas eleitorais

...os princípios da igualdade de oportunidades e do pluralismo do estado democrático de direito ainda se revelam uma teoria distanciada no tempo e difícil de ser posta em efetiva execução.

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DAYSE DE VASCONCELOS MAYER

Publicado em 28/01/2024 às 0:00 | Atualizado em 28/01/2024 às 21:22
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O Estado brasileiro é um estado de partidos com singularidades ou especificidades próprias como é o caso da pluralidade de grupos de pressão que se alojam nessas entidades como se fossem ostras nas pedras. Analise-se a situação dos evangélicos acostados ao PL.

Teoricamente, os partidos não podem prescindir de fundos partidários porque é ele que permite assegurar a "Chancengleichheit" ou igualdade de oportunidades das candidaturas. Tal premissa é verdadeira? Vejamos.

Os princípios da competitividade e da igualdade de oportunidades das candidaturas, que fundamentam a existência de tais fundos, só existem no plano jurídico. No plano qualitativo as candidaturas são desiguais em diferentes aspectos. Tenha-se em consideração o aspecto histórico: em sua trajetória, os partidos brasileiros não se desligaram, por inteiro, do seu passado colonial. O fato faz recordar uma passagem de Joaquim Nabuco transcrita num artigo publicado há 50 anos na Revista "Documentação..." publicada pela UnB: "Pareceu-me vê-los enfiar por um corredor escuro, cuja porta era fechada por um homem de capa preta, meias de seda preta, sapatos de fivela. Este era nada menos do que o porteiro do Senado vestido segundo as praxes do tempo...quanta coisa obsoleta! Alguém ainda quis obstar à ação do porteiro..., mas não o alcançou: aquele deu a volta à chave, envolveu-se na capa, saiu por uma das janelas e esvaiu-se no ar, a caminho de algum cemitério...Se valesse a pena saber o nome do cemitério, iria eu catá-lo, mas não vale, todos os cemitérios se parecem". Com as devidas mudanças, a situação dos partidos no Brasil em nada difere dessa passagem de Nabuco. A verdade é que os partidos políticos em nosso país ainda estão buscando um coveiro e um cemitério para enterrar as suas anomalias.

Cumpre assinalar que o fundo partidário data de 2017 e surgiu após caloroso debate para supressão do financiamento de campanhas por empresas privadas, considerado bem mais propenso ao ilícito. A nova legislação prevê, inclusive, que os partidos prestem contas de cada gasto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ocorrendo sobras, o dinheiro volta para a conta do Tesouro Nacional. Curioso é que na "história das restituições de verbas partidárias" só encontramos, salvo equívoco, o nome do ex-presidente Marco Maciel.

O novo diploma legal em vigor permite, em tese, que cada candidato, durante as eleições, revele aos eleitores o seu merecimento por meio da divulgação na mídia, de suas propostas de mudança. O "diálogo" com a população exige a aplicação de grande soma de recursos que apenas os grandes partidos podem dispor. Pondera-se que a inexistência de fundo eleitoral ofertaria oportunidades apenas aos partidos endinheirados. Essa percepção constitui uma meia verdade, daí as palavras sábias de Drummond: "a explosão da verdade gera tanta poeira, que, por amor à limpeza, buscamos evitá-la". Indiferente a essas letras, as decisões dos órgãos de soberania caminham no sentido de favorecer ou de prejudicar determinados partidos e candidaturas em relação a outra ou outras. Na maioria dos casos, essa modalidade de destrinça se revela demasiado sutil para a boa compreensão pela sociedade. Aliás, num país de analfabetos e com os indigentes vivendo às custas dos cofres públicos, as eleições estarão sempre contaminadas ou pervertidas pela "lealdade". Até por uma razão simples: o conhecimento do povo do que se passa nos bastidores das eleições é sempre pífia. Vale, sem dúvida os presumíveis "favores" que o Governo presta a título, por exemplo de bolsa-família com um custo de 169,5 bilhões. Tal desenho em nada difere do antigo caciquismo ou mandonismo dos chefes políticos. Convém advertir que o superávit de verbas liberadas para os partidos tem sérias implicações no sobre-excesso dos encargos do Estado ou na repartição das demais verbas públicas como é o caso da educação, da saúde e da segurança pública.

Basta confrontar os mapas de liberação de verba partidária no período eleitoral com as leis orçamentárias. No ano em curso, o Governo foi além do que seria prudente. Temos então um valor recorde para as eleições municipais ou o dobro do último pleito para prefeitos e vereadores. São 4.9 bilhões para o fundo eleitoral, valor esse que ultrapassa em mais de duas vezes o total destinado para as eleições municipais de 2020 (R$ 2,34 bilhões). As discussões levadas a cabo pela Câmara e pelo Senado - lugares onde ainda opera o homem da capa preta - tendem a revelar que o princípio da transparência e da igualdade adquire cada vez menos relevância. Aliás, os partidos ficam com livre arbítrio para delimitar seu próprio financiamento eleitoral de acordo com a representatividade partidária. Funciona nesse aspecto, a música "Piston de Gafieira" " quem está fora não entra, quem está dentro não sai". Basta esse argumento para inferir que os princípios da igualdade de oportunidades e do pluralismo do estado democrático de direito ainda se revelam uma teoria distanciada no tempo e difícil de ser posta em efetiva execução.

Dayse de Vasconcelos Mayer, doutora em ciências jurídico-políticas 

 

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